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2

ATUALMENTE

Arabella

Acordo com o barulho insistente do despertador. Aquela coisa não parava de tocar nem por um instante, com aquele som infernal que martelava minha cabeça e me impedia de continuar dormindo. Com minha mão, tateio a mesa que fica ao lado da minha cama a procura daquele aparelho maligno. Assim que o encontro desligo, me sento na cama procurando cegamente com os pés meus chinelos, calço-os e sigo para o banheiro.

Depois do banho já estou mais desperta, sigo para o quarto escolho uma roupa, vou me vestindo, opto por uma calça jeans skinny escura e uma bata de estampa floral, enquanto procuro por meu celular na bagunça dos lençóis que há em minha cama. Depois que o acho, verifico o horário e vejo que são 07:10 da manhã, calço as sandálias que encontro debaixo da cama. Vou até o banheiro, escovo meus dentes, penteio o cabelo e termino de me aprontar. Em seguida jogo o celular na bolsa assim como escova de dentes, o creme dental, um gloss, e a chave do apartamento assim que saio e o tranco.

Faço a pé o trajeto até meu serviço em meia hora, com ainda cinco minutos de antecedência para chegar a West Comunicações, aproveito e passo na lanchonete comprando um capuccino para enganar a fome já não tive tempo de comer nada em casa. Entro apressada pela recepção que milagrosamente está vazia.

Comemoro internamente a possível intoxicação alimentar que a enjoada da Renata, a recepcionista, deve ter sofrido. Pois a mulher nunca fica fora de seu posto na recepção, ela sempre está presente às oito horas em ponto com aquela cara azeda e sendo a chata de sempre. Hoje ela não estava.

Ainda bebericando meu capuccino, contorno apressadamente o balcão da recepção, retiro da bolsa meu cartão de identificação da empresa e passo em frente ao leitor digital, que logo libera minha entrada. Mas como o mundo parece estar contra mim, a primeira coisa que acontece e desencadeia nas demais a seguir, poderia ter acontecido em câmera lenta e eu ainda não acreditaria. enquanto guardo o cartão de volta na bolsa, lugar do qual nunca saía, e ando em direção ao corredor, não vejo quando Renata, feito um furacão descontrolado, corre como uma louca de volta para seu posto, e se choca contra mim, derramando praticamente todo o conteúdo do copo que estava em minha mão sobre meu corpo. A primeira sensação foi a da pele arder como fogo. A segunda, uma raiva descomunal dentro de mim.

Olho para o estrago feito. Noto minha bata molhada e manchada se tornando transparente por causa do líquido, assim como também deixando minha pele grudenta. A única atitude que consigo ter nesse instante é correr e entrar na primeira sala que vejo a minha frente. Assim que entro, me dirijo ao banheiro encostando a porta, e retiro a bata permanecendo apenas de sutiã da cintura para cima. Jogo a peça em cima da tampa do vaso sanitário, pego um pedaço de papel higiênico encharcando-o com água e o coloco sobre a região do colo, onde arde feito o inferno. Dói para caramba! Tanto que meus olhos se enchem de lágrimas. Arranco mais alguns pedaços de papel para umedece-los outra vez, e deito no chão esperando que a pele se acalme.

Continuo por alguns minutos de olhos fechados e deitada, num marasmo de dor, entretanto, quando resolvo que é hora de dar no pé e seguir em frente, escuto algumas vozes vindas da sala.

CARAMBA! AGORA FERROU DE VEZ, penso comigo mesma quase entrando em pânico e o coração disparado a mil por hora. Por que tenho que ser uma banana tão azarada? O que será que fiz de errado na vida passada? Com certeza fui uma pessoa muito mais mal humorada e rosnava para meus vizinhos de porta, só pode ser!

Ao que tudo indica, a situação é que agora há dois homens conversando de modo animado sobre qualquer coisa que não tenho o menor interesse e por isso faço questão de não prestar atenção.

Meu sangue vira gelo puro em minhas veias feito a ponta do iceberg que naufragou o Titanic, ao reconhecer de imediato as duas vozes que chegam aos meus ouvidos. A primeira de Anthoni, meu chefe. Merda, merda, merda mil vezes! A segunda, de Miguel, o pupilo do chefe e o queridinho da maioria. Então percebo tardiamente que a sala a qual eu havia entrado as pressas, era simplesmente a de Anthoni. Bella sua burrinha, que droga você fez, sua louca?

Suplico desesperadamente a uma força divina, ao um ser superior que me tire dessa enrascada e faça aqueles dois saírem daqui o mais rápido possível, para que eu possa me recompor e sair de fininho sem ser notada por ninguém.

Isso é possível? Eu me pergunto ansiosa roendo o cantinho da unha do polegar.

Ledo engano, penso ao constatar que eu seria incapaz de escapar dessa situação miserável. É a lei de murphy, só pode, minha vida é um desastre. Depois de alguns minutos de conversa jogada fora e uma aflição sem fim dentro do peito, ouço perfeitamente quando minha sentença de morte é declarada por Miguel quando o mesmo pede para utilizar o banheiro. Justo agora, seu maluco? Não aguenta segurar um pouquinho e fazer depois? Por acaso tem bexiga de grávida? Eu o questiono em minha cabeça ao revirar os olhos. Ouço seus passos se aproximando e nem se eu fosse a maior velocista da minha geração, eu conseguiria me recompor a tempo, então, conformo-me com minha ruína e permaneço do mesmo modo em que me encontro.

A porta se abre, continuo de olhos fechados e escuto um exalar surpreso. Pronto, é o meu fim. Abro os olhos e me deparo com um par de bilhas azuis muito arregalados semelhantes aos meus, que logo se desviam descendo para meu busto e em seguida, se voltam para a parede oposta. Miguel suspira com a pretensão de falar algo, porém sou mais rápida e o interrompo ao dizer primeiro.

-Eu não sou louca, se é isso que está se passando na sua cabeça nesse segundo. E antes que pergunte o que estou fazendo aqui desse jeito, devo dizer que tenho uma explicação bastante razoável. Eu me queimei com capuccino que era para ter sido meu café da manhã, isso se eu não tivesse tido a infelicidade de dar de cara com a anta da Renata recepcionista, que por acaso estava correndo feito uma louca pelo caminho. -digo tudo de uma vez só já imaginando o julgamento que ele estará fazendo em sua mente.

-Bom... -Miguel coça a nuca com o cenho franzido. -Isso ainda não explica o fato de estar sem roupa justamente no chão do banheiro de Anthoni..Ele sabe que está aqui? -Miguel questiona desconfiado, ainda com o olhar voltado para a parede.

-Primeira coisa, só para esclarecer um pequeno detalhe, eu só estou aqui por que foi a primeira sala que pude me esconder no momento. Segunda, eu não estou sem roupa, estou sem camisa. E é claro que Anthoni não sabe que estou aqui. Mas agora acredito saberá já que você já me viu assim e com certeza irá me delatar para ele, uma vez que não conseguirei sair daqui tão cedo e muito menos desta maneia. Isso também somado ao fato que não posso me mexer muito porque essa merda arde pra caramba. -reclamo esboçando uma careta de dor. -Já estou até vendo a cena da empresa toda me pegando no flagra e eu sendo demitida por Anthoni. -eu dramatizo maximizando os olhos. -Admito que estou bem ferrada! -falo já entrando em desespero.

Prossigo com meu monólogo, entre o delírio e a loucura de ser demitida entre outras coisas, que não percebo quando Miguel se aproximava de onde estou e agachando-se, olha o ferimento como se fosse algum tipo de médico experiente examinando seu paciente, durante alguns segundos, que são bem constrangedores diga-se de passagem.

-Consegue se levantar, Arabella? -ele pergunta sem expressar qualquer tipo de constrangimento enquanto eu apenas sinto o rubor cobrir minhas faces quentes.

-Creio que sim. -respondo com um bolo se formando em minha garganta.

Bella, você é mesmo uma completa pateta! Eu me recrimino duramente.

Então colocando uma de suas mãos em minhas costas, Miguel me impulsiona para cima, e com a outra, ele segura meu braço ajudando-me a ficar de pé. Bem, até que não foi tão terrível como eu pensava... Em seguida, apressadamente ele retira seu blazer e o coloca sobre meu corpo cobrindo minha nudez parcial. Por alguns instantes fico sem entender o que ele pretende, e ao notar a expressão de confusão claramente estampada em minha face, ele explica calmante.

-Por ser um cara muito legal, eu não poderia permitir que você saísse daqui dessa forma, sendo que aquela sua roupa ali, -ele aponta com o indicador para minha bata destruída. -Não tem mais jeito. -Miguel diz divertindo-se com a situação. -E pelo que posso perceber você precisa dar uma olhada nessa queimadura aí, porque a coisa não parece muito promissora. E já pensou se isso piora? É melhor dar uma passadinha no hospital só para conferir por desencargo de consciência. E não precisa se preocupar, eu mesmo irei avisar Anthoni sobre o ocorrido. Tenho certeza que ele irá compreender. -ele diz voltando a seriedade de antes.

-E porque está me ajudando? -indago com uma dose de incredulidade e desconfiança. -Nós sequer nos falamos direito e você está aí todo prestativo comigo. -pergunto com uma pulga atrás da orelha.

-Não preciso de motivo para ajudar alguém. Meus pais me ensinaram a ser desse jeito, ajudar quem precisa sem uma motivação por trás disso. Faço o que faço independente de qualquer coisa. Agora chega de papo furado e vai logo antes que isso fique pior. - ele diz referindo-se a queimadura.

Visivelmente se graça, não comento mais nada. Agradeço-o e pego minha bolsa saindo do banheiro, ficando grandemente agradecida ao ver que Anthoni não está mais em sua sala. Quando coloco a mão na maçaneta da porta ouço um pigarrear.

-Não está esquecendo de nada? -Miguel questiona com evidente ironia e eu o observo de volta.

-O que foi? Eu já te agradeci, se for sobre o blazer eu trago de volta limpo e passado para você. -eu respondo sem entende-lo ao que ele apena arqueia uma sobrancelha loira no alto.

-Que tal isso. -ele gesticula para o blazer que mais parece um balão em mim de tão largo que está e que por sinal está aberto.

Coro instantaneamente feito um tomate maduro. Eu toda defensiva e Miguel estava apenas querendo me ajudar a não passar um vexame maior ainda ao sair daqui nesse estado. Fecho até o último botão, olho mais uma vez para ele e agradeço novamente partindo feito um foguete.

Depois de passar no hospital vejo que não havia sido nada de grave, o médico apenas receitou algumas pomadas. Fui a farmácia para comprar tudo o que precisava e finalmente havia voltado para casa. Tomo banho rápido e me enfio de novo na calça que havia usado mais cedo, jogo uma blusinha limpa para combinar e sigo até a cozinha para colocar a lasanha no micro-ondas. Depois de comer verifico o horário, e já são duas e meia, pego minha bolsa, tranco o apartamento e volto para a empresa. Assim que ponho meus pés na recepção e vou retirando o cartão de identificação da bolsa, Renata vem até mim e começa a falar descontroladamente dizendo que tudo foi um acidente e que eu também estava distraída.

Vaca dissimulada!

Ela continuou falando enquanto eu passava meu cartão no leitor. Depois de autorizada minha entrada, viro-me para ela e digo para que esqueça o assunto. Óbvio era apenas para que ela largue do meu pé e continuo a caminhar. Paro em frente a porta do meu chefe e bato duas vezes. No mesmo instante ouço um entra e abro a porta. Anthoni me manda sentar e assim eu o faço.

-O que faz aqui? Fiquei sabendo o que aconteceu com você, Miguel me informou. Fiquei preocupado, não esperava vê-la pelo restante do dia. Como você está? -ele questiona visivelmente preocupado.

Anthoni é um ótimo patrão. Se importa com seus funcionários e os trata com respeito, coisa que hoje em dia poucos fazem.

-Estou bem, foi só um susto. O médico receitou umas pomadas, nada demais. Voltei porque não podia perder o dia de serviço, já basta as horas perdidas pela manhã. Obrigada por se preocupar, mas posso voltar ao trabalho? -indago louca para sair dali o mais rápido possível.

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