02
Ele está gravando palavra por palavra, pensou Vicky em um repentino pressentimento, para serem usadas como evidência contra mim em alguma futura ocasião.
Rapidamente, e para seu alívio, ela se lembrou de que não haveria outra ocasião. Mesmo com todo seu poder, ele não poderia obrigá-la a trabalhar em sua empresa. Dali a pouco estaria longe dali e nunca mais veria aquele homem.
Vicky forçou um sorriso confiante.
— Sim, eu tinha uma vida social moderada. Fiz muitos amigos em Sydney. Os australianos são muito amáveis.
— Assim ouvi dizer. Meu irmão certamente pensava assim.
— Seu irmão morou lá? — Vicky sentiu uma coloração traidora aquecer suas faces.
— Shaun Forbes, meu irmão gêmeo.
Shaun nunca lhe contara! Eles estiveram em contato por aproximadamente um ano e meio, e ele jamais mencionara que o tão odiado irmão, era seu gêmeo idêntico. Ela imaginava como deveria ter sido desgastante e sofrido para Shaun, não ter vivido à altura de um irmão que saiu do mesmo ventre, na mesma hora, e que tivera a mesma criação e privilégios.
Ver Max Forbes ali, causara-lhe um tremendo choque.
Havia muito na estrutura física daquele homem que a arremessava doentiamente ao passado e às lembranças que procurava, havia tanto tempo, banir da memória.
— Ele era bastante conhecido na sociedade local, suponho. — Ele caminhou de volta à mesa, os lábios levemente torcidos.
— Não. Nunca ouvi esse nome antes.
As palavras quase pararam em sua garganta. Sentia-se brincando com fogo. A vida não tinha sido fácil desde que voltara para a Inglaterra. A família do último inquilino que ocupara a casa de sua mãe tinha sido desleixada e, infelizmente a imobiliária que administrava o imóvel não assumira o prejuízo. Assim, além da insana tarefa de procurar emprego e reorganizar as finanças, havia o problema da casa, que necessitava urgentemente de reparos.
E havia Chloe.
Vicky fechou os olhos, e uma sensação de náusea percorreu-lhe o corpo.
— Estou surpreso. James tinha bastante contato com Shaun. Pensei que você o conhecesse da empresa.
Vicky, sem conseguir controlar o cérebro, balançou a cabeça e olhou sem expressão para o homem que a mirava.
— Não? — insistiu ele.
— Bem, talvez... — ofereceu ela em uma voz quase inau-dível.
— De qualquer forma, Shaun talvez nem a houvesse notado — colocou Max.
O homem certamente não tivera a intenção de insultá-la, mas conseguira. Se ela ao menos pudesse contar quanto seu abominável irmão tentara seduzi-la. Encantara-a com sua fala macia, oferecimentos de flores e bajulações inócuas. Dizia que ela fora destinada a salvá-lo de si mesmo e a agradecia com lágrimas por fazê-lo querer ser um ser humano melhor. Vicky caíra na armadilha, completamente. Mas pouco tempo depois, a máscara de bom moço de Shaun começou a cair, evidenciando-lhe o mau-caráter.
— Muitíssimo obrigada — disse ela friamente.
— Por que decidiu deixar a Austrália se tinha um emprego brilhante e uma vida social agitada?
A pergunta era irrelevante, considerando que ela não tinha intenção de trabalhar para o homem, mas o medo de aumentar ainda mais a curiosidade dele, impediu-a de dizer-lhe que cuidasse de sua própria vida.
— Eu nunca pretendi construir minha vida lá. Senti que era hora de voltar para a Inglaterra.
A imagem da pequena Chloe novamente lhe veio à mente. Tudo estava centrado em Chloe.
— E você teve empregos temporários desde que voltou? Ganha-se pouco trabalhando assim, concorda?
Uma miséria, seria a resposta correta.
— É possível pagar apenas as necessidades básicas.
— E onde está morando? — Por um minuto os olhos inquisidores deixaram de encará-la, concentrando-se no currículo que tinha à sua frente.
— Moro nas redondezas de Warwick.
— Casa alugada?
— Minha mãe deixou a casa para mim quando faleceu. Esteve alugada nos últimos anos.
Ele empurrou o papel e recostou-se na cadeira, mãos entrelaçadas atrás da cabeça. Então a fitou sem se incomodar em disfarçar a curiosidade.
— Jovem senhora, recém-chegada do exterior, e, sem dúvida alguma, querendo remobiliar a casa, rejeita um emprego que é infinitamente superior ao qual ela originalmente se candidatou. Ajude-me com uma explicação lógica... Se há algo que não suporto, é mistério. Sempre achei que mistérios existem para serem decifrados, e sempre os decifro. Adivinhe como.
— Como? — perguntou Vicky, hipnotizada pelos olhos dele.
Quando conhecera Shaun, ficara atraída primeiramente pelos olhos dele. Aqueles mesmos olhos acinzentados, os cabelos negros e as linhas bem esculpidas da face. Ele era lindo! Se ela tivesse tido algum juízo, teria conseguido enxergar além da beleza estonteante e ver a inquieta e exaltada energia de um homem que era capaz de se tornar cruel em questão de segundos.
— Eu nunca desisto de desvendar mistérios — respondeu ele com um sorriso perigoso que a fez tremer.
Max Forbes era parecido demais com o irmão, mas ao mesmo tempo tinha desigualdades notórias. Se a aparência de Shaun cativava pela beleza, a de seu irmão hipnotizava pelo poder. Vicky imaginava que Max conquistava seus objetivos pelo simples fato de ser indiferente às convenções sociais e dizer precisamente o que queria, a despeito das conseqüências, com seu carisma rude do tipo "eu faço o que quero", era irresistível para as mulheres.
Max Forbes olhou para a pequena figura na cadeira. Parecia mais uma criança inocente, com a face travessa, alva e sardenta, do que uma mulher. Mas os instintos dele lhe diziam que a história era diferente. Algo não se enquadrava naquela inocência, e seu desejo de descobrir o quê, realmente o surpreendia. Há muito tempo não sentia uma curiosidade tão eletrizante sobre alguém. Observou as faces rosadas do rosto feminino.