V - App Crash - Parte 1
Aos poucos, os fragmentos em minhas memórias começavam a tomar forma, contudo, os dados continuavam embaralhados e confusos, certamente um efeito colateral por todo o tempo que passei hibernando.
Aliás, quanto tempo foi isso?
Victoria certamente tinha muitas perguntas e eu deveria responder boa parte delas, mas a verdade era que eu também tinha minhas perguntas. E encontrar as respostas certamente era um desafio que somente eu poderia enfrentar.
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Acuada na escuridão, Vic mantinha os olhos fechados enquanto tentava prender a respiração. De onde estava era incapaz de ver ou ouvir qualquer coisa. Estava preocupada com o garoto que a salvara, porém, ela não podia fazer nada para ajudá-lo. Pelo contrário, ela era um empecilho. Se ficasse por perto iria atrapalhar. Tudo que podia fazer era ficar ali e esperar que ele voltasse bem para reencontrá-la.
Por um momento as lágrimas quiseram escorrer novamente, mas a menina torceu os lábios e inspirou, segurando o ar nos pulmões até que se sentisse mais controlada. Tinha de ser forte, precisava confiar em X, ele voltaria para ela. Não sabia porque, mas sentia que podia confiar nele.
Quanto tempo havia se passado? Dez minutos? Vinte? Meia hora talvez? Pensara em pressionar o botão no aparelho digital que tinha no embornal e olhar as horas, mas tinha medo que alguma Sentinela próxima pudesse rastreá-la pelo sinal emitido pelo dispositivo. O lugar onde se escondera era estreito e escuro. E havia uma única passagem por onde havia entrado. Se fosse abordada ali seria exterminada sem qualquer chance de escapar.
Precisava descobrir logo que horas eram, pois tinha de voltar para a base da Resistência. Certamente já haviam notado sua falta e dali há algum tempo iriam sair para procurá-la, provavelmente assim que a noite caísse.
—Vic? Sou eu, Cyber, pode sair. É seguro.
Pela primeira vez em semanas um sorriso se estampara nos lábios finos de Vic enquanto em seu peito um sentimento de alívio explodia. Agachando-se da mesma forma que fizera para entrar naquele esconderijo, a garota saiu.
—X, você está bem. Eu fiquei tão preocupada – disse a menina tentando ignorar as lágrimas de alegria que despontavam contra sua vontade, ainda de joelhos. O rapaz estendera uma das mãos, ajudando-a a se levantar – O que houve com aqueles X Hunters, você lutou mesmo com eles?
O garoto esperou que ela se levantasse e lhe baixou o capuz, expondo sua face suja de poeira daquele lugar. Aproximando-se ajeitou algumas mechas de cabelo que caíam sobre os olhos da menina.
Apesar da escuridão, ambos podiam ver as nuances de suas faces. Ao longe haviam pontos de luz que despontavam por frestas nas paredes velhas daquele lugar. Em meio às trevas os olhos azuis de Cyber ainda brilhavam.
—Não chore – respondeu ele removendo uma lágrima da face da garota com o polegar – Eu não reencontrei os dois. Magma Draccoon estava me procurando sozinho. Assim como pensei, as passagens no interior desse prédio são pequenas demais para que o outro se movesse, mas ele certamente está lá fora esperando por nós. Já estou analisando uma forma de sairmos sem cairmos em alguma emboscada. Como você está?
Victoria afastou-se e arrumou o cabelo desgrenhado com as duas mãos. Por fim enxugou as lágrimas e respirou fundo encarando o menino.
—Estou viva graças a você – respondeu exibindo outro sorriso, agora corada – Ele não te machucou? Quero dizer, o X Hunter que você encontrou.
—Eu estou bem. Ainda tenho bastante energia sobrando. Vamos encontrar um lugar seguro onde você e eu possamos descansar – respondeu o menino com um sorriso que encantava Vic – Preciso encontrar um terminal para que possa acessar a internet e atualizar meus dados. Sinto que meu processamento está um pouco lento.
—Internet? – indagou a garota parecendo confusa – O que é isso?
O rapaz colocara o indicador da mão direita sobre o lábio inferior e erguera a cabeça como se estivesse pensando. Finalmente voltara o olhar para a menina que o encarava curiosa.
—Seria uma rede de comunicações virtual global. Acessada por terminais cibernéticos – explicou – Não sei como simplificar mais que isso.
—Ah, acho que você se refere à NGW – respondeu a menina alargando um sorriso como se estivesse muito feliz em se mostrar útil – Você deve ser muito inteligente se for capaz de entender disso. Só os mais inteligentes na Resistência sabem como operar esses sistemas. No geral eles são vigiados pelas máquinas e é muito difícil acessar.
—Resistência? – agora quem parecia confuso era o menino.
—Você…? – dessa vez Vic parecia não ter uma resposta – Parando agora para pensar você estava dentro daquele tubo com todo aquele líquido azul. Por quanto tempo esteve lá? X, você não sabe mesmo o que é a Resistência? Por acaso você é um… robô, como eles?
Por um momento os batimentos cardíacos de Victoria se aceleraram, mas a garota se manteve firme. Ainda que Cyber fosse uma máquina como aquelas que vinham assassinando os humanos por tanto tempo, ele havia acabado de lhe salvar a vida. Ela não era capaz de acreditar que ele fosse um monstro como aqueles dois que a tinham perseguido.
—Eu não sou um robô. Não sou como eles e nunca lhe faria mal, Vic. Pode confiar em mim, eu prometi que iria protegê-la – respondeu o garoto.
Sem dizer nada a menina aproximou-se e abraçou o rapaz. Deitara a cabeça em seu pescoço por alguns instantes. Por fim sussurrara.
—Me desculpe. Eu não quis… comparar. Mas você é muito forte – comentou. Afastando o corpo apenas alguns centímetros, Vic ergueu a face encarando o rapaz. Podia sentir a respiração do mesmo em seus lábios – Não existe nenhum humano tão forte assim. Ou algum que possa ativar uma armadura como aquela que você tem – o garoto havia retornado novamente com a calça azul, descalço e sem camisa.
—Vic, eu não sou humano, tenho certeza disso. Sei como são os humanos e não sou como vocês também – esclareceu Cyber, dizendo o óbvio.
—O que você é então?
—Eu não sei. Os dados em minha mente estão confusos. O que eu sei é que não sou como aqueles Androides que lhe caçavam.
Vic afastou-se. As peças que havia recolhido da Sentinela antes fizeram barulho no pequeno embornal que carregava.
—Eu confio em você, X. Nunca irão me convencer a não confiar, eu sinto como se tivesse esperado por você a vida toda. A propósito, por que me ajudou?
—Era a coisa certa a fazer. No momento em que a vi, eu sabia que deveria protegê-la, não importando como. Jamais irei permitir que alguém lhe faça mal.
A garota finalmente apanhou o dispositivo no embornal e pressionando um pequeno botão negro, a telinha se acendeu na cor verde com números escuros.
—Já são quase dezoito horas. Tenho que voltar antes que a noite caia ou outros virão atrás de mim. E se encontrarem com aqueles X Hunters não terão a mesma sorte que eu tive por ter lhe encontrado. Temos de sair daqui.
—Voltar para… casa? – indagou o rapaz.
—Para a base da Resistência. É onde eu vivo. Todos que eu conheço vivem lá – respondeu Vic – Você pode vir comigo – emendou sorrindo.
Cyber ficou em silêncio por alguns instantes e por fim, tocando a face de Vic com as duas mãos, pediu permissão para se aproximar. Victoria imaginou que ganharia seu primeiro beijo, aquele beijo que nenhum menino havia lhe dado antes. E seria com um… o que ele era mesmo?