3.1
Quando me aproximei, vi Matteo segurando Giorgia nos braços, abraçando-a com tanto carinho que parecia que o tempo ali estava suspenso. O modo como ele a olhava, a ternura em seu gesto, não combinava com o homem que eu imaginava, e por um momento me senti deslocada, observando aquela cena com um sentimento que eu não soubera definir.
Ele estava de costas para mim, mas, ao perceber minha presença, levantou o olhar, seus olhos fixando-se nos meus com uma intensidade que me fez paralisar. O arrepio que percorreu minha espinha foi instantâneo, como se ele tivesse a capacidade de ver através de mim, penetrando em cada camada que eu cuidadosamente escondia.
Matteo era, sem dúvida, um homem de presença. Seus cabelos escuros, levemente bagunçados, caíam com um charme impetuoso sobre sua testa, mas o que mais me chamava a atenção era sua barba espessa, que dava a ele um ar de força bruta. Cada linha de seu rosto parecia esculpida para transmitir um poder inegável, e seus ombros largos, a mandíbula firme, tudo nele exalava uma masculinidade avassaladora.
Mas o que realmente me congelou foi o olhar. Seus olhos, de um tom profundo e quase hipnótico, me fixaram como se soubesse exatamente quem eu era, como se eu fosse uma peça de um jogo que ele estivesse jogando sem esforço. Havia algo inquietante em sua presença, como se a mera troca de olhares fosse suficiente para me desestabilizar.
O clima entre nós dois parecia se tornar denso. Eu sabia que ele estava me observando, estudando cada movimento meu. As palavras pareciam difíceis de formar, e o ar ao meu redor parecia pesado, carregado de uma tensão que não sabíamos como quebrar.
Giorgia se afastou rapidamente dele, ainda sorrindo, mas eu sabia que o momento de suavidade e carinho estava prestes a se dissipar, substituído por algo mais profundo e inquietante.
Eu disfarcei a tensão que crescia dentro de mim e dei um passo à frente, tentando controlar o nervosismo que ameaçava me dominar.
Matteo não perdeu tempo. Após o olhar intenso, ele voltou-se para Giorgia, que ainda estava perto dele, brincando com os fios do cabelo, distraída, como sempre.
— Giorgia, vai lá na cozinha, atrás da Teresa, agora — ele disse, com uma voz grave e firme. A autoridade em suas palavras era inegável.
A menina, como uma criança teimosa, fez uma careta e cruzou os braços. — Não quero ir agora, papai. Eu quero ficar aqui.
A irritação de Matteo não era visível, mas sua paciência parecia estar se esgotando rapidamente. Ele olhou para ela, seus olhos se estreitaram ligeiramente, e a pressão na sala aumentou com a mudança de tom.
— Vai imediatamente, Giorgia — ele repetiu, mais forte, sua voz ressoando no ar como um comando. O tom pesado e impositivo fez o ar ao redor de nós congelar.
Eu senti um arrepio percorrer minha espinha, involuntário, e dei um passo para trás, o coração batendo mais rápido. Não era apenas o tom de voz que me afetava, mas o peso da autoridade que ele carregava, como se fosse impossível desobedecer.
Giorgia, desta vez, não questionou. Ela se virou e correu em direção à cozinha, chamando por Teresa, já se afastando rapidamente.
Matteo então voltou sua atenção para mim, os olhos mais penetrantes do que nunca.
— Você deve ser a nova babá — ele disse, com uma leve observação em sua voz, como se tivesse feito uma constatação simples, mas importante. — Venha comigo até o escritório.
Sem esperar mais, ele começou a andar na direção do corredor, e eu, com uma mistura de relutância e curiosidade, o segui.
Era impossível não reparar em cada movimento dele. A maneira como ele andava, com os ombros largos e a postura ereta, era… hipnotizante. E, por mais que eu tentasse manter os olhos focados à frente, o olhar me traiu, deslizando por seu corpo até parar, brevemente, em suas costas e a maneira como seu jeans contornava sua figura, especialmente em torno de sua bunda. Era… grande e perfeitamente moldada, os músculos tensos e definidos com cada passo que ele dava.
Tentei desviar o olhar, me sentindo desajeitada com o tipo de pensamento que estava se formando, mas não pude negar a presença física dele, tão inegável, tão… irresistível.
Mantive o ritmo, segurando minha respiração para não demonstrar a inquietação crescente dentro de mim. O clima, agora, entre nós dois, já estava carregado de algo mais, algo difícil de compreender.
Quando entramos no escritório, o ambiente era mais imponente do que eu imaginava. Uma grande mesa de madeira escura dominava o centro, rodeada por estantes repletas de livros e documentos organizados. O lugar exalava uma autoridade tranquila, como se tudo ali fosse meticulosamente calculado e sob controle. Mas, ao mesmo tempo, havia algo acolhedor na forma como a luz suave iluminava o ambiente.
Matteo se virou para mim, e sem hesitar, puxou uma das cadeiras em frente à mesa. O gesto, embora simples, tinha um toque de cavalheirismo que me pegou de surpresa. Ele esperou que eu me sentasse, e quando o fiz, ele deu um leve aceno de cabeça, como se a atitude fosse algo normal, um reflexo da maneira com que ele se comportava em qualquer situação.
Ele se sentou na cadeira ao lado, cruzando as pernas, mas ainda me observando com aqueles olhos penetrantes que, mesmo em um espaço mais privado, pareciam não me deixar escapar.
— Então — ele começou, sua voz firme, mas sem pressa —, quero saber mais sobre você. Afinal, foi uma recomendação feita pela mulher de Vittorio.
A menção ao nome de Vittorio fez meu coração acelerar por um momento, mas eu mantive o semblante neutro. Ele parecia fazer questão de destacar aquele vínculo, e eu não poderia fazer nada além de aceitar isso.
— Vittorio é um… bom amigo — ele disse, com uma leve pausa, o que me fez ficar alerta. Não sabia exatamente o que ele queria insinuar com isso, mas continuei a escutá-lo. — Ele me falou muito bem de você, e por isso você está aqui.
Havia algo enigmático em seu tom, uma mistura de interesse e julgamento, como se ele estivesse tentando me entender, mas ao mesmo tempo avaliasse cada palavra que eu falava, cada movimento que eu fazia. Eu me sentia observada, como se estivesse em uma espécie de teste, mas não sabia ao certo qual seria o resultado.
— Então… — ele continuou, agora inclinado um pouco para frente, como se quisesse que eu realmente me abrisse. — O que me diz sobre a sua história? O que a traz até aqui, Isabella?
O nome falso que eu usava ecoou em meus ouvidos de uma maneira estranha, mas eu não poderia vacilar. Eu sabia o que ele estava fazendo, tentando encontrar falhas, espaços onde minha máscara poderia cair. Por mais que sua presença intimidasse, eu mantive minha postura, tentando parecer o mais natural possível. Mas no fundo, algo me dizia que essa conversa iria além de um simples questionamento.
Eu respirei fundo antes de começar a falar, escolhendo com cuidado as palavras, sabendo que qualquer deslize poderia fazer com que ele visse através da minha fachada.
— Bem, minha história não é muito diferente de outras — comecei, tentando parecer casual. — Cresci em uma pequena cidade, longe dos grandes centros. Depois que meus pais faleceram, fui morar com uma tia em Roma. Ela tem uma casa pequena, mas sempre fez o possível para me dar uma boa educação. Decidi seguir uma carreira mais tranquila, e a oportunidade de trabalhar para você apareceu quando eu estava procurando um novo emprego. Eu queria algo mais… estável, sabe?
Matteo me observava atentamente enquanto eu falava, sem mostrar expressão, mas seus olhos eram como lâminas, cortando cada palavra. Ele não me interrompeu, e isso só aumentou a sensação de estar sendo analisada por completo.
— Uma tia em Roma? — ele repetiu, com um tom suave, mas havia uma leve insinuação na sua voz que fez meu estômago se revirar. — E você decidiu deixar a cidade e vir para cá, para trabalhar como babá? Parece uma mudança e tanto.
Eu me forcei a sorrir, mantendo o olhar firme. A última coisa que eu queria era parecer nervosa, mas a pergunta dele fez meu coração acelerar.
— Sim, às vezes a vida nos leva a novos caminhos, e esse parece ser o meu agora — disse, tentando soar tranquila. — Eu estava pronta para começar algo novo, e achei que seria uma boa oportunidade. Giorgia… ela me parecia uma criança adorável, e eu gostaria de ajudar da melhor forma possível.
Ele ficou em silêncio por um momento, me avaliando de cima a baixo, como se estivesse decidindo se eu estava falando a verdade ou não. A tensão no ar parecia densa, e eu podia sentir o peso de seu olhar sobre mim, tentando ler cada detalhe de minha expressão. No entanto, ele não disse nada sobre o que eu acabara de contar, o que só me fez pensar que ele sabia muito mais do que estava deixando transparecer.
— Interessante — disse ele finalmente, sua voz agora mais baixa, mas carregada de uma intensidade palpável. — Eu aprecio quando as pessoas têm uma visão clara do que querem.
Eu tentei não me deixar abalar pela maneira como ele falou, mas algo em sua voz parecia carregar uma mensagem não dita, algo que eu não conseguia identificar imediatamente. Matteo se recostou em sua cadeira, o olhar ainda fixo em mim, mas agora mais desconcertante, como se ele estivesse aguardando algo, como se esperasse que eu dissesse mais.
Mas eu sabia que minha história estava fechada. Não haveria mais nada a dizer. Eu apenas mantive a postura, esperando que ele seguisse em frente.
