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6

Arabella

“Tinha um Miguel no meio do caminho, no meio do caminho tinha um Miguel...”

Parafraseando Drummond, minha vida podia ser definida assim nesse momento. Uma viajem não planejada por causa de Miguel. E aqui estou eu, as duas e vinte cinco da tarde de uma terça-feira, descendo quatro lances de escada do meu prédio com uma mala enorme que parece pesar uma tonelada.

Ao chegar na calçada do lado de fora do prédio encontro com Miguel saindo de seu veículo, uma Range Rover branca, para me ajudar com a mala. Ele havia mandado uma mensagem avisando que chegaria em poucos minutos e por isso resolvi esperá-lo do lado de fora para que ele não precisasse subir até meu apartamento.

Ele parecia um pouco abatido. Perguntar se ele estava bem era o cúmulo da idiotice, era óbvio que ele não estava, contudo tentava não deixar transparecer. Então a única coisa inteligível que consegui dizer foi um bom dia, que foi respondido com outro.

Miguel pegou a mala da minha mão e a colocou no bagageiro do carro. Abriu a porta para mim e se dirigiu para o lado do motorista. Me sentei no lugar do passageiro um pouco tímida, era estranho estar fora do meu habitat natural. Fechei a porta e coloquei minha bolsa em meu colo. Nela continha meus documentos, o celular e a chave do apartamento.

Miguel deu partida e seguimos rumo ao aeroporto. Depois de estacionar o carro fomos fazer o check-in. Ele não falou muito, apenas explicou para onde iríamos e que nos hospedaríamos na casa de seus pais, tudo enquanto aguardávamos na fila.

Depois de todo aquele procedimento tedioso despachamos nossas malas e fomos para a sala de embarque. Após passar pelo detector de metais nos dirigimos para o portão de embarque aguardar a chamada. Quando foi anunciado nosso voo fiquei tensa. Tentei não demonstrar, mas estava nervosa. Um fato que havia esquecido de mencionar é que eu nunca havia pegado um voo em toda minha vida. As viagens que eu havia feito sempre se limitaram a veículos que se locomoviam em terra firme. Portanto, assim que entrei no avião sentei-me em meu lugar, que ironicamente ficava na janela. Tentei me acalmar dizendo a mim mesma mentalmente que tudo iria ficar bem, que seria apenas por algumas horas.

Quando o avião levantou voo foi inevitável não fechar os olhos e começar a respirar descontroladamente como se estivesse me afogando. Uma sensação muito estranha me dominou, senti meu estomago embrulhar e minha pressão cair gradativamente. Eu estava pensando em como eu estava sendo patética quando senti alguém segurar meu braço e sacudi-lo de leve. Eu sabia que era Miguel, mas me mantive do mesmo jeito. Eu estava estupidamente nervosa com a sensação de estar voando pela primeira vez e envergonhada de mais para abrir os olhos. Então fui diminuindo gradualmente o ritmo da respiração.

Todavia, Miguel não parecia disposto a me deixar em paz pois continuou agarrado ao meu braço sacudindo-o, só que dessa vez de maneira mais intensa. Como ele não iria parar, abri meus olhos e o vi me encarando com o semblante preocupado. Senti-me um pouco culpada por deixa-lo desse jeito e nem ao menos consegui responder algo coerente para tranquiliza-lo. Ele perguntou-me se estava bem e eu afirmei com a cabeça. Miguel não acreditou, ele sabia que eu estava mentindo.

Então ele quis saber se eu estava doente. Como neguei ele fitou-me por um momento como se procurasse pelo motivo de eu estar daquela maneira. E como um estalo, ele percebeu o que estava acontecendo. Vi as engrenagens em sua cabeça trabalhando, juntando meu ataque silencioso de pânico, a palidez e o fato de eu estar cravando minhas unhas no braço da poltrona.

-Não se preocupe, daqui a pouco vamos estar pousando, vai ser uma viagem tranquila. Tente se acalmar, eu vou arrumar alguma coisa para te ajudar a relaxar, tá bom? -Miguel disse roçando suavemente seus dedos no dorso de minha mão.

Ele chamou uma aeromoça que logo estava ao seu lado ouvindo o que dizia. Cerca de cinco minutos depois ela estacionou ao nosso lado e esticou uma bandeja com um copo de água e um comprimido. Sem saber o que fazer fiquei fitando-a até que Miguel me cutucou fazendo sinal para que eu pegasse. Com ajuda da água engoli o comprimido e a agradeci. Poucos minutos depois senti o remédio começar a fazer efeito. Minhas pálpebras estavam pesadas e meu corpo amolecido, mesmo lutando contra, não resisti e caí em um sono profundo.

Acordei sentindo minha cabeça levemente dolorida. Meu rosto estava enterrado em algo firme e cheiroso. Meu travesseiro com certeza não era, pois eu não reconhecia aquela fragrância. Quando abri meus olhos, a luz do sol que penetrava as pequenas janelas me fez esconder o rosto ainda mais. Dedos se moveram sobre o casco da minha cabeça e eu ronronei manhosa com a carícia. Esfreguei a ponta do meu nariz que começava a ficar frio na fonte de calor próxima a mim e aspirei seu perfume.

Ouvi uma risadinha baixa, mas decidi ignorar. Então a realidade caiu como uma bomba sobre mim.

Levantei a cabeça em um movimento rápido, o que fez a dor piorar. Eu ainda estava meio desorientada e com muito sono, sempre fui fraca com remédios. Então percebi que estava deitada com a cabeça no peito de Miguel. Subitamente me senti envergonhada.

A maioria dos passageiros já haviam saído e restavam apenas algumas pessoas, entre elas nós, que recolhiam seus pertences e se dirigiam a saída da aeronave. Miguel vendo meu estado de letargia, segurou-me pelo braço e me ajudou a levantar. Desci do avião sendo escorada por Miguel, que evitava que eu tropeçasse e caísse de cara no chão enquanto me segurava pelos ombros e nos guiava para onde deveríamos ir. Pousamos no aeroporto de Florianópolis e seguimos de carro o restante do caminho. Dormi durante todo o trajeto e só acordei quando finalmente chegamos.

Estávamos entrando na cidade e eu olhava tudo deslumbrada. O lugar era simplesmente lindo! Parecia até que estávamos no exterior. Tudo muito organizado e não se via um lixo na rua. Realmente impressionante. E o que me deixou perdidamente apaixonada foi a praia. O som maravilhoso das ondas quebrando na areia, a maresia invadindo meus sentidos, tudo isso me cativou logo de cara.

Balneário Camboriú era a cidade natal de Miguel e seus pais ainda viviam ali, mesmo depois que os filhos foram fazer faculdade em outras cidades, pelo menos foi o que ele me contou.

Fizemos o trajeto em dez minutos pela cidade, quando nos aproximamos da entrada de um condomínio com uma faixada moderna lindíssima. De início fiquei um pouco incomodada, estava me sentindo deslocada. Isso por que ainda nem tínhamos entrado de fato, imagine lá dentro. O carro parou na portaria, Miguel baixou o vidro e depois de se identificar, nossa entrada foi liberada. Adentramos o lugar e seu estava impressionada com a portaria, o interior me deixou infinitamente mais. Era semelhante aqueles cenários de filme americano, com uma casa mais espetacular que outra.

Cerca de mais ou menos uns dois minutos, Miguel parou em frente uma casa maravilhosa de cor branca, com muitas janelas e uma varanda na parte da frente. Ele acionou o portão da garagem, manobrou o veículo e começou a estacionar. Eu estava em um nível gritante de nervosismo. Como eu deveria me comportar naquele lugar? Será que sua família ia me tratar mal? E como deve estar minha cara agora? Dei uma olhada rápida no espelho que estava em minha bolsa e constatei que eu era a personificação da desordem em carne e osso.

Meu cabelo parecia uma vassoura, meu rosto estava todo amassado e meus olhos pareciam opacos. A típica cara de quem acabou de acordar.

Tentei amenizar o caos passando os dedos pelo cabelo afim de ajeitá-los um pouco e dei alguns tapinhas no rosto para desamassa-lo. Me virei para Miguel que já havia desligado o carro e retirava a chave da ignição. Lutando contra meu orgulho, perguntei como estava minha aparência e fitando-me por alguns segundos, ele disse que eu estava bem.

Não gostei de sua resposta, eu não queria estar bem para conhecer sua família, eu queria estar ótima. Naquele momento eu não usava um pingo de maquiagem, nem um mísero batom ou seja, não estava nem um pouco apresentável.

Assim que saímos do veículo Miguel foi pegar nossas malas no bagageiro e eu o aguardei ao lado. Ao ouvir um barulho de saltos e algumas vozes se aproximando de nós, mesmo que não pudesse vê-los por causa das paredes da garagem, o volume das vozes que aumentava gradativamente denunciava estavam vindo em nossa direção.

É a hora: ouvi um gritinho feminino de entusiasmo, e as outras vozes que se juntaram as dela. Nos viramos quase que ao mesmo tempo e as pessoas se aproximaram de Miguel e o abraçaram, logo em seguida a mim também. Todos perguntavam como fora a viagem e outras coisas mais.

Havia três mulheres no grupo, duas pareciam ser um pouco mais novas que a outra. Pela semelhança, percebi que se tratavam de mãe e filhas. Elas pareciam ser modelos de tão lindas que eram, altas, esguias, loiras, era até ultrajante estar perto de tanta beleza. Também havia dois homens, o mais novo se parecia com uma versão mais nova de Miguel só que mais extrovertido. O outro um pouco mais velho, ao que parecia era seu pai, tinha os cabelos pretos e olhos azuis e era muito bonito. Ao que parece a beleza é um mal hereditário nessa família.

Eu estava um pouco encabulada por estar no meio dessas pessoas que eu sequer conhecia. Todos são elegantes, bonitos e educados e não esquecendo o fato de que são a família de Miguel. Me sinto como um peixe fora d'água, não sei o que fazer perto deles, tenho medo de fazer algo errado e passar vergonha. Quando os cumprimentos cessaram, surgiu um tipo de silêncio estranho, e aqueles pares de olhos azuis ficaram nos encarando curiosamente.Não entendi o nada até que Miguel começou as apresentações. Ah, então era isso... pensei que algo estivesse errado.

-Família, essa é Arabella minha colega de trabalho na West Comunicações. Ela foi muito compreensiva com meu problema familiar e se dispôs a me acompanhar nessa viajem, para que pudéssemos dar continuidade ao nosso projeto, pelo tempo que estivermos aqui. -Miguel disse, e senti os olhos de todos em mim.

Minha vontade era contradize-lo ao contar que eu não me dispus a acompanha-lo, mas optei por ficar quieta na minha.

-Arabella, essa é minha família. Meu pai Brendan, minha mãe Giovana, minhas irmãs Fernanda e Isadora e meu irmão Kaile. Ainda tem a vovó Eliza, que você conhecerá lá dentro. -ele disse, terminando as apresentações.

-Vocês devem estar cansados por causa da viagem, então vamos entrar para que possam comer e descansar. -Giovana disse e fez sinal para que nós a seguíssemos.

Enquanto Miguel foi trancar o carro me abaixei para pegar a alça da minha mala, contudo Kaile, o irmão de Miguel se apressou e a pegou de minha mão com um deixa que eu levo. No final só o deixei porque estava extremamente sem graça, afinal o cara só estava me fazendo uma gentileza. Além disso eu estava em sua casa e deveria fazer de tudo para que não houvesse constrangimentos.

Depois de ter trancado o carro Miguel pegou sua mala e se dirigiu rumo a entrada da casa. Eu seguia logo atrás de todos, mas sempre próxima de Miguel. Não sei o que essas pessoas estavam pensando e o que acharam em relação a mim, mas espero ter sido no mínimo cortês. Eles não demonstraram suas opiniões, então não sei o que esperar. E agora estou indo conhecer o interior do lar dos Bertottis e mais um membro dessa família. A tal da vovó Eliza. O que será que ela ira pensar? Será que vai gostar de mim?

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