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3

Arabella

Mais um dia.

A mesma rotina de sempre, o martírio de me levantar, uma correria entre tomar banho, me vestir, comer alguma coisa e chegar ao trabalho. Hoje é terça-feira, menos um dia da semana, o que faz parecer muito próximo ao final de semana. Não gosto de finais de semana, pois os acho tão vazios e solitários, são uma quebra de rotina, dias perdidos de trabalho, enfim, um total desperdício.

Entro em minha sala, que na verdade não é minha, pois na mesma trabalham três pessoas, eu, Rafael e Débora. A sala é composta por três mesas médias que contém objetos de trabalho como computadores da empresa, blocos de papel, canetas, planilhas, entre outras coisas. Duas mesas estão dispostas nos cantos esquerdo e direito da sala, de frente para a porta, e a terceira encontra-se no lado oposto da sala de frente para as outras duas mesas e próxima a porta.

Sento em minha cadeira, ligo o computador e começo meu trabalho. São oito e meia da manhã quando paro o que estou fazendo e me viro para Rafael e perguntando uma coisa que estava me deixando curiosa.

-Rafael –eu o chamo.

-Oi -ele responde ainda concentrado olhando para a tela do computador.

-Você sabe o que aconteceu com a Débora? Ela não chegou até agora e não a vi ontem também. Será que aconteceu alguma coisa? Ela está bem? -pergunto preocupada.

-Ah, você não sabe? Ela entrou essa semana de licença maternidade, a menina já está quase nascendo. -ele responde dessa vez desviando o olhar para mim.

-Ah sim, eu não sabia por fiquei preocupada. -comento voltando a atenção para o computador a minha frente.

Depois de algum tempo saímos para nosso horário de almoço. Fomos comer em um restaurante que ficava alguns metros da empresa. O local era simples mas aconchegante ao mesmo tempo. Quase sempre almoçávamos ali, às vezes a namorada do Rafa vinha almoçar conosco, ela até que era boa pessoa, sempre educada e sempre trazia assuntos interessantes a mesa. Eu gostava de sua companhia, mas já estava sentindo a falta de Débora que sempre nos acompanhava nesse horário.

Ao voltar para a empresa vou ao banheiro, escovo os dentes e passo o gloss novamente. Após algumas horas recebo a notificação de um novo e-mail em minha caixa de entrada. Dou uma olhada só para ver quem enviou e percebo que é do chefe. No e-mail, avisava que eu deveria comparecer a sala de reuniões as quinze horas do dia seguinte. Olho para o lado e observo com o cenho franzido de Rafael que no mesmo instante também levanta os olhos da tela.

-Você também recebeu o e-mail sobre a reunião? -questiono com certa curiosidade e uma pulga atrás da orelha.

-Recebi. Sobre o que acha que é? Deus queira que não seja corte de gastos, com essa crise vai ser difícil achar emprego. -Rafa, como o grande agourento que é, joga a pergunta no ar com certo temor.

-Ai, credo cara. Para de ser pessimista, pode ser qualquer coisa, uma mudança interna ou algum novo projeto, sei lá. Você está muito negativo hoje hein! Sai para lá seu agourento. -eu brinco achando graça.

-Então senhorita raio-de-sol, tenha uma boa noite por que eu já estou indo. -ele diz recolhendo suas coisas e se levantando para ir embora.

Só então me dou conta de que já são sete horas. Me despeço de Rafael juntando meus pertences, desligo o computador e fecho a porta ao sair da sala. Chegando em casa, largo minha bolsa na cama e vou até a cozinha para esquentar o resto da lasanha de ontem que estava na geladeira. Confiro o armário e a geladeira estavam quase vazios, teria que fazer as compras esse final de semana ou na próxima. Retorno ao quarto e visto short jeans e uma camiseta velha, faço um coque meio desleixado pronta para trabalhar.

Ligo o notebook em cima da cama e coloco uma música qualquer no último volume. Meus vizinhos que me perdoem, mas preciso extravasar. Primeiro arrumo meu quarto que mais parecia uma zona de guerra. Guardo as roupas limpas, separo as sujas em um cesto e enquanto mexo nelas encontro o blazer perdido de Miguel.

Caramba! Eu havia me esquecido completamente que tinha prometido devolve-lo limpo e passado. Separo-o também para lavá-lo separadamente. Não quero correr o risco de mancha-lo e ter que comprar outro para substituí-lo. Depois de terminar arrumação do quarto, vou até a máquina de lavar roupas separando as peças por cores. Quando tudo fica limpo, transfiro para a secadora, e em seguida ponho o blazer para a lavar sozinho. Seco, passo e dobro o blazer colocando-o dentro de bolsa para não esquece-lo em casa.

Tomo uma merecida ducha e aproveito para lavar o cabelo que havia ficado toda suado com a breve faxina. É como lavar a alma! Revigorante e melhora em partes meu humor. Saio enrolada numa toalha para escovar os dentes, logo depois me enfio dentro do pijama fofinho de unicórnios, o meu favorito, e capoto na cama feito uma jaca podre adormecida.

* * *

Acordo ao som do despertador assassino e levanto-me de má vontade arrastando-me como um zumbi rumo ao banheiro para realizar minha higiene pessoal. Saio de casa mais cedo, correndo feito pernalongas de calças para chegar a empresa. Chego quinze minutos adiantada, pelo menos isso, penso com certa vantagem. Passo meu cartão de identificação e sigo rumo a minha sala, já me preparando psicologicamente para labuta. Entro cumprimentando Rafael que parece perdido em uma realidade alternativa com seus enormes fones de ouvido em formato de orelhas de coelho. Balanço a cabeça em negativa com uma risada ao me sentar em minha cadeira e coloco as mãos na massa.

A manhã passa tranquila e rápida. Termino meu projeto e envio para Anthoni avalia-lo. Na hora do almoço eu e Rafael seguimos para o restaurante, conversamos um pouco e voltamos para o expediente outra vez com o estômago pesada e uma leve preguicinha. Como já havia terminado o que tinha de fazer, lembro-me do blazer de Miguel em minha bolsa e resolvo entregá-lo.

Fico a procura dele por cerca de meia hora e ainda não havia achado a sala daquela criatura nem por decreto. Quando enfim desisto e resolvo ir embora, acabo colidindo no caminho com uma montanha musculosa que cheira a perfume amadeirado, que por sinal é muito bom, quer dizer... deixa para lá, e quando olho para cima vejo justamente meu alvo. Ele me encara por alguns segundos com as sobrancelhas arqueadas sem entender o motivo de eu estar ali. Nenhum dos dois diz nada. Então para acabar com o momento constrangedor, ergo a mão que segura o blazer e o estendo em sua direção. Despertando do transe, Miguel pega a peça de minha mão, nossos dedos se esbarram por um instante, porém ignoro a sensação esquisita que me atinge, agradeço pela ajuda, e volto para minha sala a mente cheia pensamentos.

Faltando dez minutos para as três horas da tarde, chamo Rafael e juntos seguimos rumo a sala de reuniões um provocando ao outro com piadinhas sarcásticas e alfinetadas durante o trajeto. Algumas pessoas já estão adentrando no local e se acomodando em seus lugares ao redor da extensa mesa no centro da sala, e nós fazemos o mesmo. As três horas em ponto, Anthoni entra cumprimentando a todos educadamente e sentando-se em sua cadeira na ponta superior da mesa, dá início a reunião.

-Primeiro quero agradecer a presença de cada um aqui. Sei que todos vocês tiveram que interromper suas respectivas atividades e prometo ser breve. -ele começa olhando para todos nós.

-Bom, como todos sabem, valorizo todos os funcionários que trabalham nessa empresa e gosto de incentiva-los a estar sempre desenvolvendo e aperfeiçoando suas qualidades profissionais. Sendo assim, irei lançar um desafio. Vocês serão avaliados pela nossa diretoria, que irá propor atividades que vocês deverão cumprir com o máximo de maestria. E não será somente isso, a todo momento vocês estarão sendo observados, tudo o que fizerem contará na avaliação final. -ele diz e prossegue explicando.

-Dentre essas atividades, será avaliada a capacidade de produção em meio a pressão, o tempo e a qualidade do produto, o comportamento do profissional dentro do ambiente da empresa, e por último e não menos importante, a relação do trabalho em equipe. O funcionário com melhor desenvoltura nas respectivas atividades, terá a oportunidade de ficar responsável pela campanha promocional do mês de junho da rede de fast-foods McDonald's. Alguma pergunta? -Anthoni questiona ao finalizar.

Um burburinho se instala pela sala, agitadas, as pessoas comentam umas com as outras, enquanto eu e Rafael conversamos empolgados aos sussurros sobre essa grande oportunidade. Eu havia adorado a notícia, principalmente quando ele mencionou a parte do prêmio ao vencedor. Rafael também tinha ficado animado com a ideia, e enquanto discutíamos a respeito do assunto, alguém que estava sentado há algumas cadeiras atrás das nossas interrompeu o falatório ao fazer uma pergunta.

-E quando começará essas atividades? E sobre o trabalho em equipe, como seria isso? Nós vamos poder escolher nosso próprio parceiro? -uma mocinha, que eu não me lembrava o nome, pergunta e todos param de falar imediatamente para ouvir a resposta.

-As atividades começam a partir de amanhã. E quanto o trabalho em equipe, será da seguinte maneira. Formarei duplas e os pares serão escolhidos por meio de um sorteio que farei assim que todas as dúvidas forem esclarecidas. -Anthoni responde. -Mais alguma pergunta? Não se preocupem, todos receberão um arquivo com mais detalhes via e-mail. -ele diz ao pegar seu notebook, e conecta-lo ao projetor que ficava no final da sala.

-O sorteio será da seguinte maneira, tudo será feito de forma simples, rápida e transparente. Todos os seus nomes foram enumerados, usarei um sorteador online, que irá selecionar um número e depois outro em seguida, assim esses dois números já ditos formarão uma dupla, e assim sucessivamente. Vocês acompanharão tudo pelo telão aonde aparecerá o número e o nome da pessoa selecionada.

Então o sorteio logo teve início. Anthoni ia lendo em voz alta os números e os nomes selecionados mesmo que pudéssemos ver tudo escrito pelo telão. Já haviam sido selecionadas doze de quinze duplas e meu nome ainda não tinha sido chamado. Rafael foi escolhido para ser dupla com Olivia, uma moça baixinha com um corte chanel e um tanto fora de moda. Ele até que tinha dado sorte, eu acho. Na décima quarta dupla a ser selecionada, ouvi o primeiro nome ser sorteado, Miguel, e então para o meu espanto, segundo tinha sido o meu.

Espera aí! É O QUE? Acho que estou ficando senil, mesmo sendo tão jovem. Talvez eu tenha escutado errado, penso comigo mesma, mas ao conferir no telão, vejo que não. Eu não estava errada, minha dupla era ninguém mais ninguém menos que Miguel, chego a conclusão ao ver nossos nomes e respectivos números lado a lado.

Eu devo ter sido uma pessoa muito má na vida passada, só pode! É a única explicação para isso estar acontecendo comigo. Justo eu, filha de Deus e pagadora de altíssimos impostos! Não pode ser verdade.

Vejam só, não é que eu tenha algo contra Miguel, claro que não. Mas é que sei lá, não vou muito com a cara dele. É que Miguel tem um jeito de playboyzinho que não me desce de jeito nenhum, com aquele cabelinho na régua, roupas engomadinhas... E de todas as pessoas daquela sala, a pior pessoa que eu poderia ter como concorrente era ele. Porque verdade seja dita, o cara é bom, na verdade muito bom no que faz. Eu já havia visto alguns de seus trabalhos e eram simplesmente excelentes.

Assim que acaba o sorteio das duplas, Anthoni passa mais algumas informações, relembra que no dia seguinte inicia oficialmente a disputa, e que as duplas deveriam combinar como será feito o deslocamento de suas salas para a de seus parceiros. Encerrada a reunião, todos são liberados e começaram a se dispersar do local. Já do lado de fora, as pessoas ficam alvoraçadas cada um atrás de seu parceiro para a tomada de decisão de quem iria para onde. Deixo a confusão para trás nervosa e indignada com minha sina, e sigo para minha sala, entretanto, paro no final do corredor quando ouço meu nome ser chamado. Respiro fundo e viro-me dando de cara com Miguel que fita atentamente. Faço sinal para que me acompanhe e ambos caminhamos lado a lado, quando ele faz a pergunta que me faz tremer de raiva e antecipação.

-E então, como vamos fazer? Eu ou você mudará de sala? -Miguel questiona tranquilamente como se não fosse nada demais, e eu não estivesse prestes a explodir feito uma dinamite.

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