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CAPÍTULO 2

RAUL

Dois dias depois

Adentro o aeroporto de Turim, onde o pai de Théo mantém seu jatinho guardado carregando apenas minha mala pessoal e devidamente uniformizado, embora esteja fazendo um favor pessoal para um amigo, gosto de estar devidamente padronizado, além do enorme orgulho que sinto de mim cada vez que ponho esse uniforme, não foi uma tarefa fácil largar a carreira de engenheiro civil e convencer o Sr. Alberto Rabello de Alcântara que esse era o futuro do seu único filho. 

Sorrio, avistando de longe seu Leopoldo, o homem que conheço desde garoto e hoje em dia garante a manutenção do jatinho particular dos Mourão. Não avisto sinal nenhum da irmã de Théo, apesar de tê-la visto pela última vez, quando era só uma garota e tendo quase certeza de que não a reconheceria hoje.

— Ei, garoto. Théo me contou que você seria o piloto, então, gostou dessa belezura. — O homem aponta com a cabeça rumo a aeronave e fico sem palavras.

— Aquele bastardo não me contou que seria essa lindeza que eu pilotaria, se tivesse me falado antes teria economizado muito latim. — Digo, fazendo Seu Leopoldo gargalhar divertido.

Rio junto, ainda admirando o modelo Phenom 300 da Embraer, branco com detalhes em azul nas asas. Pelo que li, essa belezinha é veloz e já estou louco para colocá-la no ar.

— Onde está Pâmela? — Pergunto pela irmã de Théo e o franze as sobrancelhas, olhando ao redor confuso.

— Ela estava aqui nesse minuto. — Coça os cabelos, bagunçando os fios já grisalhos enquanto continua sua busca com os olhos. Deixe-me mandar alguém checar no banheiro, um minuto.

— Não tem o número dela? — Pergunto, querendo ganhar tempo. Além de estar louco para pilotar a aeronave, também tenho que pegar o vôo de volta para o Brasil ainda essa noite.

Stella e eu resolvemos antecipar o casamento para o começo do próximo mês e estamos correndo contra o tempo, felizmente meu trabalho por aqui foi tão bem-sucedido que a filial me quer fixo para os vôo internacionais lá no Brasil e estou adiantando minhas férias por conta da cerimônia e lua de mel. O piloto que eu estava substituindo também voltou as ativas semana passada, antes do esperado e todos saímos ganhando.

— Não, senhor. — Faço cara feia ao ouvir o termo utilizado por ele.

— Não me chame assim, Leopoldo. Você praticamente me viu crescer, livrou a minha pele e de Théo muitas vezes. Com todo respeito, te tenho como uma espécie de pai. — Os olhos do homem me encaram com comoção, meio constrangido. O puxo para um abraço e ele corresponde meio sem jeito, até meio tímido.

— Certo, menino. Agora deixe de sentimentalismo que eu vou atrás daquela menina.

O solto, sorrindo pelo seu jeito atrapalhado.

— Como ela é? — Pergunto, me referindo a Pâmela. — Tem muito tempo que não a vejo.

Sinto que ele estranha minha pergunta pelo vincar de suas sobrancelhas, deve pensar que por ser tão chegado a Théo também seria da garota. Acontece que quando Théo se mudou para a Espanha no fim da adolescência temos nos encontrado pouco, apesar de mantermos o contato frequentemente e estarmos comemorando um com outras datas importantes. No bem da verdade, Théo sempre manteve a irmã protegida de baixo de suas asas e longe dos amigos.

— A menina Pâmela se tornou uma mulher bonita, divertia, bem-humorada e boa pessoa.

Tento repuxar a imagem da menina na cabeça e reformular, mas tenho poucas informações e resolvo deixar para lá.

— Tudo bem. Sabe do meu copiloto? Preciso organizar umas coisas com ele primeiro.— Pergunto, antes que ele parta.

Desvia o olhar do meu e encara o lugar onde dois garotos conversam de forma distraída.

— O garoto é novo, mas aprende rápido e está super empolgado por trabalhar com você. Tem admiradores por aí, rapaz. — Diz, já saindo.

Continuo encarando os dois garotos sem acreditar, não sabendo identificar qual é mais novo. Parece a porra de dois adolescentes, caralho. Devem até ter espinhas no rosto.

Pego meu telefone e clico no número do idiota do Théo para reclamar, gosto de viajar com pessoas experientes e ele me garantiu isso.

— Ei, você é Raul Rabello, correto? O duque do avião. — Um rapaz franzino, com olhos verdes mostrando empolgação, fala. O encaro por alguns segundos, avaliando o que suponho ser meu copiloto.

— Sou, e você é? — Estico minha mão, ainda cabreiro com a idade do menino.

— Júlio. — Responde em um espanhol nativo, mostrando todos os dentes enquanto sorrir.

Assinto.

— Você será meu copiloto hoje?

— Sim, senhor. Será uma honra. — Diz, fazendo reverência, parecendo nervoso de repente.

Ignoro a reverência e foco no que realmente importa.

— Você já esteve em uma aeronave dando suporte para o primeiro piloto antes? — Questiono e o vejo engolir a seco.

Droga.

— Você sabe que se algo me acontecer vai ter que assumir o controle, não é? — Olhos assustados me encaram e penso que o menino está prestes a vomitar.

— Você é realmente um duque? — Pergunta, olhando—me com curiosidade e admiração.

Quero lhe dizer que isso não interessa, mas me contenho e mantenho a pose profissional.

— Responda a minha pergunta. — Digo firme, levando a sério a possibilidade de subir na aeronave sozinho.

— Sei, sim senhor. Prometo não decepcionar. — A voz trêmula entrega o seu medo evidente, porém a coragem do garoto despertam lembranças do meu início nesse ramo e resolvo lhe dá uma chance.

— Tudo bem.

Ando em direção ao jatinho e percebo uma comoção perto da cabine, vozes agitadas despertam minha atenção e foco nos cabelos loiros que estão sendo agitados pelo vento.

— Pâmela? — Arrisco, fazendo com que duas garotas virem e me encarem, posso jurar que uma delas ou ambas suspiram ao me olhar.

— Você é a irmã do Théo? — Pergunto a loira, que aparenta surpresa com minha pergunta.

Penso ter me confundido, mas entre as duas ela aparenta ser a mais jovem e a amiga logo acrescenta:

— Sim, é ela. Amiga, tenho que ir agora, ok? Não esquece de me ligar assim que chegar. — Pisca.

Pâmela encara a amiga com incredulidade, olhando entre mim e a morena de cabelos curtos, parecendo incomodada com minha presença.

— Você não vem comigo? — Sussurra, apertando os lábios grossos um no outro.

— Não posso, esqueceu que preciso encontrar Guiseppe? Meu italiano lindo está me esperando, te mando notícias. —  A morena fala, estalando um beijo na bochecha da irmã de Théo.

Então, ela parte, deixando um clima estranho e pesado.

Tusso, desconfortável. Como eu posso não ter intimidade com a irmã do meu melhor amigo? Vi essa menina comer barro, merda!

— Lembra de mim? — Pergunto, tomando de volta sua atenção. Querendo por algum motivo quebrar o clima estranho que ficou.

— Sim. — Ela responde, não me olhando nos olhos.

Isso me incomoda para um caralho.

— Quantos anos, tem? — Não sei por qual motivo estou perguntando isso, simplesmente saiu.

Só quero que ela me olhe, assim de lado não consigo assimilar com a menina que via na infância. Os cabelos loiros são longos e chegam até o meio da cintura, o nariz é bastante miúdo, ela está vestindo roupa casual e por isso não consigo analisar muito. Porém, a calça jeans está moldando o que parece ser uma bunda perfeita.

Não que eu tenha reparado nisso, tenho uma noiva me esperando e essa é a irmã mais nova do meu melhor amigo.

— Vinte e um. — Responde, ainda olhando na direção pra onde a amiga foi.

— Onde está sua mala? — Continuo tentando uma conversa.

— No avião.

Me irrito, querendo forçar o rosto dela na minha direção.

Abro a boca para falar algo que a faça me olhar, nem que seja porque está ofendida.

— Socorro, me ajudem. Por favor! — Uma mulher com sotaque italiano diz ofegante.

Isso ganha a atenção de Pâmela rápido e de repente a garota está dando suporte a mulher e perguntando o que ocorreu, parecendo verdadeiramente preocupada.

— Ele...— Ela diz ofegante, olhando pra trás a todo momento. Começo a achar a situação estranha e fico em alerta.

— Calma, respira. — Pâmela sussurra. 

— Não dá, ele está vindo. Vocês precisam me ajudar. — A mulher diz, parecendo desesperada.

— Ele quem? — Pergunto, olhando pra onde ela olha.

— Mio marito. — Diz, intercalando palavras no seu idioma com o inglês que estamos usando pra falar com ela.

Isso me deixa ainda mais desconfiado, puxo as duas mulheres para mais próximo da aeronave, em um ponto menos visível. 

— Quem é você? — Pergunto.

— Vuole prendere mia figlia. — Diz, apertando com mais força a menina em seus braços.

— Em inglês, por favor. — Digo, um pouco alto, assustando ainda mais a mulher que se encolhe.

— Cacete, sinto muito. É que preciso saber quem são vocês. — Digo em um tom mais baixo.

— Egli sta arrivando. — Diz, agitada. Espremendo com mais força a bebê enrolada em uma mata.

— Temos que ir. — Pâmela diz. Puxando a mulher para dentro da aeronave e não me dando escolha.

Cacete!

— Júlio, vamos! — Grito para meu copiloto.

Vejo homens de terno preto correndo em nossa direção e trinco o maxilar.

— Agora, Júlio! — Bato no metal do jatinho, assustando meu copiloto.

Subimos todos rápido, sigo para a cabine e peço permissão para alçar vôo.

Ligo as turbinas e assim que recebo a confirmação dou a partida, deixando o chão dentro de alguns segundos.

— Porra! — Solto, ainda sobre o efeito da adrenalina e irritado por não saber a merda que estou me metendo.

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