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5

Alice e Lorenzo (20 anos de idade)

Alice

Um ano se passou e meu namoro com Bruno continua firme, porém um tanto quanto... digamos que frio. Não sei mais o que fazer ou a quem recorrer após diversas tentativas de elevar nosso relacionamento ao nível seguinte. Lorenzo é carta fora do baralho, uma vez que qualquer conversa que tivermos em relação a esse namoro não chegará a lugar algum. Nunca entramos em consenso antes e não será agora que isso irá mudar. O que é uma coisa muito chata, se for parar para pensar.

Passado o episódio constrangedor na casa de Lorenzo ocorrido há um bom tempo atrás, nossa amizade que já andava meio abalada por causa da discussão que tivemos dias antes, se desgastara ainda mais. Já não éramos a dupla dinâmica e inseparável desde os tempos de colégio. Até papai que não era muito seu fã, estranhou a mudança de rotina, as visitas a nossa casa que foram diminuindo aos poucos até se tornarem raras... E apesar de ter percebido que havia algo de errado conosco, não questionou nada a respeito. Porém minha mãe não era como ele, ela sempre foi direta e objetiva durante toda vida, por isso não me surpreendi quando fui colocada contra parede com milhares de perguntas sobre o assunto.

Então desconversei como já havia me habituado a fazer, dizendo que a faculdade tomava mais do nosso tempo do que esperávamos, como desculpa. Perspicaz do jeito que era, mamãe não acreditou em uma palavra sequer, contudo, felizmente não insistiu por hora. O problema era que nosso afastamento não estava afetando somente nossas vidas isoladamente. Meus irmãos Luna e Dante também sentiram o impacto que a mudança trouxera consigo. Ambos eram fascinados, se não apaixonados, por Lorenzo, e passaram por uma fase de tristeza e revolta devido seu sumiço, até que se conformaram após um tempo, decepcionados com o mesmo.

Caminho distraída pelo campus com esses pensamentos povoando minha cabeça. Sei que tenho minha parcela de culpa nessa situação toda, mas poxa vida, será que era pedir demais que Lorenzo torcesse por minha felicidade e se mantivesse ao meu lado ao mesmo tempo? Será que... -minha linha de raciocínio e indagações é interrompida com o toque personalizado do meu celular chamando de dentro da bolsa que carrego nos ombros.

-Alô?

-Amiga, pode me fazer um favorzinho? -Maria Luíza pergunta com uma voz melosa que não combina em nada com ela.

Aí vem coisa...

-O que você quer, Malu? -suspiro meio cansada, meio achando graça.

-Nada demais. -ela ri como uma criança inocente. -É que a Thata esqueceu umas coisas lá em casa ontem e como eu não vou sair tão cedo hoje daqui por causa de uns projetos em que tenho que trabalhar, queria saber você pode dar uma passadinha no departamento, pegar as coisas dela comigo e entrega-la. Eu ficaria muito agradecida, Ali.

-Claro, pode deixar. Eu passo aí em alguns minutos, já estou descendo. -respondo ao desviar minha rota e seguir para o departamento de Direito onde Malu estuda.

-Obrigada, amiga! Sabe que amo muito você, né? -Malu brinca claramente aliviada. -Ah, e diz para aquela japa cabeça de vento prestar mais atenção da próxima vez.

-Sei... Eu digo quando encontra-la. -respondo rindo ao revirar os olhos.

-Beijinhos, sua feia. Até daqui a pouco. -dizendo isso, Malu encerra a ligação sem ao menos dar a chance de me despedir.

Para encurtar o percurso que tenho que fazer, resolvo cortar caminho pela biblioteca central e consequentemente terei de passar em frente ao departamento de Letras, onde Bruno estuda. E por que não aproveitar a oportunidade para matar um pouquinho a saudade do meu namorado? Já tem uns bons dias em que não nos vemos pessoalmente além meros cumprimentos a distância quando nos esbarrávamos com pressa pelo campus. É uma boa ideia pondero, e com um sorriso no rosto sigo o caminho já conhecido por mim enquanto penso em como uma visita rápida e surpresa no meio da tarde pode agradar Bruno.

Cumprimento alguns colegas pelos corredores e paro por alguns segundos para trocar algumas palavras com um ou dois professores que adoram uma boa conversa. Um amigo de Bruno me informa onde o mesmo se encontra no momento e eu me dirijo rumo sua direção. De longe eu o vejo, lindo como sempre, sentado espaçosamente em um banco de pedra, de costas para mim ao lado uma moça baixinha, que se não me falha a memória se chama Angélica. Dou dois passos aproximando-me de ambos, eles estão muito concentrados na conversa e não percebem quando paro atrás deles. Estou prestes a dizer alguma coisa quando escuto algo que me faz recuar um passo atrás.

-Mas por que continuar com isso se não está envolvido de verdade, Bruno? -Angélica pergunta claramente inconformada e bufa com desgosto. -Termina logo essa farsa e se livra desse estorvo. Pode conseguir algo bem melhor do que um relacionamento sem amor, sabe disso.

Como é que é?

-Alice não é um estorvo, Lilica. Nós só não... somos feitos um para o outro, entende? -ele dá de ombros. -Ela é uma garota legal, mas não é o meu tipo.

"Ela é uma garota legal, mas não é o meu tipo. Ela é uma garota legal, mas não é o meu tipo. Ela é uma garota legal, mas... não é o meu tipo."

A frase me acerta como um soco. Que tipo de merda ele tinha acabado de falar? Meus ouvidos se recusam em acreditar naquela... sacanagem. Então Bruno estava me enganando todo esse tempo? Como eu pude ser tão cega e idiota? Com a garganta seca e os olhos úmidos, tenho a sensação de ter tido o coração arrancado do peito com crueldade. Mas por que?

-...eu não vejo motivo para prosseguir com isso, sinceramente. -Angélica balança a cabeça em negativa. -Já faz um ano que se estende essa palhaçada. Podíamos estar juntos agora se não fosse por isso.

-Você não entende. -ele suspira.

Quero sair correndo dali e me esconder em qualquer lugar em que possa chorar a vontade sem ser interrompida ou julgada. Quero um abraço apertado e alguém que diga que nada disso é culpa minha, que tudo vai ficar bem. Quero meu melhor amigo para me consolar nesse instante. Quero Lorenzo. Ah, o que foi que eu fiz? Lamento sentindo um vazio no peito e o amargo na boca por talvez ter estragado tudo.

-Então me explique. -ela exige exasperada em tom baixo.

Por mais que me doa, ainda permaneço plantada no mesmo lugar. Atenta. Quero ouvir de sua própria boca o motivo real para tamanha traição e deslealdade comigo. Pois o que adiantou ser sincera ao máximo e me doar por inteiro nessa relação para no final das contas descobrir que tudo não passava de uma farsa. Nunca foi amor, apenas ilusão.

-Olha, eu estou no final do meu curso, falta apenas mais esse semestre para a conclusão. E você sabe como é duro enfrentar o mercado de trabalho quando se é um recém formado que acaba de deixar a universidade. Ainda mais na nossa área de humanas, especificamente com um diploma em Letras. Não é uma busca justa por emprego no Brasil hoje em dia. Então quando achei uma boa oportunidade, me aproximei de Alice. Você sabe quem é o pai dela? Ele é simplesmente a droga do dono de um dos institutos de educação privada de melhor qualidade do país.

-Fiquei sabendo. -Angélica diz fazendo pouco caso da informação.

Não, não, não, não... Eu não acredito. Que cretino! Ele estava apenas me usando para atingir seus meios e alcançar seus objetivos de uma maneira mais rápida através da influência que meu sobrenome carregava. Como fui estúpida a esse ponto e não enxerguei a verdade por trás daqueles olhos mentirosos?

Só percebo que estou chorando quando uma lágrima pinga do meu queixo e cai. Fungo enxugando o rosto com o dorso da mão e me viro para ir embora. Então finalmente eles percebem minha presença no local e se assustam.

-Alice, não sei o que você ouviu, mas eu posso explicar. -Bruno vem em minha direção, porém eu o paro com um gesto e dou um passo para trás.

-Me poupe de mais uma de suas mentiras, seu estúpido. Nunca mais se aproxime de mim ou de meus amigos novamente, está me ouvindo? Não quero vê-lo em minha frente nem pintado a ouro. -cuspo furiosa e magoada, saio dali correndo com a visão embaçada e o coração partido.

Estou tão confusa e desnorteada enquanto fujo pelo gramado verde que rodeia a biblioteca, mas que agora parece seco e sem vida, que não noto quando um rapaz surge em meio o caminho e acabo trombando com tudo nele antes de cair literalmente de bunda no chão.

-Desculpa, eu não... -envergonhada peço desculpas levantando-me e fico ainda mais constrangida quando vejo em quem acabo de esbarrar. -Demétrius? -questiono sentindo o rosto arder. -Apolo? -também vejo seu amigo ao lado.

-Alice... quanto tempo, não é mesmo? -eu estou enganada ou sinto uma pontada de sarcasmo no tom de voz de Apolo?

-Eu gostaria muito de estar enganado a seu respeito, Alice. Mas ao que parece, não estou. -Demétrius me fita com certa raiva e repulsa no olhar que não consigo compreender.

O que foi que eu fiz agora?

-Dem... -Apolo diz com uma advertência na voz que é totalmente ignorada pelo amigo. -Esquece isso, cara. Não vale a pena, vamos embora. -ele segura seu braço na intenção de afasta-lo, porém é rechaçado.

-Me solta, merda! Essa garota precisa saber o quão egoísta está sendo... -ele se solta com um safanão irritado. -O quão egoísta tem sido no último ano, com quem diz ser seu melhor amigo.

-Do que vocês estão falando? -pergunto magoada e perdida.

Minha voz treme, mas não vacilo. O que estava acontecendo? As palavras de Demétrius machucavam-me ainda mais do que eu já estava. Sinto os olhos marejarem novamente e engulo em seco tentando me manter firme diante dos dois.

-Você não sabe? -Apolo pergunta achando aquilo claramente estranho.

-Pff... Como se ela se importasse o suficiente. É tão relapsa que não sabe o que houve. Mas como saberia? Ela não liga a mínima. -Demétrius ri com escárnio para Apolo.

-Chega, Dem. Isso não vai resolver nada. -Apolo o corta. -Mas se quer mesmo saber, Alice -agora ele se dirige a mim mantendo o semblante em um misto de seriedade e tristeza. -Acabamos de perder nosso amigo de forma precoce e brutal em um terrível acidente de carro. Danilo está morto. Estamos todos arrasados, mas Lorenzo... ele está destruído.

Então tudo começa a se encaixar e fazer sentido em minha cabeça. Toda grosseria e acusação de Demétrius e Apolo perde a força e eu me compadeço por suas perdas. Eles estão sofrendo, em luto. Eles estão tristes, eu os entendo.

-Eu... sinto muito. -digo agora sem conter a lágrima que me escapa pelo canto do olho esquerdo. -Sabem onde posso encontrar, Enzo? -pergunto sentindo o coração pequenininho dentro do peito, com medo de perder as esperanças e ambos me neguem a informação.

Entretanto, mesmo relutante Apolo me fornece o endereço. Peço um carro pelo aplicativo e em menos de dois minutos já estamos em movimento ganhando as ruas de Belo Horizonte em direção ao meu melhor amigo. Ele precisa mais de mim nesse momento do que eu dele. E convenhamos que tenho sido uma bela bosta de amiga nos últimos tempos. Demétrius estava certo. Está na hora de retribuir um pouco tudo o Lorenzo tem feito por mim durantes esses anos.

Após pagar a corrida, desço do veículo e caminho com passos decididos na direção de Lorenzo. Ele está de costas cabisbaixo, a cabeça enterrada nos joelhos enquanto está sentado no gramado, próximo a Lagoa da Pampulha. Me aproximo devagar, não quero assustá-lo e com isso ele acabe sofrendo algum tipo de acidente. E quando estou mais perto eu percebo, seus ombros tremem violentamente em silêncio. Lorenzo está chorando! Meu melhor amigo está sofrendo e isso me dilacera o coração. Onde é que eu estava quando ele mais precisava de mim? Me ajoelho cautelosamente por trás dele, deixo minha bolsa no chão e passo minhas mãos por suas costas até parar em seus ombros onde os fecho em um abraço apertado e o acolho em meu peito.

-Me perdoa, sou uma péssima amiga. Sinto muito. -peço com a cabeça enterrada em seu pescoço.

Lorenzo estremece, mas não me afasta. O que já é um bom começo;

-O que está fazendo aqui, Alice? -ele pergunta com a voz rouca pelo choro recente.

De cabeça erguida, ele fita as águas a sua frente evitando assim ter de me encarar nos olhos.

-Sei que deve estar chateado comigo e com toda a razão. Porém mesmo que não queira nem olhar na minha cara agora irei continuar aqui, ao seu lado, enquanto isso aqui estiver doendo. -deslizo minha mão sobre seu peito parando bem acima do coração. -Eu o amo muito para ignorar seu sofrimento. Prometo que de agora em diante jamais sairei do seu lado. Serei sua melhor amiga de verdade, mesmo que o mundo esteja desabando ao nosso redor. Eu juro, Lorenzo. Juro mesmo, não trairei sua confiança nunca mais. Você pode se apoiar em mim sempre que quiser. Eu estou aqui para você agora. Me perdoe por tudo. -peço com humildade e espero de todo o coração que ele possa me perdoar.

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