Nascimento e Morte
Ele passou a mão nos cabelos e olhou para meu corpo. Eu tinha deitado de lado com as pernas dobradas. Ele abriu minhas pernas e viu que minha intimidade e as coxas estavam sujas de sangue. Saiu dali e entrou em uma porta ao lado do guarda roupa. Ouvi barulho de água e logo ele voltou, me pegou no colo e levou para uma banheira grande, onde entrou e sentou comigo em seu colo.
Ele me banhou com suavidade, usando uma esponja macia com sabonete cremoso de camomila. Relaxei encostada em seu peito, me deixando acariciar, nunca tinha passado por nada daquilo e sendo um ser racional como sou, não entendo esse tipo de prazer que exige obediência e submissão. Isso é falta de sentimentos e respeito.
Assim iniciou nosso relacionamento, que eu tinha estipulado que duraria uns dois meses só, o que daria para pesquisar tudo o que eu precisava, mas numa dessas incursões no quarto do sexo, senti o momento exato em que a camisinha não aguentou e sua semente apressada encontrou meu óvulo recém saido do ovário e o fecundou.
Foi um efeito dominó quando ele descobriu. Insistiu em casar e dar tudo que seu filho tinha direito. Só não existia amor. Aproveitei esse período em que ele estava tão cuidadoso e fazia todas as minhas vontades, para pedir que deixasse eu conhecer seu local de trabalho. Ele resistiu um pouco, mas acabou concordando.
Quando entrei no escritório dele, me conectei imediatamente com todo o sistema de dados e fui escaneando tudo. Minhas funções cerebrais são tão elevadas, que não preciso de nenhum conector para me ligar a rede. Ligo direto com meu cérebro. Depois de sondar tudo que estava aparente, procurei as pequenas brechas ocultas.
Achei no computador dele, uma pasta oculta, muito bem criptografada, de investigações de seus próprios laboratórios. Ele estava procurando algo que estava dando disparidade nos programas contábeis. Primeiro pensei que poderia ser o dinheiro que peguei, mas olhando mais a fundo, vi que eram investimentos maiores e bem mais antigos que os meus.
– Clair! Você pediu para visitar o local e já está aí sentada a meia hora. Não vai passear por aí?
– Desculpe mestre, já vou – levantei para sair.
– Não me chame assim aqui. Aqui sou amor, ok?
– Ok, amor. – Falei obediente, como uma boa submissa.
Conforme os meses passavam, conhecia mais sobre a empresa e o dono. Encontrei várias falhas de digitação humana no sistema e corrigi. Também descobri alguns desfalques e enviei e-mails de funcionários para gerentes corretos, delatando e os ladrões foram presos e ninguém encontrou o delator.
Descobri que Dalton foi criado por um pai opressor que foi abandonado pela primeira esposa e depois casou-se com outras duas, que só queriam seu dinheiro e trataram muito mal seu filho. Dalton cresceu sem amor e descrente de todo tipo de relacionamento, já que cresceu cercado de interesseiras.
Mas isso não interessava para meus planos de acabar com os raptos e maltratos infantis, feitos por laboratórios diretamente ligados a ele. Deixei de lado a empatia por ele e foquei no meu próprio problema. Eu não aguentava mais viver daquele jeito, pois conforme minha barriga crescia, ele perdia mais o interesse e começou a levar outras submissas para casa e isso era o fim da picada.
Então projetei e executei um plano com a conivência de uns funcionários do hospital, tão necessitados de renda extra, tadinhos, que aceitaram. Quando enfim chegou o dia do parto, lá estava a equipe contratada. O bebê nasceu saudável e lindo, parecido comigo e assim que nasceu, eu morri.
Dalton não ligou a mínima para minha morte e nem eu queria falsidade, me importava só em me livrar daquela prisão. Durante os dois dias que o bebê ficou no hospital, Dalton cuidou do funeral e da cremação. Também tratei tudo com a funerária. O mais dificil foi ter que aturar todas as pessoas falsas falando e cuspindo em cima de mim, pois sim, deitei no caixão fingido de morta.
Por mais que conseguisse fazer meu corpo quase parar de funcionar, meu olfato e audição funcionavam perfeitamente. Dei graças a Deus que finalmente fecharam o caixão e enquanto meu caixão era levado por um corredor, os assistentes iam por outro caminho, assim o caixão foi trocado no meio do caminho e o jarro que foi entregue ao marido, continha cinzas de outra coisa qualquer que não era eu.
Saí de lá depois de todos, vestida de preto com um chapéu coberto com véu preto também. Fui dali direto para minha antiga kitnet, que continuei pagando. Troquei de roupa e fui ao salão de beleza. Tirei as unhas postiças, cortei os cabelos bem curtos e pintei da cor natural, castanho claro. As lentes foram para o lixo e as roupas também.
Meu corpo ainda estava inchado, mas durante a gestação, cuidei para voltar a um peso mais condizente comigo, magra. Depois faria una exercícios para firmar mais a musculatura. Vesti calças jeans pretas e uma camisa branca, completei com uma jaqueta preta e os documentos novos no bolso. Agora meu nome é o original: Grace Souza.
Volto ao hospital e vou direto ao berçário onde também molhei as mãos das enfermeiras, que me deixaram entrar e amamentar meu filho, que me reconheceu na mesma hora. Já tinha dito ao pai dele que queria chamá-lo de Phillip e assim meu pequeno Phil teria que aguentar um tempo, sendo cuidado pela titia. Termino de amamenta-lo e sou informada que o pai virá buscá-lo em meia hora.
Saio do berçário e espero do lado de fora olhando pelo vidro, esperando meu "cunhado".
Ele chega logo em seguida, me olha, examinando de cima a baixo.
– Boa tarde Sr. Dalton. – Cumprimento-o sem olhá-lo.
– Boa tarde. Te conheço? – perguntou, olhando em meus olhos e franzindo a testa.
– Não. Eu sou Grace, irmã de Clara e tia de Phillip. – Só então olho para ele, cumprimentando-o.
– Ah? Como assim? Clara nunca me falou que tinha família. – Ele parecia muito surpreso e irritado com a novidade.
– O senhor por acaso perguntou? – Eu sabia que não, claro.
– Bem… ela podia ter me contado…
– Não interessa isso agora, Clara não vinha se sentindo bem nos últimos dois meses e o médico a preveniu de possíveis complicações no parto. Por isso ela me passou um documento autorizando a minha presença como guardiã do Phillip.
– Como assim? Eu sou o pai, eu vou ficar com a guarda dele – falou exaltado.
– Não precisa se exaltar, não vou querer ele pra mim, só vou estar por perto para ver como ele está se desenvolvendo – expliquei.
– E como se daria isso, você vem morar conosco? – Não entendi a intenção da pergunta.
– Não, vou apenas visitá-lo e quando você não tiver uma babá, eu estarei lá. Deixarei meu telefone com você. Tá certo assim?
– Tá – acenou com a cabeça concordando pensativo.
Ele bateu na porta do berçário com as juntas dos dedos. Uma das técnicas olhou pelo vidro e sorriu, logo depois a porta se abriu e a enfermeira entregou o bebe para o pai. Dalton não cabia em si de alegria, segurando seu pequeno presente, parecia uma criança com aquilo que mais queria receber.
– Você vem comigo agora? Ainda não arrumei uma babá. – Agora entendi, ele queria uma babá.
– Vou, vou sim, tenho bastante tempo livre hoje, para ficar com ele. – Inforei.
Saímos do hospital, ele em seu jaguar, depois de colocar o bebê na cadeirinha especial presa ao banco traseiro e eu na vespa, seguindo o carro. Um carro nada prático para um bebê, mas fiquei quieta. Chegamos aos portões na mansão e ele autorizou minha entrada aos seguranças, alertando que eu era a tia do bebê.
Depois que passamos pelos portões, fomos direto para a entrada da garagem, pela lateral esquerda da casa. Entramos e ele estacionou ao lado de seus outros carros luxuosos, parecia uma vitrine de vaidade masculina. Parei minha vespa longe deles, próxima ao elevador. Ele tirou o bebê do carro, segurando com as mãos esticadas e veio em minha direção, com o filho esgoelando.
A expressão de desespero dele era impagável e eu não contive o riso largo. Ele olhou para mim com uma carranca e passou o bebê pra mim.
– Já que você está achando divertido, então cuida.