VI - App Crash - Parte 2
Diferente do que esperava, o menino apenas encostou a própria testa à dela e fechou os olhos, ficando assim por quase vinte segundos. Para alguém que não era humano, Cyber tinha um corpo quente e acolhedor. Vic fechara os olhos por alguns instantes, apenas desfrutando do momento. Apesar de estarem nas ruínas de um lugar desconhecido e assustador, sentia-se segura com ele.
—O que está fazendo? – sussurrou a menina.
—Aprendendo – respondeu o garoto.
Vic continuou no mesmo lugar absorvendo o sentido daquela palavra. O que ele queria dizer? Como poderia estar aprendendo?
—Espera, como assim “aprendendo”? – perguntou finalmente afastando-se mais do que desejava.
—Aprendendo com você. Agora entendo o que quis dizer sobre Resistência e entendo o seu medo, ou melhor, o medo dos humanos dos X Hunters. Você é muito corajosa, Vic. E audaciosa também. Admiro muito sua personalidade.
A menina corou, embora na escuridão fosse impossível ver suas bochechas avermelhadas. Apontando um dedo para o rapaz, Vic parecia incrédula.
—Você estava lendo a minha mente? Como? Digo, como pode fazer isso?
—Eu chamo de escanear. Não vi muita coisa. As Sinapses são difíceis de serem traduzidas, é um código muito complexo e como disse, preciso encontrar um terminal e atualizar meus dados, sinto que necessito de um update.
—M-mas… – Vic queria chorar, mais por estar envergonhada que realmente irritada com ele. Claramente o rapaz não via erro no que havia feito – Memórias são coisas muito pessoais, você deveria explicar o que queria e me perguntar primeiro o que eu achava de compartilhar. Quantos segredos meus você sabe agora? Você entende o que significa privacidade?
—Está falando de ter pensado que eu iria beijá-la? – perguntou o garoto.
Certo. Agora sim o mundo de Vic tinha caído por aquele chão sujo de terra e pedras. A vontade era correr de volta por aquela fresta e esconder-se de novo. Ele sabia que ela nunca havia sido beijada. E sabia que desejara ter seu primeiro beijo com ele. E não o havia ganho, tinha só se iludido sem sequer sonhar com o que X realmente iria fazer.
Tão rápido que Vic sequer fora capaz de ver o movimento, em um instante Cyber tinha seus braços enlaçados por suas costas e seus lábios colados aos dela. A cada minuto juntos ela sentia mais que ele fosse algum tipo de humano diferente. Seus lábios eram macios, sua boca quente e umedecida.
—O que pensa que está fazendo? – sussurrou ela quando finalmente seus lábios se descolaram.
—Beijando você.
—Não precisava fazer isso.
—Você queria que eu fizesse.
—Mas não precisava fazer só por isso.
—Eu quis também.
—Quis? – perguntou Vic afastando-se.
—Assim como você, nunca beijei ninguém. Por que não experimentar com você se também desejava e não há mais ninguém aqui? – respondeu Cyber.
—Qual a sua idade? – Vic esperava ouvir algo como centenas de anos.
—Tenho quinze.
—Quinze? – a garota parecia surpresa.
—É a idade que me lembro de quando adormeci. O que me recordo depois é de acordar com você próxima de mim.
Então, apesar de todo aquele poder e mistério, ele realmente era pouco mais velho que ela – pensara Vic. Cyber era o elo entre humano e robô, se parecia com ambos, mas não era nenhum dos dois. Fosse pela magia nesses segredos, por a ter protegido ou simplesmente pelo fato de estar ali com ela, Victoria sentia que não era capaz de deixá-lo.
—Precisamos ir – disse a garota quebrando o gelo daquele silêncio.
Antes que o rapaz pudesse responder, o som de metal se arrastando pelo chão ecoara pelo ar não muito distante de onde estavam.
Aquele breve momento de paz acabara.
♠♠♠
25 minutos antes.
Cyber descera escorregando por uma íngreme parede de pedras.
A armadura azul que usava agora lhe cobria todo o corpo, inclusive a cabeça, que antes havia deixado à mostra enquanto falava com Victoria. Havia diversos traços em neon que o faziam destacar-se em meio à escuridão daquele lugar.
—Imagino que estivesse querendo ser encontrado – disse uma voz suave e tranquila vindo do final de um corredor.
O garoto virou-se e sua visão apurada identificou o X Hunter vermelho há alguns metros de distância. Era um Reploid alto e magro, seu corpo humanoide perfeito para executar ações de combate com exímia habilidade.
—Estou surpreso que tenha demorado tanto – respondeu o rapaz. Agora vestindo o capacete da armadura sua voz ecoava com o som metálico – Onde está o seu companheiro? Gordo demais para andar entre esses corredores?
—Não preciso dele para acabar com você.
—Acredito que iremos descobrir isso em instantes.
Ambos fitaram um ao outro por menos de um segundo. Não eram guerreiros de palavras, mas sim de atitudes. Não havia obstáculos entre eles, tampouco por onde qualquer um pudesse escapar. Dos dois lados paredes altas cercavam aquela área como uma grande arena. Perfeita para uma batalha épica.
Talvez aquela batalha pudesse ser terminada em segundos sem qualquer necessidade de um confronto direto. Pensando da mesma forma, os dois tiveram a mesma estratégia ao transformar seus punhos em armas. Era o mesmo que Killerfrost Bear havia feito ao encontrar o garoto pela primeira vez.
O punho esquerdo de Magma Draccoon brilhava como cobre enquanto o Reploid disparava esferas incandescentes. Por sua vez, o canhão no punho de Cyber disparava rajadas de energia em feixes de luz branca e azul. Juntos, eles criavam um magnifico show pirotécnico em meio à escuridão.
Atiravam ao mesmo tempo em que corriam de encontro, porém, ambos eram habilidosos demais para serem atingidos facilmente. A surpresa ocorrera ao se aproximarem o bastante para um confronto físico. Cyber esquivara de um golpe direto, segurando o braço do inimigo com uma das mãos, enquanto pousara a outra sobre a fronte da cabeça de dragão do X Hunter.
Draccoon caíra de joelhos quase imobilizado no mesmo instante. Por dentro sentia como se todos os seus circuitos estivessem fritando.
—O que você está fazendo comigo? Quem é você? – resmungou.
Procurando se evadir daquele golpe, Magma percebera que estava preso ao rapaz pelo braço que o mesmo havia segurado quando ele atacara. Tentara em vão soltar-se, mas suas forças aos poucos pareciam esvair-se.
Optara por seguir a primeira estratégia que processara ante que seus chips parassem de funcionar completamente.
Cyber vira quando o Reploid apontara para seu braço com o canhão, aquele mesmo braço cuja mão lhe segurava a cabeça. Naquela distância seu membro seria destroçado. Imediatamente o garoto soltara a cabeça do inimigo.
Separados por poucos centímetros, Magma Draccoon tinha o braço direito imobilizado pelo oponente. Em contrapartida, Cyber também só podia usar uma das mãos. Agora os dois tinham as mãos livres transformadas em canhões.
Na pior das hipóteses quando atirassem um no outro à queima roupa ambos seriam destruídos ao mesmo tempo. Na melhor das hipóteses continuariam vivos por mais algum tempo, mas sem socorro ainda não resistiriam aos ferimentos.
Draccoon não pretendia ser obliterado, não naquele dia.
Apontara com o canhão de seu punho para o próprio braço e disparara.
A explosão deixara Cyber atordoado por um breve momento e ele mesmo, embora perdera o membro, era resistente contra fogo, sua especialidade.
Quando o rapaz abrira novamente os olhos o inimigo estava longe.
Se o seguisse certamente poderia alcançá-lo e terminar aquele confronto. Ou cair em uma emboscada criada por Killerfrost e se deparar com outros. De qualquer forma, afastar-se de Victoria não era uma opção. O melhor a fazer era voltar para onde a havia deixado e descobrir como ela estava. Haveria outras oportunidades de confrontar Magma Draccoon no futuro.
Aquele que luta e foge continua vivo para lutar outro dia.