Mergulho Profundo
Mesmo sabendo das restrições, os outros funcionários olharam para ela e ficaram abismados por quase não enxergarem os dedos dela, tal a velocidade. Ela percebeu e sorriu, parou e olhou diretamente para eles, seus dedos e braços da mesma cor dos teclados, seus olhos estavam monocromáticos e metade do seu corpo, da cor dos aparelhos próximos e a outra metade da cor do funcionário mais próximo. Foi um susto só e dos grandes.
— Quem é você? — Alguém ousou perguntar.
— Ou o que é, você? — Outro completou.
Ao todo eram cinco funcionários que olhavam para ela e quando um ousou se aproximar, ela ficou da cor dele. É claro que ela estava fazendo de propósito, dentro do "seu" propósito anarquista.
— Meu nome é Ana e tenho uma estrutura molecular que muda conforme o ambiente. Mas sou daqui mesmo e vocês quem são, trabalham aqui a muito tempo, alguns namoram ou são casados, o que fazem para divertirem-se?
Todos arregalaram os olhos surpresos e depois olharam uns para os outros indecisos sobre o que fazer ou se deviam responder. Ela percebeu a facilidade de comandar esses seres quase totalmente robotizados.
— Ok, Ok, voltem ao trabalho, temos muito o que fazer — ordenou, voltando ao seu teclado, já havia plantado a semente da curiosidade mútua entre eles e tinha muito que fazer ali ainda.
***
— Ana Rehrdar, compareça imediatamente ao setor de restauração. — Soou o alto falante, chamando-a.
Ela olhou para os outros e sorriu.
— Estão me chamando, pessoal, até outro dia, se nos encontrarmos novamente. Mas podemos marcar de nos encontrar fora do horário de trabalho, o que acham? — Eles continuaram olhando-a como se ela fosse de outro mundo. — Não? Tá bom então, tô indo e vocês, comecem a ser educados e se cumprimentem uns aos outros.
Saiu andando, em direção ao setor de restauração submarina, para consertar um dano que ela mesma causara. Depois de averiguar todo o sistema, que parecia funcionar a anos e estava ficando obsoleto, ela fez algumas melhorias no funcionamento e solicitou maquinário novo e como incentivo, causou uma pane, que gerou um vazamento de água impura, embaixo do aquífero, poluindo as águas limpas.
Assim, depois de pôr seu nome no topo da lista de funcionários a ser chamados em caso de emergência, foi só esperar e atender o chamado, como estava fazendo agora. Chegou ao vestiário do setor de restauração e reparos e trocou de roupa, pegando o pequeno filtro de ar. Foi até a plataforma sobre o imenso lago/mar, digitou alguns dígitos na pequena caixa presa à grade que ladeava a plataforma, abrindo o portão de acesso à água.
Adiantou-se e pulou da plataforma em um mergulho perfeito, atingindo a água, adentrando com maestria, deslizando como agulha entrando na manteiga. Seu corpo continuou descendo e descendo, passando pelos peixes, algas e corais coloridos. As partes desnudas de seu corpo, ficavam coloridas conforme o colorido de onde passava.
Chegou ao vazamento e consertou rapidamente, não era um defeito ou peça quebrada, mas um mero mau contato causado por ela mesma. Depois de resolvido, ela tirou a roupa e deixou seu corpo desaparecer refletindo as águas. Como já conhecia todo o mapa de tubulações, foi até uma das galerias de desemboque de águas limpas e subiu na plataforma, entrando em uma das saídas.
Deslizou, sentada pelo tubo largo e desceu até um canal, largo como um rio, um tubo gigante que dava duas alturas de Ana, lá ela seguiu, com os braços esticados à frente do corpo esticado, deixando a correnteza levá-la até onde queria ir.
Depois de muito tempo viajando pelas águas da tubulação, chegou a mais uma galeria e saiu das águas, subiu as escadas, mesclou-se com as paredes, assumindo sua cor, estava nua e precisava chegar ao vestiário daquele setor, mas antes de sair, foi até a pequena caixa de controle digitando seus números de identificação, confirmando o término de seu serviço e sua saída do setor aquifero.
Depois do portão habilitar sua saída, seguiu pelo corredor até o vestiário, aliviada por não encontrar ninguém no trajeto. Parou no primeiro toten em seu caminho e inseriu novos dados pessoais e ouvindo a mesma voz de sempre:
— Bem vinda, Amélia Rehrdar, coloque o braço no local indicado para ser efetuada a troca de id.
Assim, depois de identificada, saiu pelo corredor e entrou no vestiário.Tomou banho depois de solicitar um novo uniforme, vestiu-se e saiu em direção a seu novo setor de trabalho: o depósito de suprimentos gerais.
Entrou na sala, exatamente igual a outra, cumprimentou os funcionários, que a olharam como se fosse um ET. Sentou-se em sua área de trabalho e imediatamente entrou no depósito, selecionou tudo que precisava para a restauração e modernização do setor aquífero e de distribuição de água para o planetóide.
— Incrível, como deixaram esse setor tão importante, chegar a esse ponto? Mais um pouco e o planeta seria inundado. — Falou Aidea/Ana/Amélia, sem perceber que falou em voz alta.
— Disse alguma coisa? — Perguntou um dos funcionários.
— Falei sim. Estou intrigada de como ninguém percebeu a falência dos principais setores de manutenção do planeta. — Respondeu a agora, Amélia.
— Não entendo o que está falando? — uma funcionária outra respondeu.
— É o seguinte: a administração do planeta está falhando na manutenção dos principais setores de manutenção da vida, vocês poderiam morrer se eu não estivesse consertando as coisas por aqui. Entenderam agora?
Parece que uma luz se acendeu em suas cabeças e todos franziram as testas, balançando a cabeça para cima e para baixo.
— O que isso significa? Que está tudo prestes a ruir e morreremos todos? — Novamente, a mesma funcionária perguntou, parecendo preocupada.
— Não vai tudo ruir, porque estou ajeitando, já falei. Mas preciso de ajuda, pois assim que perceberem que estou consertando as coisas, se for sabotagem, vão querer impedir o progresso dos consertos. — Explicou ela.
Todos se entreolharam indecisos, as regras eram claras, qualquer anomalia deveria ser relatada ao supervisor. Então, se estava tudo prestes a ruir, como aquela estranha dizia, devia ter uma falha de comunicação ou omissão proposital do supervisor ou… melhor nem pensar, pensaram. Amélia estava conseguindo o que queria, fazer os cidadãos do Planetoide, pensar.
— Como podemos saber que está falando a verdade? — Perguntaram.
— Vou enviar para vocês, os mapas de anomalias do aquífero. — Tocou em seu painel e apareceu as imagens para eles, em seus próprios painéis. Observaram e detectaram as várias peças que precisavam ser substituídas, cada um acionou sua área e não viram nenhum pedido para substituí-las. Olharam de volta para Amélia, que tocou uma luz verde em sua tela, fazendo todos os pedidos necessários.
— Entenderam o que está acontecendo? — Perguntou Amélia.
— Mas temos este material aqui esperando a solicitação, então a falha é deles. Deviam ter feito a solicitação há semanas atrás.
— Olhem seus registros e verifiquem os setores de alimentação, agro, vestimentas e manutenção do ar. Verifiquem a quanto tempo não são trocadas as peças é o tempo de validade das mesmas. — Ordenou ela como uma verdadeira chefe.
Rapidamente verificaram e constataram as falhas na manutenção de todos. Confirmaram uns para os outros.
— Hoje eu sou a chefe aqui e ordeno que cada um faça a solicitação do material necessário a cada setor e os libere. Já estive no agro, no bélico e no aquífero, agora vou verificar o setor de purificação do ar e passar as solicitações de reparo. Preciso que vocês não comentem com ninguém sobre isso, para não alertar os responsáveis por essa tentativa de falência do planeta.
Todos concordaram e voltaram ao trabalho.