Capítulo 4 Bella
Era a enfermeira trazendo meu jantar. Sopa de legumes de novo? Mas está estava com um sabor todo especial, pois além de ter sido feita com couve flor, tinha torradas para acompanhar. E a sobremesa teria um gostinho todo especial: embaixo do meu travesseiro, repousava uma barra de chocolate, trazida por Yago escondido. Depois do jantar, fui tomar um banho.
Estava feliz, mas ao sair, levei outro susto: uma mocinha morena, magrinha e com longos cabelos negros apareceu na soleira da porta. Antes de sair, pude notar que ela usava uma roupa do hospital e havia feridas nos braços. Mais um aperto em meu coração de medo. Larguei a toalha molhada em cima da cama e a segui, sem me importar de não ter secado bem os meus cabelos. Uma poça d'água se formava no chão atrás de mim, devido aos fios de cabelo ensopados. De súbito, no meio do corredor quase escuro, ela desapareceu. Fiquei em choque mais uma vez, parada quase em frente ao meu quarto. De repente, mais uma coisa inexplicável aconteceu: ouvi vozes em meu quarto, e ao retornar cabreira e receosa, percebi que era só a televisão. Só que não, pois que eu me lembre, eu não havia ligado. Estaria louca? Ou aquele hospital era assombrado? Duas hipóteses impossíveis de comentar com alguém, afinal não queria saber como são os hospícios, caso considerem-me maluca de tudo.
Suspirei fundo, indo até o banheiro e com a toalha em punho fui secando meus cabelos. Após pentear os mesmos, passei um gloss rosado nos lábios, peguei as rosas e sai rapidamente do quarto, indo em direção a tal igrejinha. Aquela que ficava interligada ao hospital.
"Vou rezar e muito, para afugentar meus fantasmas e meus medos." – Pensei animada, enquanto caminhava para o local escolhido. O trajeto foi tranquilo; nenhum fantasma à vista. Como se isso fosse brincadeira, já que, o que eu via era real.
Cheguei à igrejinha e com o olhar vasculhei seu interior. Vazia de tudo. Constatei satisfeita. Procurei o altarzinho e coloquei as rosas cuidadosamente em um vaso vazio. "Até parece que este objeto estava me esperando! " Pensei divertida, enquanto arrumava os caules com cuidado para não me ferir com os espinhos. Em seguida, apreciei o belo ornamento e fui me sentar em um banco. Escolhi um no meio da igreja. Aconchegante, antiga, mas reservada; aquela casa de Deus trazia-me paz, apesar da solidão.
Abaixei a cabeça, rezando baixinho. Confesso que eu não sou muito de rezar, mas nos últimos dias, oração parecia tudo o que eu mais precisava. Além de ser a única coisa que eu poderia fazer.
Algum tempo depois, com a alma um pouco mais leve e ainda em oração, ouvi um barulho, atrás de mim. Seriam passos? Era como se mais alguém tivesse entrado na igreja. Entretanto, segurei minha curiosidade e continuei rezando.
— Bellaaaaa! — Aquela voz chamando o meu nome de forma tão suave e ao mesmo tempo intensa, fez com que eu levantasse a cabeça em alerta. Ao me virar para trás: surpresa; não consegui acreditar em que meus olhos viam. Seria um anjo enviado por Deus? Afinal, fui iluminada pela beleza dele! A luz da igreja ajudou, batendo bem em seu rosto, mostrando perfeitamente como ele era lindo. Meu coração acelerou-se na hora em que nossos olhares se cruzaram.
— Eric? — Questionei meio gaguejando. Nossa! Por que isso agora? Nunca fui assim! — O que faz aqui? — Perguntei a ele meio sem graça. Só espero que ele não tenha percebido, o que sua presença causa em mim.
— Eu estava no corredor quando vi você entrando na igreja. — Respondeu de forma paternal. — Resolvi ver se estava tudo bem com você.
— Sim, estou bem! Resolvi vir para trazer as rosas brancas que ganhei e rezar.
— Ah, sim! Muito lindas por sinal! — Elogiou. Depois quis saber se eu dormi bem na noite passada.
— Graças a Deus, eu dormi. Nem vi você ir embora.
— Fui embora assim que eu percebi que você estava num sono profundo. E, fico tranquilo em saber que tem dormido direitinho. Ontem você me pareceu bem assustada...! — Comentou quase num sussurro e de modo encantador, e aproximando-se de mim devagarzinho. Tentei disfarçar meu medo, então disse a ele que eu estava bem, que tudo passou de um pesadelo bobo. Ele deu um sorriso enigmático e indecifrável, quando eu disse o quanto eu estava feliz em revê-lo.
— Eu também Bella! Eu estava pensando agora mesmo em retornar ao seu quarto para visitá-la, mas te vi entrar aqui. O que acha de dar uma volta? Tem uma cafeteria incrível no andar de baixo, você me acompanha?
— Será? E se o meu médico e a enfermeira de plantão não me encontrar no quarto? Será que eu tenho essa liberdade de perambular por aí?
Ele sorriu divertido, tirando uma com a minha cara, dizendo que eu já estava perambulando por aí, depois me olhou de modo carinhoso e retrucou:
— Claro que pode Bella! Pacientes mais antigos e bem-dispostos tomam café e lancham por lá. E, pelo o que sei; a senhorita terá alta na sexta-feira, acertei? — Sorri de volta, mexendo em meus cabelos.
— Tudo bem! Então eu vou.
Então ele me ajudou a me levantar, pois eu ainda estava ajoelhada. Ao sair da igrejinha, a paz continuou ao meu lado. Quando Eric sugeriu o elevador e me puxou pela mão, meu corpo estremeceu com o seu toque, então passei minha outra mão no meu rosto, e notei que minha mão também estava gelada. Creio que devia ser a temperatura que baixou. As noites de inverno em Santa Catarina eram mesmo muito frias. Ao entrarmos no elevador, ele comentou que seria bom para mim; aquele pequeno passeio.
— Também acho! Pois já faz um tempinho que a única coisa que eu vejo; é o meu quarto daqui.
— Então vai te fazer muito bem! − Eric falou sorrindo assim que a porta do elevador se abriu.
— Vem comigo! — Ele falou pegando em minha mão novamente. Chegamos à cafeteria que se chamava: Mix Coffee.
— Oi Regis! Dois cafés e dois pães de queijo, por favor? Para mim e para esta garota linda. — Pediu ele, sem me perguntar se eu gostava daquele tipo de pão. Mas o fato é que eu amava aquele pãozinho. Sem graça, senti meu rosto queimar de vergonha.
— Como sabe que eu adoro pão de queijo e café? — Perguntei, após ele ter me apresentado o Regis.
Enquanto ele puxava a cadeira ao redor de uma mesinha redonda para eu sentar, ele deu outro sorriso; lindo e enigmático.
— Digamos que um passarinho verde me contou? — Respondeu parecendo contente.
Suspirei sorrindo, enquanto servia meu café fumegando e provava daquele delicioso pão de queijo. O local estava quase vazio, não fossem alguns gatos pingados. Era pequeno o espaço e muito aconchegante e limpo. Interessante foi o belo jardim de inverno à esquerda; muito bem cuidado e cheio de plantas.
— É lindo esse jardim, Bella! — Comentou Eric, mastigando o pão de queijo, percebendo o meu interesse. Às vezes quando algo no meu trabalho me estressa, desço aqui e dou uma relaxada ali.
— Muito lindo mesmo!
— Vamos terminar de comer, e te levo para conhecer o jardim, mas antes vai colocar minha jaqueta que está guardada com o Regis.
— Vou adorar estar ali!
— Bella me espera aqui! Vou buscar a jaqueta, pois lá fora está mais frio, e não quero que fique doente, por minha culpa. Ou seja, mais doente ainda. — Ele falou, levantando-se da mesa e indo em direção ao Regis. Percebi que eles conversaram um pouquinho e depois o garçom lhe entregou uma jaqueta e Eric voltou para a mesa.
— Tudo bem, vamos? — Convidou, entregando-me a sua jaqueta preta que parecia de couro. Cheirosa e limpa. Usarei com gosto. Pensei enquanto a colocava sobre minha roupa branca de hospital.
Assim que adentramos no jardim, fiquei encantada com as flores, a cascata, pequenas árvores e uma cascatinha, cuja água jorrava com frequência, fazendo um gostoso barulhinho.
— Venha linda! Vamos sentar um pouco! — Então ele me levou para o outro lado e sentamos em um banco branco. Ventava muito, enquanto a lua assistia a tudo lá de cima daquele céu azul escuro, salpicado por estrelas.
— Aqui é mais frio! — Reclamei, abraçando eu mesma.
— Sim Bella! Pois é mais aberto, se você não se importar, chega mais pertinho de mim, que eu te esquento. — Ele se levantou do banco e sentou-se na beirada do encosto.
— Bella, você está tremendo! Chega mais perto e não tenha medo, só quero te proteger do frio. Se eu estiver sendo ousado, me perdoa? — Retrucou um tanto ressabiado. Afinal, a gente se conheceu ontem mesmo, mas eu não ligava e me aproximei dele, mas tropecei em algo e fui cair direto em seus braços. Nossas bocas se encontraram... A fim de cortar o que poderia ter sido um beijo, eu me virei de costas e deixei que ele me envolvesse. Eu podia sentir seu cheiro, enquanto meu coração batia acelerado dentro do peito. Cheiro era inesquecível. Não conseguia focar na lua, e só pensava naqueles lábios convidativos, inebriada pelo seu cheiro gostoso. O que estaria acontecendo comigo? Raramente me apaixonava assim: de supetão! Fiquei arrepiada sentindo o seu toque, envolvendo meu corpo. De repente, ele quebrou aquele momento:
— Já está ficando tarde! Acho melhor eu te levar para o quarto. —− Falou quase num sussurro, como se fosse algo proibido ou pecado. Respirei fundo e olhei para ele, desgrudando de seu corpo. O frio voltou. ‘’. No entanto eu não tirava os olhos daqueles lábios rosados. Que vontade de beija-lo.’’ afastei logo esses pensamentos. Que diabos estava acontecendo comigo?
— Você pode ficar comigo até que eu consiga dormir?
— Claro que sim! — Nós nos levantamos e de mãos dadas retornamos a cafeteria. Mas quando estávamos quase alcançando a área do Mix Coffee, algo inesperado aconteceu:
— A garota está aqui! — Ouvi alguém dizer logo atrás da gente. Quando me virei avistei dois caras altos e muito estranhos; eles usavam roupas escuras e pareciam apreensivos.
— Eric! Larga essa garota! Ela não te pertence! — Ele parecendo estranhar tal abordagem, respondeu:
— Ei, quem são vocês? Eu os conheço? A propósito; como sabem o meu nome? — Eles continuaram ousados e um deles de cabeça erguida, respondeu:
— Nós sabemos de tudo! Mas como, isso não te interessa!
— Eric? Quem são os caras? — Perguntei num sussurro, apertando ainda mais a sua mão direita.
— Não faço ideia! — Respondeu. — Acho que enquanto você estiver comigo, eles não podem te tocar.
— Como assim? —– Questionei, ficando com medo.
— Não sei te explicar Bella! Mas acho que se eles pudessem, já teria tirado você de mim e nos atacados.
— Larga ela, cara! — Gritou o mais alto.
— Vocês são loucos ou o quê?! Ela não conhece vocês e muito menos eu. — Ele apertou minha mão, e em seguida, cochichou:
— Bella, nós vamos passar por eles! Então, não olhe para seus olhos, pois não sabemos o que eles estão querendo. Tudo bem?
— Sim tudo bem! Não vou olhar. — Então de mãos dadas, nós passamos por eles, e realmente eles não tentaram nada, deixando a gente passar tranquilamente. Quando chegamos à cafeteria, entramos o mais rápido possível. Depois olhamos para fora, para vê-los, mas eles não estavam mais lá.
— Acho que eu mereço uma explicação. — Exclamei num misto de medo e revolta. Será que o Eric estava envolvido com alguma coisa errada? — Quem são aquelas pessoas estranhas? Você não está metido com drogas ou algo ilícito, está? — Questionei sem saber se sentia alívio por ser tão esperta, ou culpa por estar desconfiando de alguém como Eric; que só me fazia tão bem. Meu coração ainda batia descompassado de medo. Ele suspirou, passando a mão em seu cabelo. Parecia sincero ao responder:
— Imagina Bella! Nunca vi tais caras, e não faço a menor ideia de como eles sabem o meu nome! Quanto a drogas e crimes, fica tranquila. Esta não é a minha praia, pode acreditar! — Defendeu-se parecendo preocupado. Suspirei, querendo acreditar nele e, confesso que eu confiava nele.
— Nunca os vi por aqui também! Aliás, eles são bem esquisitos! Eu te peço desculpas, Eric! Por ter feito tais perguntas.
— Eu te entendo, Bella! Não se preocupe. — Respondeu, sorrindo, pegando levemente em meu queixo. — O mais estranho, é que eles não tentaram nada! Por que será?
— Pensei que eles queriam roubar ou fazer maldade, sei lá! Foi ilógico, tudo isto! Mas eu não entendo uma coisa!
— O quê Bella?
— Esse jardim não é particular do hospital?
— Sim, é particular! É onde os pacientes que estão esperando alta como você; costumam caminhar de dia. Mas por que a pergunta?
— Por que se é particular, como eles entraram aqui? E a esta hora? Este é um hospital renomado, muito bem cercado por muros altos e uma segurança exemplar.
— Boa pergunta Bella! Mas também não faço ideia de como entraram aqui. Bem, agora acho que podemos subir. — Ele pegou em minha mão e fomos para o elevador.
— Muito obrigada! Tive uma noite bem agradável, tirando esse episódio desses rapazes estranhos! Foi muito bom sair um pouco.
— Imagina Bella!! Não precisa me agradecer. Foi muito bom ficar em sua companhia. — Quando a porta do elevador se abriu, mais um susto, seguido de um grito meu, pois avistei a mesma menina daquela noite, passando em frente ao elevador. Mas dessa vez estava seria e parecia muito assustada, talvez perdida. E me deu um baita susto.