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4: Espetacular

Nadja

Achei que ele não fosse aceitar e pularia fora. Corri um enorme risco, mas eu consegui fazê-lo aceitar essa ideia absurda. Finalmente, os livros de contrato de casamento que eu li na Fizzo serviram para alguma coisa na minha vida, além do desgosto do meu padrasto que preferia que eu lesse algo como Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Como esposa do Josué, eu tenho a segurança de que receberei o que é meu por direito de uma forma nada suspeita. Afinal, não posso fazer um contrato convencional para o recebimento do meu pagamento.

Oitocentos mil… Dinheiro suficiente para que eu possa construir a minha vida sem passar dificuldades. Só não chamo isso de benção porque o que estou fazendo é errado.

Bebo água numa garrafa enquanto ando sozinha pelo centro até uma praça. Sento no banco e olho em volta. Um homem jovem e sem um dente da frente se senta ao meu lado e diz:

— A moça tá perdida? — O bafo de cachaça que sai da sua boca me asfixia.

— Não. — Coço o nariz. — Eu estou esperando o meu pai policial.

— Ah, mas ele tá trabalhando agora?

— Sim. Por quê? 

— Fui roubado. — Ele abaixa a cabeça.

— É triste. No centro tem que tomar cuidado redobrado, não acha? O que te roubaram?

— O coração. — Ele levanta a cabeça, mostrando-me um sorriso safado.

Não me aguento e dou um riso. Coloco a mão no peito e respiro fundo.

— Essa me pegou. — Cubro a boca com a mão.

— Tem um local aqui perto para gente ir. — Ele me mostra o cartão de um motel.

— Não, mas obrigada. — Levanto-me. — Eu não saio com garotos de programa.

— Como cê sabe?

— Jovem, cachaceiro, provavelmente falta um dente por falta de escovação ou uso de drogas. Hoje é segunda-feira, horário de trabalho e você está aqui. Deve se vender para homens, mas é difícil encontrar mulheres que o queiram, mesmo que se ofereça de graça. É provável que faça tanto tempo que não fica com uma que resolveu paquerar a primeira que viu pela frente, eu.

— E não quer? — Ele toca no pênis por cima da calça.

— Só se eu estivesse com ódio de mim. — Tiro uma nota de 100 da minha bolsa e dou a ele. Percebo que não queria pegar, talvez se sinta diminuído ou algo assim.

Ele se levanta e tenta se aproximar de mim, mas dou um passo para trás e ele percebe minha hostilidade. Esse jovem só pode ser idiota se acha que eu vou confiar nele. Que mulher em sã consciência confia em um homem estranho? Pior, que mulher confia em um estranho no centro de Belo Horizonte? Até homem morre de medo de andar aqui. O centro é lindo, mas há uma concentração enorme de doido.

— Tchau! — Aceno, dou três passos para trás antes de me virar e acabo batendo em alguém. Olho para trás e vejo o Josué.

— Algum problema aqui? — Ele olha como um cachorro de guarda para o jovem.

— Nenhum. — Sorrio e coloco as mãos atrás das costas. — Que coincidência encontrá-lo aqui. Achei que já havia ido embora.

— Aproveitei que estava aqui para visitar aquela casa.

Aceno para o jovem sem dente e atravesso a rua com Josué ao meu lado.

— Eu tenho boas notícias.

— Já? — Ele levanta as sobrancelhas.

Por que fazer amanhã o que posso fazer hoje? Se eu tenho a oportunidade de agilizar o trabalho sem comprometer a qualidade, não há mal algum.

— Consegui o número do filho do prefeito.

— E isso ajuda como?

— Todos sabemos que o Soares renunciou ao seu cargo de prefeito para ser pré-candidato a governador. Entretanto, não é segredo que o atual prefeito ainda é apenas um lacaio do Soares. Chamar o Soares de prefeito nem é errado, não acha? Muitas pessoas fazem isso. Quero chegar ao Soares através do filho do atual prefeito. Ele está ingressando na carreira política e posso me aproveitar disso. No momento, ele está em Ouro Preto. Irei lá semana que vem para conversarmos.

— Quer tomar uma cerveja enquanto conversamos mais?

— Tomarei um refrigerante. — Entramos num bar, compramos as bebidas e alguns salgados. Numa mesa, sentamos lado a lado.

Ele me observa enquanto como um pastel e tomo refrigerante de laranja.

— O que foi, senhor Josué?

— Senhor Josué? Pode parar com isso. Me chama de Jota.

“Bom dia, Jota!”, “Olá, Jota!” Isso é estranho. Prefiro Josué. É um nome agradável de se pronunciar.

— Posso te chamar de Josué?

— Poucas pessoas me chamam assim. — Ele abre a sua latinha de cerveja. — Mas chama então. Meu mundo não vai desabar se você não me chamar pelo apelido.

— Obrigada. — Termino de comer o pastel e pego com o guardanapo um enroladinho de salsicha no prato com os salgados.

— É estranho saber que agora tenho esposa. Em questão de horas a gente casou. Nem sei como conseguiu agilizar as coisas assim.

Controlo a minha vontade de rir enquanto mastigo o enroladinho. Ao terminar de comer, limpo a minha boca com um guardanapo e digo:

— É só um pedaço de papel, não mudou praticamente nada em nossas vidas. E eu consegui agilizar as coisas através de contatos, senhor Josué.

— Já te deixei me chamar de Josué, mas o “senhor” já é demais.

— Questão de respeito e costume.

Ele toma um gole da cerveja, come uma bolinha de queijo e diz:

— Aprendi que respeito tem a ver com atitudes.

— Tudo bem. Tentarei não o chamar mais de senhor.

Tão simpático quanto qualquer outra pessoa. Eu não estava esperando por isso. Não mesmo…

Sento à mesa de um restaurante da cidade de Ouro Preto e cruzo as pernas. Nunca havia a visitado e nem vi cidade mais bela que essa. Não é à toa que é um patrimônio mundial. O que mais me encanta são os casarões antigos da época do Brasil Colônia. Sua arquitetura é fabulosa. Senti estar em outro século.

— Nadja! — Sou cumprimentada pelo jovem filho do atual prefeito de Belo Horizonte com um beijo na bochecha. Ele se senta ao meu lado. — Nossa, você é muito mais bonita pessoalmente!

Dou um sorriso simpático.

— Obrigada. É um prazer conhecer o senhor. Tem quantos anos? Apenas 26, não é?

— Sim, 26.

— Fiquei impressionada ao saber que tem mais de 1 milhão de seguidores nas suas redes sociais. Política é o assunto do momento e, mesmo sendo tão jovem, as pessoas confiam na sua opinião.

O garçom vem nos atender e, como está de manhã, escolhemos comer apenas pão de queijo e tomar café.

— Está em Ouro Preto a trabalho? — pergunto.

— Sim, é trabalho. Ultimamente eu tenho viajado bastante para aprender. Ter uma troca de ideia interessante com políticos para ajudar Minas Gerais, mas com um cuidado especial para com Belo Horizonte.

— Entendo perfeitamente.

— Claro. — Ele toca nas minhas costas e as acaricia. — Vamos falar de negócios?

Cruzo as pernas e pego na minha bolsa uma pasta com documentos que criei para explicar detalhadamente o que eu quero e não o dar direito de dizer “não”…

Saio do meu quarto e estico os braços. Fecho os olhos e bocejo.

— Bom dia! — Meu padrasto me surpreende com um abraço apertado. Ele me roda no ar enquanto me agradece insistentemente.

Bato no seu ombro e grito:

— Me solta!

Ele me coloca no chão e me dá um beijo na testa.

— É, você conseguiu algo que vai me ajudar muito. 

— Nos ajudar. — Passo a mão no cabelo e coloco a mão no peito, recuperando-me do susto que ele me deu às 7 horas. — Eu nem teria pensado nisso se não fosse por esse trabalho que ganhei.

— O importante é que está me deixando mais famoso. — Ele passa a mão na minha cabeça. — Você é perfeita, Nad!

— O que aconteceu? — Minha mãe se aproxima com as sobrancelhas arqueadas.

— Sua filha fez o Cleidson, filho do prefeito Boldo, fazer um vídeo falando sobre mim e minhas propostas e isso aumentou meus números de seguidores nas minhas redes sociais.

Minha mãe dá um beijo na minha bochecha e passa a mão pelo meu rosto.

— Minha menina consegue tudo. É muito inteligente. Estou orgulhosa de você, meu amor. Continue ajudando o Alberto. — Ela me dá outro beijo na bochecha e depois dá um selinho no Alberto. — Eu vou para a igreja ajudar a enfeitar e fazer a comida para o chá de bebê que vai ter mais tarde. Volto para casa no almoço.

— Tchau, vai com Deus! — Alberto diz, vendo ela ir embora.

— Amém!

Alberto dá dois tapinhas nas minhas costas e diz:

— Vai escovar seus dentes. Quero tomar café com você para gente conversar sobre o trabalho que eu te dei.

— A Rosângela deve estar na cozinha.

— Então a gente come na padaria. Vá se arrumar.

Sempre deixei Alberto informado sobre tudo o que eu faço. Entretanto, não irei contar sobre o casamento…

Fizemos nossos pedidos e sentamos à mesa da padaria. Contei a ele quase tudo o que houve nos últimos dias e tomamos nosso café da manhã.

Alberto pega as minhas mãos e diz:

— Desde que você e sua mãe chegaram na minha vida, eu tenho crescido muito na política. Tenho crescido como ser humano e sou mais feliz. Todavia, você e eu somos cúmplices de um mundo que eu não quero nunca que sua mãe conheça. Infelizmente, ninguém consegue crescer na completa honestidade, mas Deus conhece o nosso coração e sabe o motivo de fazermos isso. Com fé, faremos Minas Gerais um lugar melhor para se viver.

— Sim. — Dou um meio sorriso, afasto as minhas mãos e me levanto. — Preciso ir.

— Espera! — Ele se levanta e pega um colar de ouro no bolso da calça. — Isso é para você. Um presente para lembrar da nossa aliança. Não é bonito?

O colar tem um pequeno pingente de coração. É delicado, lindo.

— Não precisava. — Suspiro e dou um singelo sorriso.

— Precisava sim. Eu mimo muito a sua mãe, preciso te mimar pelo menos um pouco. — Ele abre o colar. — Deixa eu colocar no seu pescoço.

Seguro o meu cabelo e ele coloca o colar em mim. Solto o meu cabelo e Alberto para na minha frente para me observar.

— Nesses oito anos você mudou tanto. Hoje é uma mulher espetacular, inteligente, linda e educada. Sua mãe tem orgulho de você e eu tenho admiração.

— Obrigada. — Coloco as mãos atrás das costas e dou um sorriso maior. — Eu não seria quem sou sem a sua ajuda. —Abaixo as sobrancelhas e as pontas dos lábios. Entretanto, eu preciso te dizer: eu não gosto do que fazemos.

— Eu sei. — Contrai os lábios. — Nem eu gosto, mas já não há como fugir dessa vida. Somos cúmplices e isso nunca irá mudar.

Ele passa a mão na minha bochecha e eu viro o rosto para o lado.

Mudará, sim.

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