Ela disse que não dormiria comigo (II)
Pablo também negou, assim como eu, observando-a comer o bolo com as mãos.
E sim, a doida comeu todo o bolo. Claro que era pequeno e dava no máximo umas três fatias de torta comum. Quando acabou, ela suspirou e limpou a boca com o guardanapo que continha o número que a garota tinha me dado, sem sequer perceber que tinha algo anotado.
- No fim, era só um bolo comum com merengue por cima – reclamou – Pelo preço que a gente paga este camarote devia ter ao menos um recheio, não acha? – Me olhou.
Eu só ri.
- Eu gosto de coco, amendoim, leite condensado, daqueles que se cozinha na panela de pressão.
Eu detestava coco. E comia amendoim uma vez na vida e outra na morte. Leite condensado na panela de pressão? Aquilo era possível?
- Você não gosta de falar? – Ela me questionou – Está economizando a voz?
- Eu gosto.
- Então por que não fala?
- Porque você fala por nós dois.
- Todo mundo diz que eu falo demais.
- Não imagino o motivo... – Ri.
- Agora me leva embora, Pablito? Mí casa! – O “Mí casa” falou pausadamente.
- ¿Realmente quiere que la lleve ahora? ¿Se quedó solo para comer el pastel en miniatura?" – Pablo me olhou, não acreditando.
- Diga a ele que não aguento um pastel depois do bolo. Tudo bem que a tortinha era pequena e sem recheio, mas a cobertura muito doce. Então não consigo comer fritura agora. Nem em miniatura. – Fez sinal com as mãos, parecendo satisfeita.
Caralho, eu ri. E não foi pouco. Fazia um bom tempo que eu não ria a ponto de a barriga doer. Mas foi o que aconteceu. Ela e Pablo me olhavam, sérios, sem entender nada.
Depois de uns cinco minutos consegui parar. Pablo fez sinal com as mãos, não entendendo porra nenhuma, tanto do que ela disse quanto do meu comportamento.
- ¿Por qué le mentiste diciendo que tienes un carro? No podrás llevarla a casa. ¿Tienes intenciones de dejarla en la estacada?" – Falei seriamente para ele.
- Estacada? – Ela me olhou, apavorada, tentando traduzir.
- Ella sabe lo que quiero. Y ella también lo desea. La llevaré al hotel, la disfrutaré, y ella estará muy feliz porque habrá desayuno. ¡Y pastel!
- Pastel de novo? – Agora ela franziu a testa – Não quero pastel em miniatura. – Pareceu irritada.
- Ele disse que vai levá-la para o Hotel onde está hospedado, comê-la e poderão tomar café da manhã juntos, comendo pastel. E só para constar... Ele não tem carro. Mentiu. Digo que você aceita?
Ela me encarou um tempo que pareceu uma eternidade. Parecia estar pensando. Certamente aceitaria a proposta de “Pablito” e comeria vários “pastéis” com o paraguaio...
Pegou a bolsa, deu uma bofetada na cara do paraguaio e saiu, sem olhar para trás.
- ¿Qué le dijiste a ella? – Pablo me olhou, pondo a mão na bochecha, perplexo.
- La verdad. – Confessei, saindo atrás dela.
Corri pela pista, que já estava vazia. Encontrei-a pagando a conta. Deixei minha comanda com a consumação junto do dinheiro, sem ao menos esperar o troco e corri atrás dela.
- Ei, eu não tenho culpa de ter traduzido o que ele disse! – Falei enquanto andava atrás dela na calçada, tentando alcançá-la.
- Ele acha que eu dormiria com ele por um pastel? – Estava furiosa, andando rapidamente, como se fosse perder o último trem – Uruguaio de merda!
- Paraguaio. – Corrigi.
- Que seja!
- Como você vai embora? Quer ligar para a sua amiga? Vou com você ao orelhão.
- Eu teria que ligar a cobrar. Estou sem cartão. E não pega bem... Acordar os pais dela e pedir ajuda. Eles já são bem legais comigo.
- Então liga para sua casa.
- Eu não tenho telefone em casa. Só usamos o do vizinho, para emergências.
- E isso não é uma emergência?
Ela parou do nada e bati nela, quase a derrubando. Tive que segurá-la para que não caísse.
- Emergência é caso de morte. Minha família usou o telefone do vizinho para nos dar três notícias: meu vô teve um derrame e foi para o Hospital. Dois dias depois ele morreu e avisaram no mesmo número. – Continuou andando.
- E a terceira?
- Minha avó morreu.
- Ok, não deve pedir para o vizinho dar o recado aos seus pais. Vai fazer o que então?
- Esperar o primeiro ônibus do dia. E estou numa emergência, porque disse ao meu pai que iria dormir na Flora então não posso chegar em casa cedo, entende? Então terei que ir primeiro para a casa da minha tia e ficar lá até umas onze horas.
- Nossa! Que confusão.
- Sim! Mas está tudo bem. Pode ir que estou legal, Pedro!
- Quem sabe chama o seu namorado que não é o seu namorado? – Sugeri.
- Ele também não tem telefone. E eu já disse que não tenho cartão? Nem fichas!
- Eu... Vou acompanhá-la até o ponto de ônibus então. E esperar com você, tudo bem?
Ela sorriu:
- Obrigada! Prometo ficar bem quieta.
- Duvido que consiga! – Ri.
O movimento àquela hora da noite era bem intenso na rua principal do centro da cidade. As casas noturnas estavam abertas, os bares e lanchonetes também. Geralmente as pessoas saíam da festa e depois iam comer alguma coisa.
- Está com fome? – Perguntei.
- Pastel? – ela riu – Não, não vou comer pastel e dormir com você. Aliás, aposto que você até virgem é.
- Tenho cara de virgem?
- Tem.
- Uau! Isso é bom. Mas não sou. Não que isso importe.
- Eu sou. Por isso não aceitei dormir com o paraguaio. E também não vou dormir com você, caso esteja pensando nisto. E se tentar alguma coisa no ponto de ônibus, eu gritarei para todo mundo ouvir. E eu tenho um canivete na bolsa. E sei usá-lo.
Não, ela não era doida. Ela era mais que doida.
- Não quero dormir com você. Só estou tentando ser legal. Mas se não quiser, por mim tudo bem! – Abri os braços, parando no meio da rua, temendo pela minha própria vida ao lado daquela mulher que portava um canivete e achava que todo mundo queria dormir com ela.
- Eu também não dormiria com você – ela foi enfática – Você não faz meu tipo.
- E... Qual é o seu tipo? Ou melhor, qual é o meu tipo, a ponto de não a interessar?
- Gosto de homens mais velhos, fortes, musculosos, com cabelos nas pernas e que sejam divertidos e curtam música. Se souber surfar então... Já subiu no meu conceito.
- Está me chamando de fraco? – Fiquei chocado.
- Você é muito novo... Nem tem dezoito! Posso até ser processada por abuso de menores. Você é fraco, não tem músculos e é puro osso. Duvido que tenha cabelos nas pernas. Não é divertido! Não gosta de música. Creio que saiba nem saiba o que é uma prancha.
- Mas que porra você está dizendo? Temos menos de um mês de diferença de idade. E... Eu tenho cabelos nas pernas. Prancha? – eu ri, de forma irônica – Coisa colorida que playboys usam para chamar a atenção de meninas pouco inteligentes e sem nada na cabeça.
Dobramos a esquina e demos de frente com um casal, praticamente nos batendo.
- Anastácia? – Falei, com a voz quase não saindo, vendo-a abraçada no rapaz, um pouco mais alto que ela.
- Jason? – Clara falou, pegando minha mão e enlaçando nossos dedos.
- Clara? – O homem olhou para ela e depois para nossas mãos, com o semblante apavorado.
- Oi... Pedro. – Anastácia ficou completamente ruborizada.