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Semeadura

Aidéa seguia pelo corredor, junto com outros da mesma equipe, com um sorriso no rosto. Seu dia de trabalho está encerrado e seu trabalho pessoal concluído a contento, agora é só continuar com um sorriso largo no rosto. Apesar de estarem em fila indiana e ninguém conseguir ver seu rosto. "As câmeras ocultas captarão meu sorrisão", pensava.

Se rosto é belo, mas passa coco comum junto aos outros. Os uniformes, como os cabelos presos e andar igual, tornam todos similares, dificultando identificar a diferença. Mas o escaneador digital, consegue muito mais que isso. Era o que queria. Provavelmente, seria um funcionário e não o presidente que veria os vídeos, talvez só percebesse o sorriso e ficasse curioso de ver alguém sorrindo atoa.

Mas ela não ficou satisfeita com esse pequeno passo, então deu um passo pro lado e outro passo pro outro lado, fazendo a daninha do um prá lá,  outro pra cá, aí sim, chamou atenção dos que iam atrás dela e ficaram indecisos com aquele comportamento, uns com expressão de espanto, continuaram caminhando tentando manter o passo, enquanto outros imitaram os passos, acreditando fazer parte do processo de evacuação do setor.

— Baby, eu estou aqui, laralalalá!!! — cantarolou para marcar os passos da dancinha. 

O corredor virou uma verdadeira desorganização, alguns pararam, não compactuando com o comportamento diferente, enquanto outros, passavam dançado pelos que empacaram, causando um verdadeiro engarrafamento, que atrapalhou a ordem de serviço da refeição noturna. Conforme entravam na sala de jantar e pegavam sua bandeja no balcão,  percebiam que não era sua escolha de refeição da noite e se virava para tentar trocar, trombando com o que vinha atrás  e derrubando a bandeja e a comida no chão, ao tentarem desviar um do outro, escorregavam na comida entornada e tombavam um por sobre os outros. 

Aidéa, mais a frente,  já  sentada em sua mesa, observava o caos que se formou, o da frente, depois de se virar e derrubar a comida, escorregou e caiu por cima do outro, que caiu no de trás e assim por diante em um verdadeiro efeito dominó, ficando todos enroscado uns nos outros. Algumas mulheres com nojo e alguns homens com um sorriso nos lábios,  por terem uma mulher sobre seu corpo.

Não podia ficar mais feliz com o caos que causou, pois enquanto comia, viu aqueles que trabalham no mesmo lugar, mas nunca se falaram, sequer se olharam para saber como cada um é, estava interagindo para conseguirem sair do emaranhado de braços e pernas e levantarem.  Ouviu um sonido e passos apressados, tratou de finalizar rapidamente sua refeição e se retirou, melhor não estar ali para conseguirem aponta-la facilmente.  Ainda não era hora de se apresentar. 

***

Saindo dali, seguiu até o toten no final do corredor e se identificou, a máquina respondeu, com a mesma voz sem expressão:

— Boa noite, Ana Rehrdar,  seu novo identificador está  pronto, coloque o pulso no local e sua identificação será trocada.

Aidéa colocou o pulso no local indicado e sua id foi trocada. Recebeu suas novas coordenadas e saiu em direção ao seu novo alojamento no setor aquífero.  Depois de alguns corredores e elevadores, chegou ao seu destino, entrou em seu quarto e admirou a parede a sua frente. 

Não era uma simples parede, era de material transparente, mostrando um imenso aquário, se é que poderia chamar um lugar tão imenso e pelo que podia observar com seus olhos, profundo, ao ponto de não enxergar o fundo, nem a superfície. Parecia o fundo do mar, com fauna e flora marinhas em abundância. 

Lindo!

Foi ao ambiente de higienização e despiu-se jogando a roupa no coletor de resíduos, que levava direto ao duto de incineração, acabando com qualquer pista de sua presença no setor bélico. Conforme andava pelo pequeno espaço, também com a parede de vidro, sua cor mudava conforme o colorido dos peixes que passavam próximos ao vidro. 

Entrou na cápsula nua e saiu limpa e vestida com as roupas de descanso do setor, no dia seguinte, seria o uniforme novo do setor novo, para uma investida nova. Deitou e dormiu satisfeita pela obra que fez naquele dia.

***

Enquanto  Aidéa  dormia tranquila, na central de observação de setores, um grupo olhava incrédulo, no monitor, as imagens da confusão no refeitório. 

— Como isso pôde acontecer?  — perguntou o administrador do setor, preocupado.

— Não conseguimos entender também senhor. Estava tudo normal, até que um funcionário da fila iniciou uma mudança de comportamento. Os outros, sem saber como se portar diante da mudança,  se dividiram, uns seguindo os passos diferentes, outros permanecendo na marcha original e alguns pararam, o que resultou na confusão do refeitório. — informou o responsável pela vigilância. 

— O que será que fez o funcionário mudar as atitudes desse jeito? Precisamos ver quem é e seguir seus passos durante o dia.

— Já fiz isso senhor, se me permite, só encontrei uma atitude estranha. Antes dela, uma mulher, mudar os passos, ela sorria abertamente, durante todo o caminho. Seu trabalho foi excepcional,  elogiada por seu chefe inclusive. 

— Façamos o seguinte, como tudo se ajeitou e não houve outras incursões,  vamos observar o comportamento desse setor amanhã e acontecendo mais algum ato fora do normal, participaremos ao gerente geral.

— Certo senhor, passarei as ordens para o vigia do dia.

O administrador retirou-se, não fazendo idéia do movimento iniciado em meio a todos os fatos ocorridos.

Olhares, expressões, sensações,  movimentos corporais e o principal para fermentar a massa do socialismo ditatorial, pensamentos reflexivos e necessidades emocionais.

*

Keplow viu as imagens no refeitório e não reconheceu a pessoa que fez a confusão, como sendo a intrusa que procurava, mas lembrou que ela podia ter mudado sua aparência e resolveu procurá-la em seu registro. Encontrou o endereço de seu dormitório e enviou guardas lá para detê-la, mas logo chegou a resposta de que não a encontraram. Ligou para o presidente.

— Não, senhor, não a encontramos, mas estamos em seu rastro… sim, senhor, pode ficar tranquilo, nós a acharemos.

Terminou a chamada e o trabalho do dia, mas algo se movia dentro de si, aquele rosto na imagem da tela, não saía da sua mente e ficou inquieto ao ponto de custar a relaxar o corpo e dormir.

0 sinal tocou, avisando a todos que chegou um novo dia de trabalho. Aidéa, agora Ana, levantou-se e fez todo seu ritual matinal, saindo do quarto com o novo uniforme, cabelos presos num rabo de cavalo com uma presilha amarela que deu ao seu cabelo um tom loiro. Avistou um dos funcionários mais a frente e se aproximou dando para seu corpo a mesma do outro, que era branco. Continuou andando e aos poucos a fila foi se formando, com todos dirigindo-se ao refeitório.

Ana ficou quieta dessa vez, precisava primeiro conhecer o sistema de limpeza e distribuição da água. Queria saber como tinham no interior do planeta, uma reserva tão grande de água, mas parecendo um mar com toda aquela diversidade. É um dos pontos principais para a sobrevivência da espécie. Já conhecera a agricultura, a carga bélica e agora conheceria a manutenção de água.

Depois da refeição prática, nutritiva e sem gosto, foi em direção a sua nova área de trabalho, no setor de fiscalização da limpeza e redistribuição das águas. Entrou na sala, onde já haviam outros funcionários, cada um em seu aparelho de controle de máquinas ( computador), com espaço de dois metros entre cada um. Ela foi para a sua área, sentou-se diante da tela e iniciou se trabalho. O teclado desse setor, não era tão novo quanto o do setor bélico, faziam um barulho quando as teclas eram tocadas, dessa forma a medida que Ana iniciou sua digitação, chamou atenção com a música que se formou devido a ligeireza de seus movimentos.

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