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Capítulo 7

Capítulo 7

|KATE|

Acordo hoje com uma sensação bem diferente dos outros dias aqui no orfanato. É uma manhã bem atípica em que quero fazer uma tentativa de me aproximar mais uma vez, das outras crianças, e ser simplesmente normal com elas são. Quero brincar e poder conversar de verdade, falar em voz alta, rir e me divertir do jeito que elas parecem fazer todos os dias da maneira delas.

Meu coração está acelerado como um carro em alta velocidade, meu peito subindo e descendo rapidamente como se eu tivesse corrido um longo caminho até o quarto, e os dedos das minhas mãos estão suando, quase a ponto de pingar algumas gotinhas de suor no chão áspero e duro do chão em que estive deitada por algumas noites, por falta do meu colchonete, que demorou muito mais dias do que eu esperava, para poder secar por completo, depois que eu o havia lavado naquela noite horrível, em que fui duramente castigada por um dos inspetores que trabalham no orfanato.

Levou cerca de uns dois a três dias para que eu pudesse colocar meu pequeno e fino amontoado de espumas, que chamo de colchonete, de volta a minha “cama”. Mas, agora tudo está de volta ao normal para a minha felicidade e animação, e é por isso que eu estou um pouco empolgada para fazer uma nova tentativa no dia de hoje. Sim, eu acho posso fazer isso, certo? Eu consigo... bem, eu acho que consigo fazer isso sim, se eu ao menos me esforçar um pouquinho mais.

As marcas dos vergões dos acoites que havia levado em minha pele já não ardem mais como antes, e estão quase desaparecendo por completo das várias partes do meu corpo. E isso é um avanço pra mim, é o que pondero comigo mesma, pensando que essa é uma maneira mais fácil de tentar deixar o que aconteceu no passado para trás, e a partir de então seguir adiante com minha vida, na mesma rotina dos demais dias.

Então é hoje, é agora... é o que penso comigo mesma e salto para fora da cama me sentindo com as energias renovadas, pronta para fazer diferente na primeira oportunidade que tiver. Eu vou falar com alguém no dia de hoje.

Dessa forma, não permaneço parada no mesmo lugar por mais tempo e saio em direção ao banheiro super estreito, apertado e mal acabado, que nós, as crianças usamos, dentro de um dos quartos super lotados do orfanato. Pego minha escova de dentes, aperto um pouco o tubo de pasta, para espremer o conteúdo dele para fora, e logo começo a escovar os meus dentinhos com pressa e meio saltitante de alegria, pois sonho que as coisas irão mudar para melhor, se Deus quiser, nesse dia.

Termino a tarefa de lavar minha boca e logo jogo um pouco de água no rosto para lavá-lo bem e ficar bem esperta para o restante do dia. A água bate gelada em minhas bochechas e tremelico de leve, mas continuo até terminar tudo o que tenho que fazer. Depois disso, retorno para o quarto, e sigo até minha caixa de papelão guardada com muito cuidado e atenção debaixo da cama, e de lá tiro a calça azul do Mickey mouse bem velhinha que tenho há muito tempo, e que já está começando a ficar pequena para mim, e uma blusa de mangas, amarela com o desenho de um sol gigante, sorridente e feliz, assim como eu também quero ficar nessa tarde. Ela tem alguns furinhos bem pequenos na barra, mas eu tento esconder ao colocar parte da camisa para o lado de dentro da calça, depois que os visto.

Então já estou pronta para ir em frente. Algumas crianças já estão no lugar que deveria ser o refeitório geral para todas as refeições que fazemos no orfanato. Eu sigo em frente, com as minhas pernas finas tremendo igual duas varinhas de bambu, dentro das calças, e me aproximo da fila onde os meus colegas estão esperando sua vem para pegar um pão e uma caneca de café para tomar no café da manhã. A moça que distribui os pães as crianças, uma mulher mais velha e gordinha com uma touca branca na cabeça, entrega o alimento para a criança a minha frente, que pega a caneca com a bebida preta, mais a frente, e logo depois já é a minha vez.

-Bom dia, tia.

Eu digo com a voz baixinha, mas um pouco mais alto do que de costume, para tentar fazer minha de falar as outras pessoas. É algo um pouco intimidador, pois o olhar cansado e pouco feliz da moça próxima a mim, já me deixa um tanto temerosa sobre eu ter certeza ou não de estar fazendo a coisa certa. E se ela se irritar comigo? Contudo, eu não saberei sua resposta se eu não tentar pelo menos por uma vez, não é mesmo? Eu concluo e dou mais alguns passos à frente para seguir com a fila, pois ainda tem mais um punhado de outras crianças logo atrás de mim esperando para também pegarem suas refeições.

-Eu não sou irmã nem do seu pai e nem da sua mãe para me chamar de tia, pirralha. Então fica quieta e pega logo esse pão, pelo amor de Deus, porque eu não estou com paciência para encheção de saco de nenhum catarrento hoje.

Ela rebate com rispidez e um olhar tão dura destinado a mim, que eu me encolho tímida e envergonha por tamanha raiva em suas palavras jogadas contra mim, apenas porque simplesmente eu disse bom dia para ela. E toda a minha humilhação só piora quando os colegas que estão atrás de mim na fila, escutam o que ela diz, e então começam a gargalhar, zombar e fazer piadinhas ruins sobre a “cenourinha estragada” que não sabe o seu lugar e levou um fora da merendeira do orfanato.

Imediatamente minhas bochechas ardem de vergonha e eu abaixo a cabeça enquanto seguro meu pão entre as duas mãos trêmulas, pego a caneca de café e caminho para a mesa mais distante, aos fundos do refeitório, para poder comer sossegada, longe daquelas pessoas que estavam caçoando de mim bem na minha cara.

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