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Arabella
Eu estava parada na porta da casa, todos haviam entrado, menos eu. Fiquei no mesmo lugar segurando firmemente a alça da minha bolsa até que Kaile, que carregava minha mala, virou-se notando que eu ainda não havia me movido.
Ele aproximou-se de mim e colocando sua mão em minhas costas, empurrou-me para dentro. Ao fechar a porta parou ao meu lado, todos haviam seguido para algum lugar da casa, restando apenas Kaile e eu na sala.
-Você está bem? Parece tensa e um pouco pálida. -Kaile observou.
-Estou bem, obrigada. Deve ser o cansaço da viajem, eu acho. -respondi tentando disfarçar meu embaraço.
-Tudo bem, vamos só te apresentar vovó, vai ser rápido. Até porque ela está muito debilitada. Minha mãe preparou um lanche para vocês e o quarto de hóspedes já está preparado para que você possa descansar. Vem, vamos conhecer a dona Elizabeth, você vai gostar dela. Por mais que ela não esteja em seu melhor momento, ainda é uma figura de pessoa. -ele disse sorrindo.
Kaile era um cara muito bonito e seu jeito espontâneo lhe dava um charme a mais, ele seria o tipo de cara que qualquer garota gostaria de se envolver. Não que eu estivesse pensando nisso. Claro que não. Foi só uma observação.
Então deixando minha mala em um canto da sala perto da escada, fez sinal para que eu o seguisse. Eu caminhava bem atrás dele até que o mesmo parou e falou comigo.
-Quer fazer o favor de andar ao meu lado? Você parece um fantasma andando atrás de mim assim. -Kaile disse com a sombra de um sorriso em sua boca.
-Tudo bem, desculpe. -disse um pouco envergonhada.
-Relaxa, estava apenas brincando. Eu sou meio brincalhão e espero que não se incomode com esse meu jeito durante sua estadia aqui. Modéstia a parte, você vai adorar minha companhia. -ele disse e piscou para mim.
Atravessamos um longo corredor, dobramos a esquerda e entramos em outro corredor, ao final do mesmo uma porta se encontrava aberta e era possível escutar algumas vozes ali dentro.
Ao nos aproximarmos vi a família de Miguel espalhada pelos local. Fiquei na porta observando tudo, não sabia se deveria entrar. A decoração do lugar era bem clara. O papel de parede era uma estampa de rosas em um tom suave e a mobília em sua maioria era branca. No centro do quarto, havia uma cama king size e nela havia uma mulher deitada que aparentava ter entre cinquenta a sessenta anos.
Então essa deve ser a tal avó Elizabeth. Ela não aparentava estar muito bem de saúde.
Fiquei tão distraída observando-a que nem percebi quando Kaile puxou-me pelo braço em direção a mulher. Ela nos olhou e abriu um grande sorriso. Um sorriso frágil, mas sincero. Me senti um pouco menos nervosa. Quando já estávamos ao lado da cama, ela estreitou os olhos para Kaile e lhe dirigiu uma bronca.
-Então quer dizer que eu tenho que quase morrer, para que você me apresente sua namoradinha? Se tivesse me dito antes, eu já o teria feito. Você é o neto mais desnaturado que uma avó poderia ter. -Elizabeth disse fingindo indignação.
Em outro momento eu teria achado graça da brincadeira, mas naquele momento fiquei constrangida. Meu rosto provavelmente estava da cor de um tomate. Eu tinha que consertar o mal entendido, já que Kaile não abrira a boca para contraria-la. Ele apenas se limitou a rir sentando-se a beira da cama.
-É um prazer finalmente conhece-la querida. Qual é o seu nome? Esse safado do meu neto nem se deu ao trabalho de apresenta-la. Eu não sei aonde foi parar a educação desse menino. -ela disse fazendo drama.
-Meu nome é Arabella, dona Elizabeth. E é um prazer conhece-la também. E eu não sou namorada do seu neto Kaile, eu sou a colega de trabalho do seu neto Miguel. -eu disse de maneira tímida.
-Ah, mais o que é isso menina? Nada de me chamar de dona, é vovó Eliza. E eu vou chama-la de Bella. Mas diga-me querida, você e Miguel são somente colegas de trabalho ou são algo a mais?
Ai meu deus.
-Se quiser pode me contar depois, longe desses abutres que chamo de família. Estão sempre me rodeando, esperando que eu morra. -Eliza disse em um tom que eu não soube dizer se era verdade ou se apenas estava brincando.
-Mamãe! Assim a moça pensará que está falando sério. Sabe que a amamos muito. A senhora não pode se esforçar tanto, não sairemos daqui tão cedo, vamos ajuda-la no que precisar. -Giovana disse.
-Está vendo, é disto que eu estou falando. Tenho que aguentar dia e noite esses seres no meu pé. Mal me deixam dar uma voltinha na varanda. Sou uma prisioneira deste lugar! Vocês não deveriam ter largado tudo só para ficarem me velando em vida. Eu não morri e nem vou morrer tão cedo. -Eliza disse.
-Vovó, é sempre bom te ver, mas como chegamos a pouco de viajem, estamos um pouco cansados. Creio que Arabella esteja querendo descansar, ela não se sentiu muito bem durante o voo. Eu também vou dormir um pouco e volto para vê-la mais tarde. -Miguel disse ao se aproximar da avó e lhe dar um beijo no rosto.
-É claro, vão descansar queridos. Que insensibilidade minha, vocês devem estar exaustos. Descansem bem e venham me ver amanhã. -Eliza disse.
-Querida. –Eliza fez um sinal para que eu me aproximasse.
Assim que o fiz, ela passou seus braços em volta de meus ombros fazendo com que eu me inclinasse mais ainda em sua direção e me abraçou. Instintivamente retribuí o abraço. Com um carinhoso beijo na testa, me desejou uma boa noite de sono e me soltou.
Foi estranho quando ela retirou os braços de volta, senti uma sensação que há muito tempo não sentia:vazio.
Era como se ali, nos braços daquela senhora que acabara de conhecer, fosse o meu lugar. Aonde eu deveria estar. Também desejei uma boa noite e saí do quarto. Fiquei esperando do lado de fora do quarto por alguém, para que me guiasse ao quarto onde eu ficaria. Os demais também se despediram de Eliza e saíram do local.
-Bella, posso te chamar assim? -Giovana perguntou.
Afirmei com a cabeça e ela continuou.
-Vamos até a cozinha, você deve estar faminta depois de tantas horas de viajem. Fiz um lanche para você e Miguel, até que o jantar seja servido.
-Me perdoe, mas creio que não será possível acompanhá-los durante a refeição. Eu passei bastante mal durante o voo e meu estômago não está muito legal. -respondi com receio de t^-la ofendido.
Eu não queria comer agora, só queria tomar um belo banho e cair na cama. É claro que eu não conseguiria dormir imediatamente. Lógico que não.
Eu estava em outro estado, outra cidade, outra casa, outra cama, outro travesseiro e em outros lençóis. Sim, eu sou MUITO chata com essas coisas. Para pegar no sono em minha casa já era um sacrifício, imagine estando em lugar totalmente diferente, onde não conheço nada e sabendo que há outras pessoas na casa além de mim. Seria uma luta...
-Tudo bem, sem problema. Venha, vou lhe mostrar seu quarto. Kaile querido, onde colocou a mala da Bella? -Giovana perguntou.
-Deixei na sala mãe. Pode leva-la ao quarto, eu subo com a mala em instantes. -Kaile respondeu.
Giovana mostrou-me o quarto de hóspedes onde eu ficaria. Era uma suíte maravilhosa. Toda decorada em tons de azul claro e branco. O banheiro ficava em uma porta a direita da cama, havia um closet, uma porta a esquerda da cama, para guardar minhas roupas.
Também havia uma mesa de cabeceira ao lado da cama e uma penteadeira estilo princesa próxima ao closet. Achei tudo um charme. Não continuei minha observação pois estava cansada e assim que Giovana saiu, deitei de bruços naquela cama maravilhosa. Era tão macia! Meu corpo exausto se sentia nas nuvens.
Então foi quando ouvi alguém pigarrear e no susto dei um pulo, mas como a inteligente aqui estava na beirada da cama, acabei indo parar de bunda no chão. E então uma gargalhada gostosa, a qual eu me ajuntei veio em seguida.
-Juro, eu tentei não rir, tentei mesmo, mas fracassei miseravelmente. Foi bem hilário, admita. -Kaile disse.
Eu ainda estava sentada no chão rindo com as mão cobrindo meu rosto, quando senti ele se aproximar e puxar delicadamente minhas mãos. Olhando em meus olhos para certificar-se de que eu não estava chateada e vendo que não, estendeu sua mão e ajudou-me a levantar.
-Vim trazer sua mala e acabei ganhando a noite. -disse rindo. -Você ainda vai aprender o significado de diversão comigo, gatinha. Vou lhe ensinar muitas coisas, entre elas como cair da maneira correta em qualquer situação e, em qualquer lugar. Você vai adorar. -disse e piscou para mim.
Ele aproximou-se de mim e me abraçou pegando-me de surpresa. E como ele era bem mais alto do que eu, acabei sumindo dentro de seu abraço de urso. Retribuí para que acabasse logo, pois estava suja e minha pele pegajosa por causa da viajem. Eu só queria ficar sozinha e descansar. Então o ouvi dizer antes de me largar.
-Você é bem baixinha, hein? -ele riu.
-Boa noite baixinha, descanse bem. -despediu-se e em seguida saiu do quarto fechando a porta.
Depois de ter tomado banho, escovei os dentes e penteei o cabelo que ainda estava molhado por causa do banho. Vesti um pijama simples e deitei-me naquele sonho de cama. E por incrível que pareça adormeci rapidamente. Era um milagre, ou talvez seja por que eu estava realmente cansada, mas o fato é que eu dormi.
Acordei com meu estômago roncando de fome e ainda era duas horas da manhã. Ninguém estaria acordado a essa hora e eu não podia assaltar a geladeira da casa de estranhos. Além do que eu nem sabia onde ficava a bendita cozinha.
Fui até a porta abrindo uma fresta espiei o lado de fora. Como eu já imaginava não havia não havia uma única pessoa dando uma voltinha pela casa essa hora.
Droga!
Eu estava morrendo de fome. Como ninguém apareceria por ali tão cedo, resolvi sair de fininho como uma criminosa.
Meu Deus, que nível de idiotice consegui atingir.
Arrependida de ter saído do quarto, viro-me para voltar de onde nunca deveria ter saído e acabo colidindo em algo. Uma parede de músculos me cercou para que eu não caísse e eu teria gritado se não fosse por uma mão enorme tampando minha boca.
Quase infartei de susto. Meu coração batia descompassado quando ele aproximou sua boca de minha orelha e sussurrou.
-Shiiii... não grite, sou eu. -seu hálito quente fez com que os fios da minha nuca se eriçassem.
Voltei meu olhar para Miguel e ele estava sem camisa e apenas uma calça moletom mal arrumada na cintura. Seus fios dourados que estavam desalinhados o deixava ainda mais bonito. Quer dizer, bonito não, e sim mais natural. Onde já se viu eu o achar bonito! Desviei o olhos constrangida e cruzei os braços. Quando pretendia voltar para o quarto, sua mão quente segurou meu braço detendo-me no mesmo lugar.
-Está tudo bem, Arabella? Você parece estar prestes a desmaiar a qualquer momento. -ele comentou.
-É que... que eu... deixa para lá. Eu vou voltar para o quarto, desculpa te incomodar... -eu disse.
-Fala logo ou não irei deixa-la ir tão cedo. -Miguel insistiu ainda segurando meu braço e aproximando perigosamente nossos corpos um do outro.
-É que eu... -comecei a dizer envergonhada.
Ele esperou que eu prosseguisse fitando-me passivamente.
-Acordei com um pouco de fome, eu não comi nada quando cheguei. -dei de ombros e senti seus dedos relaxarem o aperto em volta do meu pulso.
-Era só isso. Saí só para ver se tinha alguém por aí e como não havia decidi voltar para o quarto.
Sem dizer nada, Miguel sorriu preguiçosamente e me puxou em direção as escadas. Seguimos por um corredor e finalmente chegamos a cozinha. Miguel indicou um assento ao redor da bancada para que eu me sentasse e foi até a geladeira.
Tirando uma jarra de suco de laranja depositou sobre a bancada, retirou uma travessa de alguma coisa que eu não consegui ver o que era e colocou no micro-ondas. Enquanto isso foi até o armário e pegou copos, pratos e talheres. Deixando tudo na bancada foi até o micro-ondas que apitava indicando que estava pronto seja-lá-o-que-fosse, retirou a travessa e a depositou próximo a jarra de suco.
Ele nos serviu e começamos a comer. O silêncio entre nós era bem constrangedor. Não que houvesse algum tipo de assunto para se conversar no meio da madrugada, ainda assim a situação não deixava de ser estranha.
Eu evitava ao máximo olhar para Miguel já que o mesmo encontrava-se com... muita pele exposta, e quando o fazia o via, era pega em flagra, então preferi manter meus olhos no prato.
Quando terminamos a refeição Miguel guardou os alimentos na geladeira, enquanto eu levava a louça suja para a pia. Lavei tudo e deixei sobre a pia pois não sabia onde guardar.
Ao afastar-me da pia, Miguel que estava sentado fitava-me com um olhar estranho quando estendeu o pano de prato para que eu secasse minhas mãos.