Biblioteca
Português
Capítulos
Configurações

2.1

O despertador toca às sete em ponto.

Forço meus olhos a se abrirem e estendo o braço para desligá-lo, piscando algumas vezes até me acostumar com a pouca luz que entra pela janela do quarto dos funcionários. Já faz uma semana que estou aqui, e minha rotina está gravada na mente, mas mesmo assim pego o caderno na mesinha ao lado da cama.

Na primeira página, minha caligrafia organizada lista os horários de Giorgia Bianchi.

7h30 – acordar. 8h – café da manhã. Depois, aulas com o tutor particular ou brincadeiras, dependendo do dia.

Reviro os olhos e fecho o caderno. Como se eu já não soubesse isso de cor. Mas há algo reconfortante em revisar cada detalhe, me lembrando da função que preciso cumprir aqui. Da máscara que não posso deixar cair.

Matteo Bianchi continua sendo um fantasma nesta casa. Uma semana e nem sequer ouvi sua voz. Apenas os cochichos dos funcionários e a presença invisível de alguém que comanda tudo, mesmo à distância.

Respiro fundo, espantando esses pensamentos, e me levanto. Visto um casaco fino sobre meu pijama e saio do quarto, caminhando silenciosamente pelos corredores até o segundo andar, onde fica o quarto de Giorgia.

Empurro a porta devagar e a encontro enrolada nas cobertas, o rostinho meio escondido no travesseiro.

Sorrio de leve e me aproximo, sentando na beirada da cama.

— Giorgia… está na hora, querida.

Ela se mexe um pouco, resmungando baixinho antes de piscar os olhos sonolentos para mim.

— Já?

— Já. Vamos, eu te ajudo.

Com um suspiro exagerado, ela se senta, ainda meio perdida entre o sono e a realidade. Seus cabelos escuros estão bagunçados, e seus olhos grandes me encaram com um misto de preguiça e rendição.

— Pode escolher minha roupa hoje? — pede, a voz um pouco rouca pelo sono.

— Claro — respondo, levantando-me e indo até o armário dela.

Escolho um vestido azul-claro e uma meia-calça branca, simples e confortável. Giorgia se espreguiça enquanto a ajudo a vestir-se, ainda sem pressa de começar o dia.

Quando terminamos, ela segura minha mão, sua expressão agora mais desperta.

— O papai ainda não voltou?

A pergunta me pega desprevenida, mas mantenho a calma.

— Ainda não. Mas tenho certeza de que ele sente sua falta.

Ela assente devagar, sem dizer nada.

— Vamos descer? O café da manhã está quase pronto.

Seu sorriso volta, e ela aperta minha mão antes de sair do quarto comigo.

Enquanto descemos, Giorgia segura minha mão com naturalidade. Em uma semana, já percebi que ela é uma criança esperta, observadora e, apesar da rotina rígida, tem uma curiosidade brilhando no olhar.

A casa está silenciosa, exceto pelos ruídos vindos da cozinha. O ar gelado do inverno se infiltra pelos corredores, e é por isso que Giorgia ainda não tomou banho hoje. Com o frio que faz, não faz sentido colocá-la debaixo d’água logo cedo. Depois das aulas, a água já estará bem aquecida para que ela tome banho sem congelar.

Quando chegamos à sala de jantar, Teresa já está supervisionando tudo. Ela sorri ao ver Giorgia e pergunta:

— Quer leite morno ou suco hoje?

— Leite — ela responde, subindo na cadeira com minha ajuda.

Me sento ao lado dela enquanto um dos funcionários coloca torradas e frutas em seu prato. Olho para a mesa, enorme e vazia além de nós duas. Nenhum sinal de Matteo. Nenhum bilhete, nenhuma mensagem.

— Ele nunca toma café da manhã aqui? — pergunto mais para mim mesma.

Teresa me lança um olhar de aviso, mas é Giorgia quem responde, com um dar de ombros:

— Papai tá sempre ocupado. Às vezes, quando tá em casa, ele vem me dar um beijo antes da aula.

Mas, pelo visto, nem isso aconteceu essa semana.

Dou um pequeno sorriso, tentando não demonstrar nada.

— Quando ele voltar, com certeza vai querer passar um tempo com você.

Giorgia não parece convencida e volta a focar na comida.

A verdade? Nem sei quando Matteo Bianchi vai voltar. Mas de alguma forma, mesmo sem estar aqui, ele ainda domina essa casa.

Depois do café, levei Giorgia para a sala de estudos, onde sua aula particular já estava programada. Enquanto caminhávamos pelo corredor silencioso, pude notar como a rotina da menina se transformava em um pequeno ritual diário. Mesmo com sua teimosia encantadora, ela demonstrava uma curiosidade vibrante — uma característica que, embora geniosa, a fazia brilhar em meio a tantas regras.

Chegando à sala, vi que o ambiente estava preparado para a aula. Uma mesa repleta de papéis, lápis e tintas fazia o cenário ideal para o talento que, eu já pressentia, ela possuía. Giorgia acomodou-se em sua cadeira, mas, com seu jeito determinado, não demorou a puxar o caderno de desenhos e começar a rabiscá-lo com energia, mesmo antes de o tutor chegar.

Foi então que a porta se abriu e entrou o professor particular.

Não pude deixar de observar como ele contrastava com o ambiente formal da mansão.

Ele era um homem lindo e cativante: alto, com cabelos escuros levemente desalinhados, que pareciam desafiar a ordem rígida do lugar, e olhos intensos que, mesmo por breves instantes, pareciam captar cada detalhe. Sua presença exalava uma calma confiante e um charme discreto que fazia a sala parecer um pouco mais iluminada.

— Bom dia, Giorgia — disse ele, com uma voz suave que misturava autoridade e gentileza, enquanto se aproximava da menina.

Giorgia, sem perder sua teimosia característica, retrucou de forma travessa:

— Bom dia, professor!

Ele riu baixinho, um riso que demonstrava que estava acostumado com as travessuras da pequena, e iniciou a aula. Durante esse tempo, a menina se dedicou a seus desenhos com uma energia contagiante, alternando momentos de concentração intensa com explosões de criatividade que só uma criança geniosa pode ter.

Quando a aula chegou ao fim, Giorgia, animada e cheia de orgulho, agarrou seus papéis e correu em direção a Teresa, que aguardava no corredor.

— Teresa, olha o que eu desenhei! — ela exclamou, com um brilho nos olhos que dizia que aquele era um dos seus dias melhores.

Enquanto a menina se afastava para mostrar suas criações, senti que o momento era ideal para conhecer melhor o professor. Com a sala agora silenciosa, aproximei-me discretamente.

Fiquei parada por um instante, observando-o enquanto ele arrumava alguns papéis com gestos suaves e precisos. Seu olhar era sereno, mas carregava uma intensidade que me fez sentir como se ele notasse cada detalhe à sua volta.

Ele se virou, e nossos olhos se encontraram por um breve segundo que pareceu eterno.

— Você deve ser a nova babá — disse, com uma voz que misturava cordialidade e uma curiosidade sutil.

— Sim, sou Isabella — respondi, sentindo um leve rubor no rosto, apesar de tentar manter a compostura.

Ele fechou uma pasta de anotações e recostou-se levemente na mesa, cruzando os braços de maneira relaxada.

— Giorgia parece gostar de desenhar — comentei, tentando quebrar o gelo.

Ele sorriu, lançando um olhar rápido para o caderno deixado sobre a mesa, onde alguns rabiscos coloridos ainda estavam visíveis.

— Sim, ela tem um talento natural — respondeu, sua voz carregando uma ponta de orgulho. — Mas também é determinada. Quando decide que não quer fazer algo, bom… você já deve ter percebido.

Dei uma risada curta, cruzando os braços.

— Ah, já percebi, sim. Ela quase me convenceu de que não precisava tomar café hoje cedo.

Ele soltou um riso baixo, balançando a cabeça.

— Isso é típico dela. É impressionante como consegue argumentar, mesmo com tão pouca idade. Acho que puxou ao pai nesse aspecto.

Minha curiosidade se acendeu imediatamente, mas mantive meu rosto neutro.

— O senhor Bianchi parece ser um homem muito ocupado — comentei casualmente.

O professor ergueu uma sobrancelha, como se analisasse minha escolha de palavras.

— Matteo viaja bastante, sim. O trabalho exige. Mas, quando está aqui, sempre faz questão de passar tempo com Giorgia.

Pelo tom, percebi que ele falava a verdade, mas havia algo mais ali — talvez um detalhe que ele não mencionaria tão facilmente.

— Imagino que seja difícil para ela — arrisquei, observando sua reação.

Ele hesitou por um breve instante antes de responder.

— Às vezes, sim. Mas ela é forte. Mais do que aparenta.

Fiquei em silêncio por um momento, absorvendo a informação. Matteo não era apenas um pai ausente por escolha — havia algo em sua rotina que o afastava, mas não completamente. O suficiente para que Giorgia ainda o tivesse como uma presença importante.

O professor desviou o olhar para o relógio de pulso e suspirou.

— Bem, foi um prazer conhecê-la, Isabella. Tenho outra aula agora, mas nos veremos em breve.

— Com certeza — respondi, oferecendo um pequeno sorriso.

Enquanto ele saía, voltei minha atenção para os desenhos esquecidos sobre a mesa. Pequenos fragmentos do mundo de Giorgia, expressos em traços infantis.

E no centro de tudo isso, um homem que eu ainda não tinha visto — mas cuja presença pairava sobre aquela casa como uma sombra.

Peguei um dos desenhos de Giorgia e passei os dedos sobre o papel, distraída, enquanto minha mente ia longe.

Baixe o aplicativo agora para receber a recompensa
Digitalize o código QR para baixar o aplicativo Hinovel.