6: Desembargador
Nadja
— Tá falando sério? — Ele sorri de lado.
— Não. — Saio do banheiro. — Eu só estava brincando, assim como o senhor faz. — Tento a todo custo não olhar para baixo da sua cintura e desvio o olhar. — Não demore, por favor, eu tenho um compromisso.
Volto para o quarto, fecho a porta e me deito na cama.
— Deus me livre! — Dou um longo suspiro tentando tirar a imagem daquele homem do meu pensamento. — Você já peca demais. Não cobiça uma merda dessa, Nadja.
Ajoelho-me ao lado da cama e começo a orar o Pai-Nosso. Oro uma, duas, três, quatro, cinco… Várias vezes até que ele abre a porta com a toalha enrolada na cintura e diz:
— Tá fazendo o quê?
— Estava orando. — Levanto-me e entrelaço meus dedos atrás das costas.
— Para tirar o bandido aqui do pensando? — Ele sorri de lado.
— Tudo bem que eu aceitei a sua brincadeira de antes, mas acho melhor pararmos com isso. Não possuímos intimidade.
Ele balança a cabeça concordando e se encosta na porta. Será que eu vou sempre ter que pedir para ele sair?…
Após tomar banho e me arrumar, abri a porta do meu quarto e vi Josué tão cheiroso quanto arrumado.
— Isso é para o trabalho? — Ele olha para o meu “uniforme”: minha roupa de festa, a maquiagem e os adereços.
— É. Poderia me ceder um homem armado, por favor?
— Para quê?
— Caso eu necessidade intimidar uma pessoa.
Ele me olha com desconfiança e pergunta:
— Tem certeza que é só para intimidar?
— Não. — Olho para o teto. — Mas farei o possível para não ser necessário usar a arma. Ah, ele precisará usar terno!
— Entendi. — Ele vai para o seu quarto…
Josué colocou um terno e fomos para um salão de festa chique no centro de Belo Horizonte. Procuro pelo desembargador Romeu Bragança enquanto tomo champanhe.
— Quem é o cara que você tá procurando?
— Ele é gordo, baixo, calvo e ruivo. — Dou dois passos para o lado olhando para todos no salão.
Josué cutuca o meu braço e me mostra o desembargador com uma mulher loira que possui vitiligo.
— Vamos lá! — Passo o meu braço pelo dele e nos aproximamos do desembargador. Ele para de conversar ao me ver e dá um sorriso forçado. — Como vai, senhor Romeu?
— Nadja!? Oi, que bom te ver! Essa é a Rebeca, minha afilhada.
Sorrio para a moça, coloco as mãos para trás e digo:
— É muito linda. Infelizmente, preciso ser mal-educada, porque estou com pressa e não posso tardar aqui. Quero conversar com o senhor a sós, será possível?
— Será. Acompanhe-me, por favor. — Ele sobe as escadas do salão e vamos atrás dele.
O desembargador nos levou para o terraço. Um lindo terraço com mesas e flores brancas o decorando. Aqui não há ninguém, então podemos conversar à vontade.
— E quem é o jovem? — Ele olha para Josué.
— Ele trabalha para o Alberto assim como eu.
Sento à mesa, Josué e o vagabundo se sentam também. Cruzo as pernas, pego o meu celular, finjo mandar uma mensagem para alguém e ligo o gravador de voz. Coloco o celular na minha bolsa e digo:
— O senhor publicou na sua rede social uma mentira sobre o meu pai. Quero que apague.
— Sinto muito, mas não é uma mentira, o seu pai se aliou à igreja Poder Divino do Senhor e está usando o dízimo para fins políticos.
— Não há provas, mas tenho provas de que o senhor foi subornado para publicar essa notícia falsa. Sabe muito bem como é, ninguém fica do lado fraco quando tem um mais forte para protegê-lo. Não tem vergonha de ser aliado de um homem tão baixo?
— Veja bem o que fala, menina. — Ele me aponta o dedo. — Quem te contou essa mentira?
— Seu amigo, meu bem. Aquele que eu sei que o senhor confia até de olhos fechados. Ele está sempre com você. Sabe dos seus passos. Até esqueci o nome do bendito. Qual é mesmo? — Estalo os dedos. — É…
— Juan.
— Isso, Juan de Amaral. Se o senhor tivesse se aliado a nós, nunca teria passado pelo que passou quando foi acusado injustamente de injúria racial. Quem ficou do seu lado? — Cruzo os braços. — Ninguém ficou. Mas meu pai teria ficado, ele teria te dado apoio. Pelo menos teria te dado o benefício da dúvida, mas você preferiu se aliar a gente suja e ficou sozinho. No futuro, as consequências vão pesar feio para você.
— Calma, vamos conversar com calma. — Ele suspira. — Jesuíta nunca me ofereceu dinheiro para fazer aquela publicação. Nunca! Seja o que for que o Juan tenha dito, é mentira! Eu vou te explicar o que houve. O deputado Jesuíta Branco me pediu uma ajuda para verificar umas informações. Mexi os pauzinhos, dei uma verificada e percebi que o seu pai realmente está usando dízimo de uma igreja que nem é dele para ações políticas. Compreendeu?
— E as provas?
— Filha, é isso que eu falei. Nada do que eu disse naquela postagem é mentira, seu pai fez isso. Eu sei porque eu pesquisei e eu sei que é verdade. Nunca fui lacaio de político algum. Nunca! Apenas publiquei uma verdade que deveriam saber. Só isso. Se o Jesuíta está metido com corrupção, eu não sei. Agora, o Juan, o Juan deve estar querendo sujar a minha imagem para se dar bem com vocês. Talvez também esteja com o Jesuíta. Eu não tenho certeza de nada.
Ele podia ser um político. Sabe muito bem enrolar, enrolar e nunca ser direto com suas respostas. Ele falou tanto, mas não deu resposta alguma. Se eu fizer a mesma pergunta, ele dirá que já respondeu e ficará dizendo um monte de baboseiras até eu desistir. É isso que um político faz.
— O Jesuíta já te deu dinheiro! Sei que ele já te deu.
— Deu, mas não foi de propina. Foi um empréstimo.
— Um empréstimo que nunca será pago, senhor Romeu? — Dou um leve riso.
— Claro que vou pagar. Eu vou pagar no começo do próximo ano.
Olho as horas no meu celular e digo:
— Espero que nada de ruim impeça o senhor de caminhar pela manhã. Tenha um bom dia. Em breve nos veremos novamente. — Levanto-me e Josué também se levanta.
— Espere! — O desembargador se aproxima de mim e diz: — Seu pai não é esse santo que você acha que ele é. Tome cuidado com ele.
— Repito o mesmo para você: tome cuidado, racista de merda.
Ele dá um tapa no meu rosto e o segura com uma mão.
— Tome cuidado VOCÊ! É tão arrogante que não será surpresa se acabar atropelada, estuprada ou assassinada.
— E eu vou explodir sua cabeça se não largar a Nadja. — Josué encosta sua arma na cabeça dele…
Saímos de lá e entramos no carro do Josué.
— Nada saiu como eu planejei. — Suspiro e fecho os olhos. — Eu queria dormir, mas vou ter que me encontrar com o tal Juan de Amaral e com esse tal de Jesuíta. Nunca vi esses homens.
— Mentiu o tempo inteiro?
— Sim. Eu nem tinha provas de que ele recebeu dinheiro. — Coloca a mão na testa. — Foi cansativo, mas valeu a pena.
— É, até que me impressionou de verdade. Eu não consigo mentir assim, não.
Mentir é como fazer uma atuação improvisada. Não é difícil. A prática leva à perfeição. Minto desde a adolescência, já posso até ser atriz.
— Quer ir para um baile hoje?
— Agradeço, mas não quero. Não é o tipo de divertimento que eu gosto.
— Ou é só preconceito.
— Não gosto de funk, não gosto de bebidas alcoólicas, som alto me irrita e não uso drogas. Não é preconceito, eu não gosto mesmo.
— Tô vendo. — Ele para o carro no sinal vermelho. — E o que vai fazer quando conversar com esses caras?
— Conseguir provas que possam os incriminar e depois chantageá-los.
— Vai conseguir?
— Se eu não conseguir, eu vou para esse baile comprar droga e morrer de overdose. — Passo a mão onde o vagabundo me bateu. Ainda bem que ele não bateu forte, eu teria revidado…
É, não será hoje que terão que fazer um caixão com as minhas medidas. Eu peguei o desembargador, o Juan e o Jesuíta. Vão comer na mão do Alberto por um bom tempo.
Entro na casa do Josué e vejo um monte de traficantes conversando e rindo enquanto bebem sentados no seu sofá. Nenhum usa camisa, isso é atentado ao pudor, mas fingirei que não ligo.
— Boa noite! — Sorrio e entrelaço as mãos atrás das costas. Eles também me cumprimentam.
O homem com uma latinha de cerveja na mão tem um tanquinho invejável… Tusso e olho para o chão.
— Boa noite, madame. — Um deles tira o boné e curva a cabeça.
Dou um riso e vou para a cozinha. Josué está tomando cerveja enquanto briga com um homem jovem de cabelo verde, esse está de camisa.
— Qual é, Zé? Vai continuar fazendo besteira até quando? Vira homem, porra! — Josué bate a mão na mesa de centro.
— Tô ligado que vacilei. — Ele passa a mão no cabelo e vira o rosto para o lado. — Eu vou parar de usar e ficar mais atento. Tá ok?
— Tá nada ok! Primeiro você para e depois eu vejo o que decido. — Ele olha para mim e arqueia as sobrancelhas. — Como foi?
— Tive alguns problemas, mas consegui o que eu queria.
Ele sorri de lado, pega uma latinha de cerveja na geladeira, entrega-a para mim e diz:
— Bebe pelo menos um pouco para gente comemorar.
— Eu não comemoro no percurso, apenas no fim, mas obrigada. — Deixo a latinha em cima da mesa. — Tem jantar?
— Vixe, vai ter que fazer.
— Tá. — Começo a abrir os armários para ver onde estão os utensílios.
— E a mimadinha sabe fazer? — pergunta o homem de cabelo verde.
Viro-me para ele e coloco as mãos na cintura. Sorrio e ando até o homem.
— Prazer, o meu nome é Nadja. Qual o seu?
— PH.
— Pedro Henrique, então. — Olho bem para os seus olhos de cílios longos. Até que ele é bonitinho. — Quem é o senhor nessa cadeia hierárquica?
— Gerente geral. Sou o segundo no comando.
— Interessante.
O braço direito do Josué está afundando em drogas? Perigoso. Se eu fosse ele, trocava de gerente e arrumava um mais competente.
Vou para perto de Josué, abro a geladeira e encontro água, cerveja, energético e uma cenoura murcha. Esse povo vive do quê? Fotossíntese?
— Eu já vou. Valeu! — Pedro Henrique vai embora.
Abro o freezer e encontro mais cerveja.
— Josué, como eu faço comida sem comida?
— Pede um delivery ou vem comigo para o baile. Vai ter churrasco.
— Churrasco? — Minha boca saliva. Não sabia que nesse tipo de baile tinha churrasco. — Mas é um lugar seguro? Não vou correr o risco de levar um tiro na cabeça?
— Isso não acontece faz um bom tempo. E… — Ele levanta a blusa mostrando, além do abdômen relativamente atraente, sua pistola. A pistola mesmo, no sentido literal da palavra. — Eu te protejo. Não vou ficar viúvo hoje.
Pego a arma na sua cintura e aponto para a sua cabeça.