2.2
Aquela casa era um mundo à parte. Luxuosa, silenciosa, regida por regras não ditas. A presença de Matteo Bianchi era quase um mito — um nome mencionado em tons discretos, uma figura que moldava tudo ali sem precisar estar presente.
Mas o que me intrigava de verdade era se as pessoas ao redor sabiam quem ele realmente era.
Os funcionários viam Matteo como apenas um empresário ocupado? Ou será que, em algum nível, tinham consciência do que acontecia nos bastidores?
Porque eu sabia.
Sabia que ele não era apenas um homem de negócios ou um pai amoroso que viajava a trabalho. Sabia que, por trás do nome respeitável, ele era um capo. Um líder no mundo do crime, movendo peças de um jogo que a maioria das pessoas sequer imaginava existir.
E eu me perguntava se aquela aparente normalidade era apenas conveniência ou genuína ignorância.
Teresa, por exemplo. Ela tratava Giorgia com tanto carinho, como se realmente acreditasse que seu patrão era apenas um viúvo atarefado. O professor… Ele falava de Matteo com respeito, mas sem medo. Sem hesitação.
Se sabiam, faziam questão de agir como se não soubessem.
Ou talvez, naquela casa, eu fosse a única que via a verdade por trás do nome Bianchi.
Ajustei os desenhos sobre a mesa enquanto o professor recolhia seus materiais. Giorgia já tinha corrido para outra parte da casa, e agora o silêncio pairava entre nós, preenchido apenas pelo leve farfalhar dos papéis.
— Posso te acompanhar até a porta? — perguntei, mais por querer estender a conversa do que por necessidade real.
Ele sorriu de lado, um daqueles sorrisos fáceis, despretensiosos, que pareciam naturais para ele.
— Claro.
Caminhamos juntos pelo corredor, nossos passos ecoando suavemente no mármore polido. A mansão, apesar de grandiosa, tinha um clima estranho… Como se algo pairasse no ar, algo que apenas eu enxergava.
Quando chegamos à porta, ele se virou para mim, apoiando a pasta de materiais contra o corpo.
— É bom ver um rosto novo por aqui — comentou, com um tom leve, mas que carregava algo a mais.
Levantei uma sobrancelha, curiosa.
— Ah, é?
Ele deu um meio sorriso, inclinando ligeiramente a cabeça.
— Sim. Essa casa… bem, não é exatamente um lugar de muitas mudanças.
O peso por trás de suas palavras me fez querer perguntar mais, mas antes que eu pudesse formular algo, ele ajeitou a alça da bolsa e acrescentou:
— Nos vemos amanhã, Isabella.
Assenti, observando-o descer os degraus e seguir para o carro que o aguardava do lado de fora. Fiquei parada ali por um instante, observando-o partir, enquanto sua frase ecoava na minha mente.
“Não é um lugar de muitas mudanças.”
E, ainda assim, ali estava eu.
A maior mudança que aquela casa teria em muito tempo.
Depois de fechar a porta, dei uma última olhada na rua, onde o carro do professor desaparecia na distância. Então, respirei fundo e voltei para dentro, me dirigindo até o hall de entrada.
O dia parecia tranquilo, mas meu pensamento ainda estava lá, com as palavras do professor. Uma parte de mim queria descobrir mais sobre essa casa, sobre as pessoas que a habitavam e, principalmente, sobre o homem que governava tudo ali. Mas, por enquanto, minha atenção precisava estar em Giorgia.
Subi as escadas, passando pela longa passagem dos quartos dos funcionários, e cheguei até o corredor onde a menina costumava brincar. Com um sorriso, a encontrei sentada na mesa da sala de estar, mexendo em um livro colorido.
— Giorgia, querida, vamos lá, hora de tomar banho!
Ela me olhou com aqueles olhos grandes e curiosos, com a expressão de quem já sabia o que viria, mas ainda assim não deixava de tentar convencer.
— Isabella… Posso tomar banho depois? Eu queria brincar um pouco mais no jardim.
Eu a observei por um momento, com a expressão suave, sabendo que seria difícil resistir ao pedido da menina. Ela estava sempre cheia de energia, e os jardins da mansão eram imensos, perfeitos para uma criança como ela.
— Eu entendo, mas o banho será aquecido, eu prometo que vai ser rápido e confortável. Depois você pode brincar à vontade no jardim, ok?
Giorgia fez uma careta, mas não pôde refutar. A promessa do calor do banho parecia seduzi-la o suficiente.
— Tá bom, tá bom… mas só porque você prometeu.
Ri suavemente, estendendo a mão para ela.
— Então vamos, vai ser rápido, eu prometo.
Ela se levantou e seguiu ao meu lado até o banheiro, seu espírito travesso ainda brilhando. A energia dela parecia contagiar tudo ao redor, e eu, mesmo com a máscara de calma, não pude deixar de sorrir diante da simplicidade daquele momento.
Após o banho, ela se sentou na cama, a toalha enrolada ao redor da cintura, e me olhou com um brilho travesso no olhar.
— Eu sou muito boa no desenho, não é?
Fiquei parada por um instante, me virando para ajudá-la a se vestir.
— Você é excelente, Giorgia. Tenho certeza de que um dia você será uma grande artista.
Ela sorriu, satisfeita com o elogio, e então, como um raio de sol, pulou da cama, animada para correr até o jardim.
— Agora vou lá brincar!
Giorgia correu em direção ao gramado, com o vento bagunçando seus cabelos enquanto ela se virava para me chamar. Eu a segui, tentando não perder o ritmo dela. Ela adorava aquele jardim, onde passava a maior parte de seu tempo livre. O sol estava forte, aquecendo o ambiente e fazendo as cores das flores ao redor parecerem ainda mais vivas.
— Vamos brincar de esconde-esconde? — ela perguntou, com os olhos brilhando de empolgação.
Eu sorri, feliz por vê-la tão animada.
— Está bem, você se esconde e eu conto! — respondi, já me preparando para brincar.
Giorgia deu um pulo de felicidade e, antes que eu pudesse começar a contar, ela já estava correndo em direção ao lado oposto do jardim, tentando encontrar o lugar perfeito para se esconder. Eu ri, contando de olhos fechados.
— Um… dois… três… — fui contando em voz alta, sabendo que ela não demoraria para se esconder.
Quando terminei de contar até dez, abri os olhos e comecei a procurar, tentando ser o mais silenciosa possível para não dar a ela nenhuma pista. Olhei para trás, para as árvores e os arbustos, e logo vi um movimento atrás de um grande arbusto perto da cerca do jardim.
— Aí está você! — gritei, correndo até o ponto onde ela estava escondida.
Ela saiu de trás do arbusto rindo e me deu uma corridinha rápida para tentar escapar, mas eu a alcancei com facilidade.
— Ah, não, você não vai escapar! — falei, segurando-a pelas costas enquanto ela ria.
Giorgia ficou rindo, fazendo graça, e quando conseguimos parar de correr um pouco, ela se virou para mim.
— Eu sou boa nesse jogo! — disse, com um sorriso orgulhoso no rosto.
— É, você é! Agora é sua vez de contar — respondi, já me preparando para esconder.
Ela me deu uma última risada antes de começar a contar, e eu me escondi atrás de uma árvore, esperando ela me procurar. A tarde estava tranquila, o tipo de momento simples que me fazia perceber como as crianças podem ser naturalmente felizes com as coisas mais simples.
Depois de algum tempo, Giorgia me encontrou, e eu decidi que já estava na hora de ir para dentro. Ela estava começando a suar, e sabia que, depois de brincar um pouco mais, era hora do banho.
— Vamos entrar agora, Gio? — perguntei, tentando não parecer apressada.
Ela fez um bico, mas, como sempre, aceitou a ideia sem muito drama.
— Só um minutinho! — ela pediu, ainda relutante em deixar o jardim.
Eu sorri, segurando sua mão enquanto ela olhava para trás, querendo mais um pouco de diversão, mas logo desistindo e correndo de volta para a casa.
— Papai! — ela gritou, ao avistar Matteo chegando na entrada. Eu olhei para ele também, vendo-o caminhar em direção a ela, e não pude deixar de perceber como a cena parecia simples, mas ao mesmo tempo cheia de significados. Giorgia correu até ele, saltando em seus braços, e eu fiquei ali observando, ainda sem entender tudo que estava envolvido na dinâmica daquela família.
Agora, de volta à rotina, eu sabia que meu trabalho estava só começando.
