2 - Katherina Barnes
E lá estava Buck, em seu inseparável notebook. Não sou famosa pela minha paciência, então apenas rodeei as cadeiras próximas, e sentei na outra ponta da mesa. O ar condicionado estava na medida certa, meu corpo estava quente, a adrenalina havia disparado naquela noite, e eu só queria acalmar os batimentos do meu intenso coração.
Foi quando ele pigarreou algumas vezes. E eu sabia que ele só queria saber sobre a bronca que levei.
— Está de mal humor? – me mantive quieta, tirando as luvas pretas de couro. — Acho que isso é um sim...
— Onde está o David? – retirei da coxa minha glock nove milímetros, esvaziando-a.
— Foi ajudar o Dylan, ele acabou de chegar – encarei o moreno, tentando conter um sorriso. — A cara dele pelas câmeras não estava nada boa, melhor você não encher o saco dele hoje!
— Eu não encho o saco de ninguém, Buck, eu só tento ser legal com ele! – dei uma breve olhada em minhas unhas pintadas de vermelho. Algo me dizia que Dylan gosta dessa cor.
— Acredito em você! – sorriu, ironicamente.
Apenas revirei os olhos. Levantei-me levando minhas coisas para um dos meus armários de armas e equipamentos que ficavam ali. Digitei a senha rapidamente, estava faminta, queria demorar menos possível. Quando a porta da sala se abre, passando por ela o loiro, com uma sacola na mão esquerda, e um moreno de cara fechada logo atrás dele.
— Demoraram!
— Tive que passar na lanchonete pra pegar uns lanches! – David responde. O moreno largara sua mochila no chão, caminha até a cadeira em que eu estava sentada e se acomoda ali, em silêncio. — Como foi a bronca do Tobias?
— Estressante, mas uma ameaça a mais ou a menos não faz diferença.
— Com certeza – David cai na gargalhada.
Com um banco que estava ali do lado, pus meu pé, erguendo minha coxa sensualmente, enquanto desejava que Dylan estivesse com o olhar em mim. Comecei a desprender meu coldre de coxa, o guardando logo em seguida. Fechei a porta do grande armário, e me virei rapidamente, dando para capturar o rosto do moreno se virar na mesma velocidade.
Não se preocupe, Dylan, você não me engana mais.
— Mas relaxa, lembrei à ele o quanto sentiriam a sua falta.
— Eu não iria reclamar se não ouvisse mais o David gritando pelo os cantos! – Buck provocou.
— E daí, vai ficar de “mimimi” agora? – David reclamou.
— Flertem em outro lugar, por favor – comentei, desfilando na direção deles, voltando para a mesa, pegando a sacola de lanches da mão de David. — Obrigada!
— Vai com calma, comprei pra todo mundo! – reclamou, me ajudando a distribuir os lanches pela mesa.
Todos pegaram um hambúrguer, menos o meu moreno carrancudo. Sentei-me ao seu lado, e David fez o mesmo com a cadeira enfrente a minha do outro lado da mesa. Cruzei as pernas, relaxando o corpo na cadeira, e virei a cadeira giratória para o lado de Dylan.
— Devia ao menos experimentar, está bem gostoso... – desci os olhos pelo o seu corpo, o uniforme preto lhe caía muito bem.
Seu corpo malhado me deixava hipnotizada, pois seus músculos ficavam marcados na roupa. Confesso que seu jeito bruto de agir, e sua expressão arrogante me deixavam ainda mais excitada. Ele era minha perdição.
Subi os olhos rapidamente, pois estava o revistando por tempo demais. Assim que mirei em seu rosto, seus olhos negros estavam opacos concentrados em mim. Ele realmente estava num péssimo humor. Desviei daquele olhar pesado, me dedicando apenas em terminar a minha refeição.
— Concordo, você está com fome – David concluiu, falando para Dylan.
— Estou? – ouvi o moreno responder. Só o grave de sua voz rouca me deixa maluca.
— É, sabe o que dizem sobre cara feia... – David retrucou.
Buck segurou o riso, e eu quis ter uma arma no momento para enfiar o cano dela no reto desse idiota. Como ele ousa chamar o Dylan de feio? O cara mais lindo e gostoso que já vi! Apenas revirei os olhos.
Minha paquera apenas bufou se levantando, deu passos longos buscando sua mochila jogada no chão e depois foi até a saída, indo embora.
— Você tá pedindo pra morrer! – Buck avisou.
— As pessoas andam muito tensas por aqui, isso sim! – dei a última mordida e agarrei uma das garrafas de água. — Você não quer a Coca-Cola? – perguntou para mim.
— Não, mas valeu por ter comprado. – Segui para a saída da sala. — Se precisarem de mim, estarei na academia.
Me tornei uma pessoa antissocial depois dos vinte, só não tanto quanto o Dylan. Eu ainda consigo me comunicar amigavelmente com as pessoas ao meu redor, diferente dele, que sempre é tão carrancudo e arrogante. É complicado.
Quando tudo a sua volta é tão perigoso quanto o fato de literaturalmente entregarmos nossa vida por uma causa maior do que a importância de nossa existência, você não pode ter uma vida normal. Tudo na nossa rotina precisa de uma estratégia, um plano de fulga, um plano B, aquela vida corrida de quem faz inimigos por aí.
Ter receio até para ir tomar um banho de sol na sacada, podendo levar um tiro de um sniper a qualquer momento. A minha vida, ou melhor, a vida que tenho era melhor ser vivida estando sozinha.
A questão é, que não dá para se ter uma vida normal, quando as coisas ao seu redor ficam violentas. De repente, alguém que você ama pode morrer ao seu lado, e você só perceberia quando o barulho da bala atravessando o crânio ensudercesse seus tímpanos. Então, nós somos treinados para principalmente não amar.
Em algum momento da vida você descobre que não existe a ideia de ter uma vida normal, é uma ilusão vantajosa que vendem nos comerciais de TV.
A vida é mais que ir para uma boa escola, viver numa casa grande e confortável, ir para uma boa faculdade, ter bons amigos, um emprego que pague bem, um marido bonito e filhos estudiosos.
Do outro lado do mundo, ou na rua ao lado da sua, uma criança desaparece enquanto brincava no quintal de casa; uma mulher é levada por um carro estranho após sair do seu trabalho e nunca mais foi vista desde então; um policial é morto num acidente de carro; o jatinho particular do juíz some, após dar uma sentença justa à um criminoso de elite; um jornalista é preso depois de publicar uma manchete esclarecedora sobre o governo de seu país.
Ou as pessoas usam a verdade para trazer justiça, ou elas escondem em baixo do tapete, em cima de uma caralhada de dinheiro.
É horrivel, você passa a sua infância com uma perspectiva, inocente e sonhadora, e em um instante, a bolha estoura, fizeram você acreditar numa mentira, numa fantasia boba de "a vida é bela". Eu não sou a melhor pessoa do mundo, eu já matei e fiz coisas que eu não me arrependo, porque era necessário. É assim que se resolve algumas questões.
Meu senso de justiça sempre foi militante e afiado, eu nunca enxerguei a dor como uma forma de seguir enfrente, e acreditar que um dia ficaria mais fácil, como a minha família fez, quando meu irmão foi morto por uma gangue idiota de rua. Eu sou diferente. Sempre tive uma força de vontade maior do que eu poderia controlar, e essa foi a razão por eu me tornar quem sou hoje, porque eu nem sempre fui assim.
As pessoas nos chamam de assassinas, mas quando se existe o anonimato, descobrimos o agradecimento delas. O mundo é dividido entre o certo e o errado, e o próprio homem é quem decidiu o que se encaixa em quê, sob suas vontades e benefícios. E eu, Katherina Barnes, nunca irei me render para um homem.
Nós vivemos nas sombras, nós não existimos.
— Dez e vinte e sete... – o relógio digital na parede marcava.
Abri o guarda roupa, achando rapidamente um short para ginástica. Precisava evaporar essa raiva de mim.
A resolução de toda essa discussão idiota é que Tobias era um homem muito amargurado. O dinheiro que ele tem não é o suficiente para suprir o vazio que sente. Ele se culpa por tudo, coisas que as vezes ele nem estava envolvido. Ele sempre sente muito por tudo e por todos. É fissurado em querer proteger todo mundo, mesmo não podendo. Ele gosta de ser aquele quem fará o que tem que ser feito. Mas, a idade tem deixado ele mais dramático do que já é.
Contudo, como disse à ele mais cedo, eu sou adulta e responsável pelas minhas escolhas. Foi por isso que entrei naquele carro, fortemente armada. Sempre jurei à mim mesma fazer o que eu achava certo, e sempre dar valor às minhas intuições. Dormirei tranquila sabendo que aqueles merdas viraram pó, não que a quietude da morte fosse o suficiente, mas eu não permitiria que eles vivessem.
Entrei na sala com os equipamentos de treino, mais ao fundo avistei o saco de pancadas, e fui até ele. É a minha escolha favorita, quando não tem ninguém para derrubar no ringue. Na verdade, esse saco era meu melhor amigo.