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Amor quebrado

Luna Alvez

Parada no meio da areia, sentindo os dedos batendo contra o solado da bota, já notando a quantidade de grãos incomodando no sapato. Bufei com a raiva fervendo o sangue em um ritmo incontrolável, caminhando a passos largos para atravessar a multidão, vi o exato momento em que a garota ergueu a cabeça fazendo o último prego ser martelado com força na porra do meu coração idiota.

Nickolas beijando a vizinha vadia Jéssica, e a idiota aqui jurando que ele estaria jogando com os amigos pelo computador, realmente os quietos sempre são os piores.

No primeiro momento considerei ir até lá e, dar na cara dos dois, no meio do caminho lembrei em como mulheres levam o nome de louca. Senti a primeira lágrima querendo escapar, a memória rebobinando cada momento em todos esses anos se misturando a cada jura de amor e promessas, se transformando em um vazio sem fim.

Lembro do dia em que fiz uma limpeza de pele na minha prima Laís, em algum momento falou com raiva sobre o namorado ter beijado uma garota bêbada, perguntei se ela havia dado o troco e as suas palavras exatas brilharam em letreiro neon fazendo os dois se tornarem uma miragem.

“Eu não sou dessas”

Se a terapia ajudou em algo foi entender que não preciso ficar comparando tudo o que faço com os outros, e definitivamente “Eu não sou dessas”, já dizia Solange Almeida quando cantava no “Aviões do Forró”:

Mulher não trai, se vinga.

Olho para todas as pessoas na praia envoltas dos próprios problemas, ignorando o dia que ainda chegará apenas para aproveitar o aqui e agora, por isso sem pensar nas consequências viro para trás olhando o homem que me faz parecer a smurfette de tão baixinha, os olhos envoltos pela escuridão e se misturando com a frieza, fazendo o pior ao me atrair como uma mariposa é atraída pela luz, uma da qual deve conseguir destruir cada uma das minhas certezas.

Existe um medo que tenta enfiar algum grão de controle na porcaria da minha consciência, não conseguiu ser maior que a fúria e aqui está o meu maior defeito, não ter controle sobre a minha fúria, não conseguir conter o instinto primitivo que necessita ser aplacado.

— Uma noite. — Pronuncio ficando orgulhosa por não deixar a voz trêmula, mesmo que o tremor não deixe as minhas mãos.

A sobrancelha grossa escura se arqueando aumentando o charme dos poucos fios brancos que escapam pelas laterais do cabelo o deixando muito mais sexy, as íris percorrem a faixa branca de areia, talvez procurando o que me fez mudar de ideia. Mesmo que a consciência ainda pese, não conseguirei abandonar a oportunidade mesmo quebrando a minha moral, vingança é algo do qual nunca desejei tanto como desejo agora.

Nossa diferença de altura chega a ser afrodisíaca, as íris tão frias com uma expressão indiferente, estremeço sentindo o quanto pode ser perigoso ao mesmo tempo, em que um raio de fúria se desperta no fundo do meu coração.

Ele veio e conseguirá o que quer, apenas por que meu namorado de anos me traiu?

Não, porque sou fraca demais para resistir a oportunidade de pecar.

Quanta hipocrisia, sempre lutando para oferecer um tratamento de qualidade aos desfavorecidos das comunidades e agora cedendo a um desejo primitivo. Por isso a fúria não passa, por mais uma vez sentir o quão diferente sou das outras pessoas, sempre perdida sem ter um grupo ou um lugar no mundo desde a morte dos meus pais. Deveria ser tranquila, pacífica, talvez aceitar a traição ou quem sabe ir até lá, estampar na sua cara o quão infiel é, mas o gosto doce que invade a minha boca atiça a pior versão, aquela a qual tento todos os dias manter sob controle.

Talvez quando acordar amanhã, essa loucura finalmente pareça um surto coletivo ou memórias de uma bêbada, mas de algo tenho certeza nenhum homem irá me fazer de trouxa novamente, muito menos ter a minha fidelidade e lealdade cegamente. Hoje, Nickolas quebrou algo aqui dentro e os cacos de vidro perfuram de dentro para fora. Espinhos dolorosos em um lugar a qual pertenceu todo o meu amor e preocupação durante esses anos, minha juventude, meu tempo, perdão e comprometimento.

Enquanto puxo o ar com força tentando controlar os impulsos de fúria, a vontade em derrubar seu teatro, arrancar seu sorriso falso e traiçoeiro, mesmo não gostando da Jéssica, a vaca não me deve nenhuma fidelidade, nunca esteve em um relacionamento comigo e em nenhum momento fomos amigas. Mas o homem que esteve ao meu lado durante todas as minhas dores, choros, crises, idas à psicóloga para superar a morte dos meus pais, as crises de ansiedade pelo medo em não ser uma boa profissional, o mesmo a qual ajudei a família a sair do aluguel e comprar uma casa, aquele que ajudei a estudar para passar no ensino médio, do qual dediquei horas incentivando e apoiando para abrir o próprio negócio sabendo que esse era seu sonho.

Meu melhor amigo, meu amor, jogando todo o nosso companheirismo e história juntos, em troco de quê?

Penso em todos os momentos felizes, um flashback de toda nossa trajetória buscando entender em que ponto posso ter errado, enfiando as unhas curtas na palma da mão para controlar o nervosismo, ele decidiu isso por nós, e eu sei que consigo perdoar sua traição, mas sou incapaz de perdoar suas mentiras, o que foi real no nosso relacionamento até aqui? Quantas vezes deve ter mentido para ficar com ela, e é isso que mais dói a confiança quebrada. Não existem lágrimas a serem derramadas, não aqui, não agora, talvez em algum momento na próxima folga bebendo tudo o mais um pouco possa chorar.

O sangue fervendo e a mente borbulhando só consegue imaginar quantas coisas poderei fazer com Roman, e o pior é que uma parte da minha consciência tenta alertar para todas as consequências, mas o ódio é maior, o desejo de pagar na mesma moeda grita mais forte.

Sempre visei ser correta, ser boa e do que adiantou? Manter a moral intacta?

Ser reduzida à não ser dessas, isso é uma grande balela hipócrita, que diz que as mulheres para perdoarem as traições e aos homens jogarem pedras nas adúlteras, meu ódio não é só do Nick, mas principalmente pelo fato de saber que nos próximos dias aguentarei vários conselhos amorosos como se alguém pudesse resolver a minha vida quando não conseguem resolver as próprias. Então fodam-se as consequências, quero experimentar a estrada mais fácil uma vez na vida.

Nessa hora, tudo que desejo é estar no círculo da heresia buscando diminuir todas as minhas angústias em meio a um mar diabólico que os olhos dele representam, uma salvação é uma perdição, um alívio e o declínio. Ser a dona da minha vontade sem ligar para a opinião de ninguém, desligando o ego e deixando Idi comandar primitivamente, que vergonha devo estar causando em Freud.

Já estou perdida na fúria, perdida nos desejos contidos e no terror da perda ao ser trocada de forma tão idiota por alguém no qual sempre confiei.

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