Quatro
— Ei, não seja um estupido grosseiro! — interviu Bartolomeu — O lenhador pode ter dois metros, ainda terá de ver como falas com minha irmã! Não a faça chorar, a menina só estava distraída, oras.
— Irmão? — Bravo não mencionou como engoliu duro ao ver as mãos miúdas e o rosto sujo de farinha se acolher no peito do rapazote. No mínimo, achou que ela encontrara um maldito inútil para enfiar em suas pernas. Gostos, que nunca ia entender como funcionava. Maldita cabeça feminina! No entanto, ao mencionar ser irmão da garota, repreendeu seus próprios pensamentos. Estava acostumado com rameiras, e confundiu a muda com seu inescrupuloso destino. — Você é o rapaz dos porcos? — perguntou ao rapazote.
— Não mais. — O jovem o privou dos detalhes, uma vez que sabia que estava sendo acusado de se deitar com a filha do fazendeiro, quando não o fez. No entanto, estava sofrendo as consequências por não conseguir serviço, induzido pelas fofocas e más línguas.
Bravo se limitou a olhar o rosto encolhido, a menina desviou apenas a beirada de um olhar para si e se escondeu de novo, gemendo, endurecendo o movimento da perna enquanto os curiosos se aproximavam um pouco mais. O truculento notou a vergonha da jovem e enfureceu-se com o corrido. Não estava disposto a acometer-se com donzelas coitadas, pobres do próprio espírito, ao mesmo tempo que não tinha paciência para os malditos e enfadonhos curiosos. Sendo assim, ele não gritou para protegê-la, gritou para aliviar seu estresse.
— Arranje o que fazer, malditos vagabundos! — cuspiu, elevou as cordas da garganta e viu com gosto um bocado de aglomerados se assustar com sua estupidez. — Tenho grossas toras de trabalho para socar no traseiro de cada um, se o problema for falta de serviço! Vamos, há de ter algo para fazer, não?
Até mesmo Bartolomeu piscou com a grosseria do homem, tapou os ouvidos de Celine e tentou não reclamar. Uma vez que o homem fez o aglomerado se dispersar, diminuindo o nervosismo e a vergonha da menina. No entanto, Bravo sacou o filete do canivete pontudo, o rapaz notou o movimento e viu o homem se dirigir ao calcanhar da irmã. Celine prendeu a base do pé entre os espaços das pedras retangulares que formavam o asfalto e se não fosse o couro gasto da sapatilha costurada, teria cortado o pé; porém, o membro estava torcido, mostrando lesão.
Bravo tocou na ponta da sapatilha, tentou não suar com a visão da canela exposta e viu a menina gemer, recuando no peito do irmão. O olhar cinza foi para o semblante do rapaz que apenas segurava a moça, sem muito o que fazer.
— Seu pé está preso, Celine. O homem vai tirar, terá de rasgar suas sapatilhas e vai doer. — Celine desistiu dos braços do irmão, viu o momento que Bravo encostou a ponta do canivete e esticou a mão gesticulando "mmm" com a ajuda de sua garganta.
— Aquiete-se, moça. Está com o pé socado em terra! Deixe-me fazer o serviço ou apodreça neste asfalto, não me importo. — rosnou, e a menina calou-se, tentando entender porque o homem havia de ser tão estupido consigo. — Pare de se mover, ou rasgo-lhe o pé.
— Como consegues ser tão estupido, lenhador? És a única sapatilha da menina. Não vês que ela defende não perder o sapato? — Bart tentou defender.
— Deseja salvar o trapos? — o lenhador acumulou a saliva estressante e cuspiu de lado, espirrou a baba grossa no chão seco e manteve o semblante endurecido. — Escolha, o pé ou o maldito sapato. Não tenho o dia todo, já disse. Tenho mais o que fazer! Já estou me dispondo muito em ajudar dois imbecis distraídos que tendem a andar com o traseiro mirado pro lado errado.
Celine baixou os olhos, Bartolomeu fungou e apertou os ombros da irmã contra si. Bravo segurou a beirada da sapatilha com a ponta dos dedos, forçou o corte do canivete e tomou cuidado para não raspar a ponta na pele fina que ia surgindo debaixo do trapo grosso. Quando dividiu o beiral do pano, guardou o canivete na bainha de couro acoplado no cinto, segurou um pedaço de pano com uma mão e outro pedaço com a outra, olhou para Bart avisando que ia puxar e recebeu um aceno de retorno. Celine estremeceu, gemeu de dor e sentiu o puxão elevar a canela e a livrar do aperto das pedras. Por um lado sentiu um rápido alívio, mas outro tipo de dor. Livrando o pé da menina, terminou de puxar o tecido grosso para fora expondo o risco no calcanhar, onde ficará inchado pelos próximos dias. Celine chorava, Bravo se apoiou nos joelhos e se compadeceu com a moça no chão. Estava perdendo seu tempo, sabia, mas estava lá atrasando seu retorno para casa por conta de uma miúda que tinha a cabeça em qualquer lugar, menos em cima do pescoço.
— Arrume-se com sua irmã, os levarei até a velha Clemence. E não enrole, não tenho dia todo. — resmungou, dando-lhes as costas para ajeitar a bagunça da charrete traseira, onde os dois deveriam sentar ao beiral.
Bart se adiantou, segurou Celina pelos braços e a fez se manter de pé, onde ela chorou um pouco mais com a dor que subiu-lhe do tornozelo para as canelas. O rapaz secou suas lágrimas e soprou entristecido.
— Lhe dou apoio, Celine. Aproveitemos a ajuda do lenhador, pois não darei conta de lhe carregar até Madame Sabatini. — Bart suspirou e guardou um fio de cabelo que escapara da touca encardida para dentro do babado da testa da menina. — Sinto muito, irmã. Se não conseguir prestar serviço a madame Sabatini, terás de ficar em casa até que lhe salve o pé. Sabes que ela terá de ocupar o seu posto até que possas trabalhar, não? — Celine concordou, um tanto chorona. — Pretendias lhe dar apenas um passeio, acabei por estragar dias de tua vida. Aquela casa está um inferno…
Bravo olhou o irmão colocar-se debaixo de um braço da moça, segurar sua cintura e a viu lacrimejar em cada passo torto que deu, apoiada no rapazote. Ele ouviu a conversa, tentou ignorar os murmúrios chorões dos dois e observou que até que o fedelho chegasse na carroça, lá se ia metade do pôr do sol. Bravo era um homem impaciente, não lhe dava com chorões, nem com toupeiras. O rapazote devia pegar a mulher nos braços e pensando assim, rosnou de arrependimento por ficar e ajudar. Quando se deu conta, adiantou um passo, puxou o braço da moça e quando esta se espalhafatou contra o extenso peito duro do lenhador, ele elevou sua estatura, envolveu os braços no corpo miúdo e segurou a donzela sob o olhar duro de seu irmão.
— Onde já se viu? Pois solte minha irmã! — reclamou Bartolomeu, vendo tamanha indecência.
— Não tenho o dia todo, moleque. Se fosse mais esperto, o faria. — retrucou o truculento que lhe deu as costas e caminhou até a traseira da carroça.
Celine estava de olhos arregalados, com o rosto grudado no peito do homem, sentiu o corpo estremecer com tamanho contato e respirou fundo. Bravo tinha cheiro de suor, terra e madeira molhada. E o toque, a aproximação e o contato íntimo que nunca tivera com um homem assim, lhe causou calores, queimou sua maçãs e corou-lhe o rosto. Quando se deu conta, Celine olhou para cima, grudou os dedos pequenos na camisa encardida e viu os lábios quase escondidos pela barba grossa e clara, muito perto de seu rosto. Quando sentiu o traseiro encostar na madeira dura, esqueceu de soltar suas mãos e quando foi liberta dos braços, teve o olhar do homem para baixo, voltado para si. Celine admirou os traços rudes mais de perto, sentiu um fogo queimar no peito e o estômago revirar de ansiedade. Sem perceber, entreabriu os lábios, engoliu devagar, cravou suas íris azuis no hálito quente e sentiu vontades que não sabia explicar.
— Mas que pouca vergonha, Celine! Solte o homem! Estás a me envergonhar deste modo! — Celine entrou em si, desprendeu-se do homem, uma vez que estava a puxar sua camisa sem nem mesmo notar, e abaixou os olhos quando o irmão manteve o sermão. — O que há de pensar o homem?!
Bravo arrumou a camisa amassada, desviou o olhar da discussão, pôs-se adiante e montou o cavalo. Evitou cruelmente olhar para trás, ajeitou os arreios e instigou a caminhada do animal, tentando ignorar a situação. Que maldição infernal! Sentiu-se tentado, extremamente tentado a sugar a menina ali mesmo! Em todo o azul mirado para ele, o convite com a boca que, imaginava, ela nem fazia ideia do quanto estava propícia, ele a teria beijado. Se não fosse pela bronca do irmão, teria ele escandalizado ali mesmo, como um maldito juvenil impensável, igual aos irmãos. E acabado com a reputação de mais uma moça.
Onde estava com a cabeça quando a pegou em seus braços? Agora estava duro, sentindo o saco grosso na calças pestanejar ao bater contra o lombo duro do cavalo, desejando fortemente um aconchego macio ao invés de solavancos secos. E o pior, o irmão estava a bancar o casamenteiro e Bravo precisa de uma esposa. A tentação em sua vida, tinha lábios silenciosos e olhos azuis.
(...)
A taverna tinha cheiro de mijo podre, bebida forte e homem sujo. O barulho era ensurdecedor, a noite estava fria e Bravo adiantava-se atravessando a porta, com a saca de moedas firme no bolso, sabendo que tinha que tomar cuidados com os garotos de mão leve. Matreiros que faziam horas noturnas, encurralando bolsos fáceis.
A música alta advinda da sanfona, a flauta e a corda, vazia os dançarinos bêbados rir, bater os pés contra o tablado grosso e abraçar as senhoras noturnas. Uma dúzia delas dançavam sorridentes, não eram tão providas de beleza, tinham roupas tão encardidas quanto a sua, mas procuravam ao menos enfeitar-lhe os rostos e caprichar no penteado. Os seios pareciam que iam saltar a qualquer momento, não se importavam em insinuar a visão das pernas ao rebitar a saia para a dança e se aproveitavam para extorquir os miseráveis. Lucravam na cama e forravam os gordos de cerveja quente ruim, e não tão barata.
— Duas canecas. — ordenou batendo a mão grande contra a madeira suja do balcão, depositando ali dois pesos de moedas e olhando para os lados.
A mulher que se aproximou puxou as moedas sem pestanejar, Hanoar se acomodou na banqueta de apoio, esperou a entrega ocorrer e sorveu o primeiro caneco mais rápido do que podia. Devolveu-a seca contra o balcão, puxou a outra e viu Gerald, o pançudo cavernoso e dono daquela pocilga, se aproximar.
— Saudações, lenhador. — Ele recolheu a caneca vazia e olhou para a mulher de um jeito autoritário. — Encha, dê mais uma por conta da casa. — A mulher não questionou, recolheu a caneca e foi até o barril grosso do canteiro. — O que quer para hoje, o de sempre?
— Tem algo mais, além dessa maldita cerveja ruim que serve? — rosnou, terminando de virar sua segunda caneca, enquanto o velho sorria e mostrava a falta de dois dentes no canto, na abertura dos lábios abaixo do bigode amarelado.
— Se eu mijar no barril, tu ainda beberás, seu patife! — riu com o peito cheio, enquanto Bravo puxava a caneca da casa.
— Você cobra essa porra em mijo?! — retrucou elevando a terceira caneca, como um agradecimento, e a enviou garganta abaixo — Vou esperar este bando de pançudo voltar a sobriedade e espalhar esta merda, seu miserável gordo! — ele virou a caneca, o homem bateu na barriga enquanto ria e viu o lenhador depositar mais um conjunto de moedas na mesa — Vamos, pare de me enrolar.
— O de sempre? — perguntou, puxando as moedas, levando duas até os lábios para morder e sorrindo com o resultado. — Gosta de uma boa carne, não gosta?
— Dê me algo… diferente. — pediu Bravo — Algo pequeno, bem miúdo.
Hanoar estava a enfrentar sua maldita ereção à tempos, por isso não se atreveu nem mesmo a olhar para trás quando deixou a manca muda nas mãos da velha Sabatini. Fez sua última entrega suando feito um miserável ansioso e precisava, de qualquer forma, descarregar os nervos doloridos do membro entre as pernas. Ele procurava alívio na taverna de Gerald, se acabava em rechonchudas de seios fartos e se entupia de cerveja quente. Isso quando não arranjava uma boa briga e sentava a surra num bom aglomerado de bêbados. Hoje, precisava se enfiar num traseiro seco, apenas para conter os malditos pensamentos sobre as partes da muda.
— Hum, vejamos… — o barrigudo pensou, alisou a ponta do bigode e sorriu. — Acho que tens o que queres.
Bravo adentrou o quarto miúdo e seco, onde havia um penico velho ao canto do dormitório, o tablado do chão rangia e a cama estava moderadamente arrumada. O único móvel adicional trata-se de um criado pequeno do lado oposto de onde havia o penico e antes que fechasse a porta, notou a fechadura quebrada. Um típico truque para perder os pertences enquanto dorme. Gerald mantinha os ratinhos sorrateiros à espreita dos bêbados quando apagavam, roubava-lhes os seus pertences e os idiotas culpavam a bebedeira por suas perdas. Vez ou outra Gerald era apanhado com a boca na botija, mas o malandro sabia dar suas voltas e mantinha a pocilga da taverna ativa.
Quando Hanoar sentou na cama, puxando os cordões da bota, foi enfiada dentro do quarto uma jovem, não tão pequena quanto a muda, nem com os seus mesmos olhos. Ela tinha uma carranca e estava desgostosa de ter de fazer a noite do lenhador, uma vez que ele também não tinha boa fama entre as prostitutas das cavernas. Mas, estava ali. Pequena, avaliou o homem. Daria para sanar seus pensamentos, temporariamente.
— O lenhador há de ter que pagar mais duas moedas se for fazer o que penso. E para mim! — reclamou a bocuda, de cara fechada e cabelos loiros.
Ele continuou tirando as amarras das botas, bufou com desgosto e ficou de pé, enquanto a mulherzinha que se mantinha séria mudou o cenho franzido para espanto, uma vez que a estatura do homem multiplicou-se sobre si e ela precisou respirar um pouco, antes de engolir o susto pela garganta.
— Hei de pagar o preço do serviço. — ele puxou as amarradas da calça, desceu a peça até o pé e livrou-se do cinto, mantendo o membro ereto coberto apenas pelo regaço do camisete grande — Esqueci de mencionar ao teu velho pançudo que queria algo muído e silencioso. Entendeu?
— Merda… — a menina resmungou, desviou o olhar e concordou.