3: A mente
Josué
Sento à mesa de uma padaria no centro de Belo Horizonte. Peço dois pães de queijo, um quibe e uma coxinha. Como enquanto tomo um chocolate de caixinha no canudinho.
Saí de lá da puta que pariu às pressas, morto de fome, para vir me encontrar aqui com a filha daquele vagabundo 6 horas da manhã e ela ainda nem chegou.
— Bom dia! É você que está me esperando? — pergunta uma moça de sorriso doce com traços asiáticos. A olho de cima a baixo. Ela usa um vestido rosa, florido, que cobre o corpo inteiro e também usa salto baixo. Seu cabelo está trançado de lado e ela usa uma fita rosa para o prender. Com certeza não é quem eu procuro.
— Acho que se enganou.
— Seu nome é Josué?
— Nadja?
— Sim. — Ela se senta. Foi só pensar nela que a mulher apareceu.
Como que um homem como o deputado Alberto mete a própria filha, uma mulher dessa, nesse lixão que a gente está?
Em um espaço curto de tempo, ela se torna séria e diz:
— Perdão pela demora. Sejamos rápidos. — Ela apoia as mãos na mesa e as cruza. — Acredito que você saiba que o Soares é um homem com uma segurança de primeira. Não porque ele é precavido, mas por saber que pessoas querem o matar. Sendo assim, terei muito trabalho pela frente. Posso me ver numa situação extremamente complicada ao efetuar esse serviço, então quero muito dinheiro.
— Quanto?
— Em torno de 800 mil. Começo a fazer o trabalho assim que me pagar.
Engasgo com o chocolate e começo a tossir. Isso aqui é o quê? Ela tirou esse valor do meio do rabo? Dos filmes de ação dos Estados Unidos? Ela deve achar que dinheiro dá em árvore e que eu limpo a bunda com notas de 200 reais.
— Tá doida? — pergunto alto e as pessoas nos olham. Digo mais baixo: — Eu consigo outra pessoa para fazer isso por muito menos.
— Acha que eu sou pouca bosta, senhor Josué?
— Não, deve ser muita bosta, mas essa bosta tá muito cara.
— Está atrás de preço ou qualidade? — Ela cruza os braços. — Vou facilitar as coisas então. Você me paga metade adiantado e a outra quando o serviço for concluído.
— Mesmo que eu te dê só metade agora, ainda vai ser muito. Se o plano falhar, vai me devolver o dinheiro?
— Francamente, eu estou cobrando barato, porque você não sabe o problema que está se metendo. Aquele homem quer ser governador agora para daqui a 4 anos se candidatar a presidência e eu tenho certeza que ele vai ganhar. Não por ser o presidente certo, mas por saber manipular. Corrupção é o que não falta no partido dele, mas eles sabem muito bem manipular as massas.
Ela pensa que eu sou o quê? Sei muito bem como a política funciona. Eu conheço essa gente. Eles me repudiam na frente de uma câmera, mas no sigilo faltam me dar o rabo.
— Ele morre antes de ser eleito governador.
— Sinto muito, mas não será possível. É muito pouco tempo. Só ano que vem para o senhor ter a cabeça dele.
— Quer esperar ele virar governador? Aí vai ser mais difícil.
— Não será, os futuros projetos do Soares como governador me favorecem. Posso penetrar na sua vida política como um candiru.
— Candi o quê? — Franzo o rosto.
— Esqueça. — Ela balança de leve a cabeça. — Como vai ser?
— Eu não confio em você. Sua postura, seu jeito, suas palavras… Não me convenceu a aceitar sua proposta.
Ela olha para a mesa e respira fundo. Ao olhar para mim, dá um sorriso diferente daquele sorriso simpático. É mais sombrio e talvez sensual. A mulher vai tentar me convencer com sexo? Se for, essa aí se ferrou, porque eu não transo com qualquer lixo que vejo pela frente e estou a procura de alguém que use a inteligência. Se eu quisesse uma prostituta, eu ia à zona.
— Josué, eu sou quem você procura. Sim, sou muito linda, quero muito dinheiro e não vou fazer as coisas do seu jeito. Entretanto, eu tenho algo que pode mudar a sua opinião.
— Mostra! — Abro os braços.
— Eu tenho o contato de uns 23 políticos ou mais. Consegui como? Trabalho com um político. Acha que o Alberto se tornou deputado estadual por mérito? Não, fui eu. Nada será feito com a sua influência como traficante, mas com a influência do meu pai, a minha e de políticos aliados. Tornarei o Alberto deputado federal. Com o pretexto de aumentar sua influência e trazer melhorias para Minas Gerais, eu quero usar os aliados dele para me fazerem subir de patamar até chegar ao futuro governador. Quando esse momento chegar, eu abrirei as portas da casa dele para o senhor. Obviamente, o plano será mais detalhado e eu ainda vou plantar provas para que a polícia nunca chegue a nós.
— Vai precisar me dar mais detalhes. — Coloco a mão no queixo.
— Com certeza. — Ela tira da sua bolsa uma pasta com muitas folhas e me entrega. — Pode ler tudo se quiser.
Abro a pasta e começo a folheá-la. Tem nomes de políticos, documentos importantes de terrenos e empresas. Também há resumos sobre as relações do Soares com muitos políticos. Eu não sei se estou entendendo muito bem onde ela quer chegar.
— O que isso significa?
— São peças-chave para o meu plano.
— Começa a me explicar e eu digo se aceito a sua proposta.
Ela sorri de lado e começa a sua explicação…
— Me convenceu. — Coloco ketchup na coxinha de frango que pedi e a mordo. — Eu quero você nisso!
— Ótimo, eu quero o dinheiro!
— Filha, eu não vou te pagar sem o serviço estar pronto, não!
— Que garantia eu tenho de que você vai me pagar no final? Palavras não valem nada para mim.
Passo a mão pelo meu rosto e peço profundamente para que essa mulher entenda que eu não sou burro.
— Se eu não te pagar, sei que eu vou ter problemas com o seu pai.
— Infeliz ou felizmente, isso não me convence. Eu pesquisei sobre você com um conhecido e vi que possui vários imóveis, não é? E eu sei que eles valem bastante.
— Te dou uma das minhas casas depois.
— Dá no mesmo que você me dar dinheiro depois. — Ela pega a pasta e guarda na bolsa. — Sei relativamente quanto valem os seus imóveis e uma das suas casas valorizou muito nos últimos anos. Hoje ela custa o valor que eu estou te pedindo e o terreno só tende a valorizar mais, já que está num local favorável. Quero agora.
— Precisamos chegar num acordo melhor.
— E eu tenho um, só um instante. — Ela pega o celular na bolsa e, sem explicar nada, mexe nele por alguns minutos como se estivesse esquecido a minha presença.
Continuo comendo a minha coxinha até a terminar e compro mais uma. Nadja continua mexendo no seu celular até que ela o guarda, olha para mim, coloca as mãos na mesa e as entrelaça.
— Proponho um casamento com comunhão universal dos bens. Sei que você não tem mulher, então quero metade do que é seu. Quando concluirmos o plano, vamos nos divorciar, eu vou querer a casa que você tem aqui no centro como a minha metade ou você resolve me dar a metade dos bens em dinheiro.
— Você é muito maluca. — Balanço a cabeça para os lados e mordo a coxinha. — Não tá falando sério, não é?
— Só precisamos ir ao cartório. Eu já ajeitei tudo.
— Eu não quero esposa.
— Será apenas num pedaço de papel. Essa é a garantia que eu quero.
Fecho os olhos e respiro fundo. Ela acha que eu sou burro. Só aquela casa, em dinheiro, não dá metade dos meus bens. Eu não sei atualmente quanto possuo de patrimônio, mas é um valor grande, porque os terrenos que tenho valorizaram. Se eu casar (o que eu não vou fazer) ela vai sair com no mínimo 1 milhão.
— Você sabe que vai conseguir muito mais que aquela casa se casar comigo.
— Eu não sabia, mas gostei de saber. Serei a mente por trás de um fatídico assassinato. Não mereço mais dinheiro? — Ela dá um risinho de boca fechada. — O que vai ser?
Decido ignorá-la e me levanto para ir embora, mas ela também se levanta e segura o meu pulso.
— O quanto você quer ele morto?
— Muito, mas não vou te dar tanto dinheiro. — Tiro a sua mão de mim e saio da padaria. Ela me segue pela rua.
— Se matar ele é o que mais quer na vida, aceite o meu preço e case-se comigo. — Ela para na minha frente e a derrubo sem querer no chão.
— Você é maluca! — Pego a sua mão e a ajudo a levantar. — Parece que faz tudo por dinheiro.
— Até hoje humanos são vendidos por dinheiro. Se um pedaço de papel com números vale mais que uma vida, por que eu não faria de tudo para o obter? O que é mais importante para você, o dinheiro ou a morte do prefeito?
A verdade é que valor nenhum me importa desde que eu consiga concluir o meu objetivo. Eu quero a cabeça do Soares, apenas isso.
— Faço essa loucura, mas se você falhar, não vai ter nada de mim.
— Se eu falhar, pode até retirar o meu coração. Mate-me da forma mais dolorosa que quiser. Eu não vou fugir. Todavia, cumprirei essa incumbência.
— É impressão minha ou sua vida depende disso?
— Honestamente, há uma probabilidade enorme. — Ela olha para o lado e se perde tanto em seus pensamentos que nem percebe que já estou longe.
Continuei a observá-la por alguns segundos. Enquanto ela olhava para nenhum lugar em específico, uma lágrima escorreu pelo seu rosto e o mais estranho foi a ver sorrir em seguida. Não gostei de ver aquilo. Não sei se foi uma invenção da minha cabeça, mas pude sentir sua angústia.