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Arabella
É hoje. Estou ansiosa pelo momento em que terei que enfrentar meu chefe. Quero explicar que foi tudo um mal entendido, e que não há nada entre mim e Miguel e que eu jamais faria algo que desrespeitasse meu ambiente de trabalho.
Nesse momento estou sentada em uma cadeira qualquer em minha sala esperando ser chamada por Anthoni para a tal conversa. Já são sete e quarenta e cinco da manhã e nada de Miguel aparecer. Será que ele vai me deixar sozinha nessa? Ele também tem que se explicar, não pode ser covarde ao ponto de me deixar na mão.
Mas, o que mais está me afligindo é o fato de não ter sido chamada ainda. Será que ele esqueceu o ocorrido? Ou pior, será que vai me demitir? Enquanto tamborilava nervosa minhas unhas na mesa, alguém bateu à porta e a abriu avisando que Anthoni me esperava em sua sala. Estava tão nervosa que me levantei em um pulo e me dirigi em direção a sala do chefe.
Com duas batidas na porta, ouvi um "entre" e assim que pus meus pés na sala o vi sentado atrás de sua mesa e em uma cadeira bem a sua frente, Miguel. O que ele estava fazendo aqui? O que será que disse a Anthoni que não podia me esperar? Ele deveria ter me esperado para explicarmos juntos o que houve. Agora não sei o que dizer, não imagino o que essa criatura possa ter dito a ele. Como eu ainda continuava em pé na porta, Anthoni ordenou que a fechasse ao passar e me sentasse no lugar ao lado de Miguel.
Meu chefe estava com um semblante cansado e um pouco abatido. Não disse nada por alguns segundos, mas depois de um momento, inspirou o ar pelo nariz com força e depois expirou pela boca. Foi quando começou a falar.
-Primeiramente, bom dia. Agora vamos tratar de alguns assuntos importantes. Estive conversando com Miguel esta manhã sobre o comportamento inadequado que tiveram ontem. O mesmo explicou a situação que ocasionou o ocorrido e os motivos que os levaram a tal ato.
Pisquei nervosamente sem reação.
-Quero dizer que desaprovo tal atitude, independente do motivo que os levou a esse ponto. Estou muito chateado e constrangido, pelo que minhas visitantes presenciaram ontem naquela sala e mesmo não tenha sido um momento íntimo entre os dois, foi o que pareceu aos olhos de quem viu. -Anthoni disse enquanto nos encarava com o semblante sério.
Isso não era um bom sinal.
-E não posso esquecer, o motivo pelo qual chegaram aquele nível. Dois dos meus melhores funcionários se atacando fisicamente por não entrarem em acordo para tomar uma decisão sobre o final de um projeto! Sabe o que isso significa para mim? -Anthoni perguntou, mas entendi que era uma pergunta retórica.
-Isso significa que vocês não foram profissionais e muito menos maduros o suficiente pra resolverem a situação. Foi ótimo essa disputa por que assim, estou descobrindo os tipos de funcionários tenho dentro dessa empresa. Sabe do que vocês precisam? Precisam de uma lição, para aprender a se comportarem como adultos e profissionais respeitáveis. -Anthoni disse.
Agora era oficial: eu estava tremendo nas bases.
Entendi que ele não nos demitiria, mas faria algo para punir nossa atitude. Além disso eu estava me sentindo horrível por dentro. Eu não ia demonstrar isso a eles, mas estava me sentindo muito envergonhada, culpada, e até mesmo humilhada. Sei que discordamos em nossas decisões, mas fui eu quem o atacou, não havia necessidade para isso e mesmo assim agi de maneira irracional e fui em frente.
Agora estamos aqui, os dois levando a culpa de uma idiotice minha e Miguel nem abre a boca para se defender e dizer que era eu que havia provocado tudo aquilo. E isso só fazia eu me sentir a pior pessoa do mundo. Já tinha até perdido a coragem de olhar para qualquer um dos dois, então olhava fixamente para minhas mãos que estavam suadas em meu colo.
-Vou dar a vocês uma nova tarefa, na verdade um novo trabalho. Mas nem pense vocês que irão abandonar o que estão fazendo. Eu mesmo vou avaliar o projeto e saibam que serei muito mais rigoroso do que com os demais. Vocês receberão esse trabalho extra, já os demais continuarão com os mesmos que já possuíam. E esse projeto que realizarão, também será avaliado como parte das atividades propostas da disputa. Acredito no potencial de vocês, mas ainda precisam melhorar, então achei uma maneira disso acontecer, espero que funcione, então não me decepcionem. -disse num suspiro.
-O projeto será para a empresa Etienne Cosméticos, para o mês dos namorados. A mulher que estava comigo ontem é a CEO da empresa. Ela é uma conhecida minha de longa data e se interessou em fazer sua campanha com a West Comunicações. Entretanto ela só fará negócios conosco, mediante duas condições. Ela gostou bastante dos pombinhos como ela mesmo intitulou, e quer seja vocês a fazerem o projeto. E... também quer que vocês sejam os rostos da campanha nessa nova coleção. -Anthoni disse e esperou por nossa reação.
-Não creio que eu possa ajudar no quesito de ser o rosto, mas quanto a parte de criação do projeto, isso com certeza garanto um ótimo desempenho. -eu disse tentando passar confiança.
-Acho que você não entendeu, Arabella. Isso não é uma opção, tudo deve ser cumprido. Tanto a parte da criação, como a das fotos e o que mais tiver que ser feito. É isso ou os dois estão fora da competição, ambos devem participar de tudo. E então, o que vai ser? -Anthoni perguntou, mas já sabia a resposta.
Não tinha como negar e sair da competição, era uma oportunidade de ouro.
-Por mim tudo bem. -respondeu Miguel.
-Para mim também, -respondi de mal grado.
O que eu poderia fazer? Dizer não? Isso estava fora de cogitação. Eu queria ganhar aquela disputa e também não podia prejudicar ainda mais Miguel. Por mais que o cara fosse um mala, eu não poderia ser injusta e prejudicá-lo mais uma vez. Então só me restava aceitar.
-Ótimo. Agora vamos ao que interessa. Vou lhes explicar melhor como tudo vai funcionar. -Anthoni disse.
***
Passamos mais algum tempo que pareceu não ter fim na sala de Anthoni, onde o mesmo nos instruiu sobre tudo a respeito da campanha e o que exatamente deveríamos fazer. Quando saí de sua sala já estava esgotada tanto fisicamente quanto mentalmente.
Como era duas e meia da tarde resolvi fazer meu horário de almoço ali por perto da empresa, para não perder muito tempo. Quando voltei, entrei em minha sala para começar a planejar minha agenda, não que eu possuísse uma vida badalada fora do serviço, muito pelo contrário.
O problema é que eu teria que praticamente dobrar minha carga horária de serviço para dar conta de tudo dentro prazo. O pior é que consequentemente teria que passar mais tempo com Miguel, pois para conseguirmos dar conta de tudo teríamos que nos encontrar fora da empresa para terminar o projeto dentro do prazo estabelecido. O tempo estava correndo contra nós.
Eu e Miguel começamos a ficar até mais tarde na empresa e a nos encontrarmos em um café ali perto, pois tínhamos muito trabalho a fazer. E como fizemos algumas alterações na campanha em trabalhávamos, gastamos um tempo a mais do que o previsto.
Finalmente chegamos a um acordo, optamos por um meio-termo só que com algumas melhorias para o final do projeto. Evitamos ao máximo entrar em desacordo, mas as vezes era impossível. Estamos nos empenhando muito nessa reta final para que possamos ficar livres e nos dedicarmos inteiramente ao próximo projeto.
A semana terminou e eu estava aliviada. Conseguimos finalizar a campanha e manda-la para que Anthoni avaliasse. Na segunda-feira receberíamos o novo trabalho da Etienne Cosméticos, seria uma correria mas eu estava preparada.
Segunda chegou e eu já estava em minha sala as sete da manhã, a espera de Miguel para que pudéssemos começar logo. Como já havia passado vinte minutos e nada dele aparecer resolvi ir a sala de Anthoni para pegar o arquivo da campanha e dar uma lida para fazer algumas anotações enquanto o senhor-atrasado não chegava.
Ao chegar a sua porta bati duas vezes e entrei. Anthoni estava sentado em sua cadeira como sempre, mas não parecia estar muito bem. Ele fez sinal para que me sentasse e eu assim o fiz.
Ele tinha em seu rosto uma expressão de preocupação. Alguma coisa o incomodava ou preocupava bastante. Antes mesmo que eu abrisse minha boca para dizer o que fazia ali, o que acredito eu ele já sabia, Anthoni começou a falar.
-Temos um problema. -falou como se isso explicasse tudo.
Esperei que ele prosseguisse. Ele respirou fundo, passou a mão pelos cabelos e suspirou. Aguardei enquanto ele tomava um tempo para si, para que pudesse me explicar exatamente que tipo de problema tínhamos.
-Recebi hoje pela manhã o telefonema de Miguel, que como pode ver não está aqui. Ele está com problemas familiares urgentes e precisará ir até sua cidade para resolve-los.
Até o momento eu não entendia como isso me afetava, até porque os problemas pessoais de Miguel era problema dele, não meu.
-Conheço aquela família a muito tempo, somos amigos de longa data e sei que não solicitariam sua presença se não fosse algo realmente grave. Eu sei do que se trata, mas não posso dizer a você pois seria uma indiscrição da minha parte compartilhar assuntos pessoais de outro funcionário. -Anthoni se explicou.
Beleza, mas e eu com isso? -me perguntei mentalmente.
-O problema é que Miguel terá que se ausentar da cidade por um tempo.Só que vocês tem uma campanha para criar. Você não dará conta sozinha até o prazo e mesmo que desse, eu não permitiria. Esse projeto tem que ser feito por vocês dois, até por que a mídia do mesmo deve conter a imagem de ambos. É o que está escrito no contrato que assinamos com a empresa e a quebra de tal, acarretará em uma multa pesada e o nome sujo da empresa. -disse me olhando sério.
-O que pode ser feito então? Adiar não será possível. -falei um pouco desesperada.
-Só tem duas opções, você pode ir com ele e assim trabalham de lá ou desistir da proposta. Fica a sua escolha. Não quero te pressionar a nada, sabe disso, entretanto isso não foi planejado e sabe que se o mesmo ocorresse com qualquer outro funcionário eu faria o mesmo. -Anthoni disse.
E sabia mesmo. Mas isso não quer dizer que eu queira ir para sei lá que parte do estado ou do país junto com Miguel. Eu compreendo o que ele esteja passando, seja lá o que for, mas não sei se é uma boa ideia eu ir com ele.
Será que no mínimo Miguel sabe que Anthoni está propondo que eu vá com ele? E se sabe, será que vai se importar de eu estar invadindo sua vida pessoal? São tantas coisas a se analisar...
Preciso de um tempo. É isso, vou pedir um dia para pensar e amanhã darei a resposta. Contudo, quando eu pretendia dizer isso ao meu chefe, ele mais uma vez me interrompe continuando o que dizia anteriormente.
O que adiantaria prolongar ainda mais essa agonia. Eu iria dizer que sim no final mesmo. Então respondi que sim. Anthoni ficou satisfeito com minha resposta e mandou-me para casa arrumar as malas.
Explicou que Miguel passaria para me buscar as três horas da tarde no dia seguinte, pois precisávamos chegar no mínimo uma hora antes no aeroporto. Como provavelmente ele não saberia meu endereço escrevi em um papel para que ele repassasse a Miguel.
Pelo que percebi, meu chefe tinha arranjado um jeito de resolver toda a situação sem ao menos me consultar. Sei que ele me perguntou agora, porém foi mais como se ele já soubesse que eu aceitaria, já que tinha tudo planejado. Peguei minha bolsa na sala e fui embora da empresa.
Chegando em casa fui até meu guarda-roupas e comecei a separar tudo o que precisaria. Depois foi a vez da sapateira, separei alguns calçados e segui para o banheiro. Peguei meus produtos de higiene pessoal, também peguei alguns acessórios que estavam em minha mesa de cabeceira no quarto e organizei tudo na mala. Não era muita coisa, só o necessário para passar alguns dias e nada mais que isso.