Capítulo 5
Lisbeth sentiu o sol tocar em seu rosto, estava relaxada, inebriada, se sentia leve e não parecia estar queimando no fogo do inferno. Ela acreditava que quando acordasse estaria em outro plano, pagando por sua covardia nas mãos do diabo. Já havia entregado seu corpo ao receptor do ritual, mas estava ali — ainda na mesma caverna.
Um rosnado a fez ficar em alerta, ela se apoiou no braços e notou com desgosto panos velhos e rasgados sobre seu corpo. Sentia que estava mais aquecida do que aquilo, mas segurou os panos velhos à sua frente quando notou que os seios ficariam expostos. Lisbeth estava nua e o demônio estava na escuridão cavernosa, se escondendo dela. Um feixe de luz fraco passou pela ponta de seus pés, o qual ela notou que não era nada pequeno e bem ossudo. Ela levantou os olhos para cima, mas teve a impressão de que ele se escondeu, pensou em dizer alguma coisa, mas não saberia nem por onde começar.
O que dizer? “Olá, senhor demônio, sinto-me envergonhada por ter praticado atos íntimos fora do casamento, é sempre assim para ir até o inferno?” Ela esconderia a parte de ter gostado, já que nas profundezas se pode mentir. No entanto, quando tentou se mover, lembrou-se das correntes e sua canela estava presa. Engoliu pensativa e sugeriu que talvez não fosse para o inferno, nunca ouviu falar de passagem tão demorada, restava-lhe o óbvio, conversar com o demônio.
— O-olá… — tentou com cuidado, olhando para o escuro cavernoso, sem enxergar nada, ouvindo apenas seus rosnados — Eu… — sua voz falhou, porque no fundo não fazia ideia do que dizer.
Por um segundo Lisbeth ousou sorrir. Onde estava seu medo, por agora?
Ela atravessou o rio, entrou nas trilhas da montanha demoníaca e agora estava ali. Aquele lugar era amaldiçoado pela igreja, mas Lisbeth ainda sentia seu corpo sem deformidades diabólicas, não se sentia possuída e o monstro cavernoso, aparentemente, estava com medo dela. Mas, ele não estava com medo quando eles fizeram… Ela enrubesceu. Como ela iria encarar um demônio depois de se deitar com um?
Lisbeth era um poço medroso e inseguro, fugira de uma situação horrenda e vestia o manto da covardia. O que lhe restava? Ficar presa numa caverna, alimentar com pecado o demônio e morrer? Ela sentiu as lágrimas em seu rosto querer surgir, olhou para o fundo cavernoso e criou coragem. Se este era seu fim, que pelo menos visse o rosto do único que, em toda sua vida, a tocou.
— Deixe-me vê-lo. — pediu receosa — Eu não vou gritar. — Lisbeth segurou o pequeno susto que foi ver um par de olhos vermelhos surgir nas sombras e desistiu de sua coragem instantaneamente. Ela berrou, ficou de pé e saiu correndo.
Era tortuoso morrer de medo, estar nua e ainda presa. Abaddon notou a coisinha minúscula que, sem um pingo de inteligência, berrou a todos pulmões, rangeu seus ouvidos e correu de pernas trêmulas. Quando as correntes tiveram seu fim, ela caiu contra o chão expondo a bela curva de seu traseiro, destrambelhou-se de cara no solo duro e gemeu com a pancada que causou.
Os sentidos de Abaddon entraram em alerta, o cheiro do sangue humano alcançou seu nariz e em meio a dois saltos, ele se esqueceu de manter-se seguro nas sombras e aproximou-se de sua humana. Ele gemia quando ele a segurou com suas mãos grandes, sentiu ela recuar e viu a mancha sobre sua fronte, escorrendo o vermelho vivo em seu rosto. Por instinto Abaddon expôs a língua pontuda, áspera e fina, mas foi impedido de lamber-lhe o ferimento quando a coisinha, gostosa, mas muito irritante gritou.
Ele tinha presas, afiadas presas! O demônio estava ali e abria a boca, colocou a língua para fora e Lisbeth tinha certeza que ela seria devorada! Não conseguiu conter seu medo e o deixou criar vida dentro de sua garganta, berrando de um jeito agudo, fazendo o monstro recuar, tampar suas orelhas e abaixar o rosto. Lisbeth descobriu que tinha boa garganta, pois o grito durou até a revolta do demônio.
— Silêncio! — o demônio berrou com voz áspera, grossa, como se um ruído animal fosse o seu plano de fundo.
Lisbeth fechou a boca, esqueceu-se até que estava nua e recusou rastejando seu traseiro nu para trás, até grudar contra a parede. Seu coração palpitava, suas pernas tremiam e agora podia ver a criatura abertamente, sob a luz fraca que iluminava o terreno cavernoso, mostrando a Lisbeth outra perspectiva da criatura.
O demônio rosnou, chacoalhou a cabeça e cutucou dentro de suas orelhas, lhe mostrando que o barulho o incomodava. Lisbeth imediatamente tapou a própria boca e assentiu, já que não estava a fim de cutucar a fera a sua frente.
Com uma rápida olhada para o lado, a humana notou o pano velho não muito distante de seu braço, o puxou rapidamente, tentou se cobrir e manteve a boca fechada numa linha fina, apenas para garantir silêncio à criatura. Uma vez que o monstro a olhava de canto absorvendo seus pensamentos, foi que Lisbeth notou o fio vermelho embaçar sua vista e a dor do corte sobrepujar o momento.
Distraída por alguns míseros segundos, Lisbeth tocou no machucado quente, olhou a ponta de seus dedos vermelho e não percebeu quando o demônio se moveu. No segundo seguinte seu pulso era tomado por envoltos dedos grossos, sua mão foi rudemente puxada pela criatura e apontada em sua boca. Lisbeth espremeu os olhos achando que a criatura faria de seus dedos saborosas salsichinhas cruas, mas se viu enganada quando ele agiu de outra forma.
A língua dele tinha uma espessura um pouco fina, era pontuda, quente e áspera. Semelhante a língua de um gato, ele a lambia nas pontas vermelhas limpando a mancha que marcava o seu sangue, levantou o olho vermelho quando terminou de fazê-los e sem aviso, se colocou próximo o suficiente de Lisbeth para repetir o movimento no canto de sua testa. Oh, céus. Lisbeth estava sendo lambida pelo demônio! Ela achou que ele a devoraria, mas a estava lambendo. O que deveria pensar? Para sua segurança, mantinha seu corpo abraçado, o pano sobre sua frente e apenas movia sua cabeça conforme a língua grande limpava o terreno vermelho.
Ela era uma boa moça, covarde, mas boa moça. E muito curiosa. O demônio das montanhas emanava um calor de si que quase fez Lisbeth se soltar para se ater ao monstro quentinho, mas ela se aquietou. Lisbeth era uma boa moça, não uma praga atirada. O que ele podia pensar? No mínimo que ela advinha de uma grande loucura, já que estava gritando a dois segundos atrás, borrando-se de medo.
No entanto, a pele pálida do homem era envolta de densos músculos bem traçados e a exposição do peito nu corou Lisbeth imensamente. Gritou de medo, mas a criatura estava longe de ser as criaturas horrendas que o ministério religioso os descreviam. O demônio não possuía chifres, não tinha rabos, nem vários braços, muito menos o rosto descamado de pele. Quando se deu conta, Lisbeth já não recebia lambidas na testa, estava admirando as feições do demônio de perto.
Os olhos tinha a cor do sangue vivo, as presas estavam bem guardadas dentro da boca de lábios finos, a espessura quadrada do rosto o fazia parecer tenso e a cabeleira longa e escura, apesar de suja e embaraçada, o deixava apenas com o aspecto de que era um homem muito grande, diferente do comum, mas ainda assim apenas um homem.
— Seria você a imagem do pecado, meu carrasco eterno? — sem perceber, Lisbeth murmurava — Dizem que o diabo tem boa aparência…
Abaddon afinou os olhos, pois sua coisinha gostosa e pouco inteligente acabara de nomeá-lo diabo. Porque demônios todos os humanos o comparavam com bestas terríveis? Foi então que ele rosnou, mostrou suas presas e a humana recuou.
— Abaddon não é o diabo. — reclamou sentando como um felino astuto, mirando a sua humana e sorrindo com o prazer quando finalmente percebeu que seu melhor negócio foi prendê-la nas correntes. Sua humana nunca escaparia. Abaddon nunca mais estará sozinho. — Humana minha. Aprender silêncio. Abaddon não gosta de barulhos. — Pronto, estava colocando seus planos em prática. Agora, só faltava lhe ensinar a amá-lo e eles seriam felizes para sempre.
Lisbeth piscou. Abaddon… ela repetiu o nome em sua cabeça. O demônio tem um nome e sentiu alívio por ele dizer que não era o diabo, sinal de que não chegou no inferno. Neste caso, ela estava bem viva, mas ainda presa e na mira da criatura à sua frente. O demônio das montanhas, a quem a igreja excomungou o lugar…
A moçoila vigiou o lugar ao seu redor, sentiu o peito falhar longas batidas quando se inteirou do cenário macabro. Havia ossadas envelhecidas, elmos espalhados, armaduras enferrujadas, malhas de ferro, cruzes e espadas. Não era necessário perguntar, supôs que cada vida ali fora atingida pelas mãos de seu demônio observador, mas conseguia ter idéia do ocorrido.
Ele é o demônio das montanhas e a igreja fazia trilhas constantes na região, a fim de exorcizar o lugar. Não são piedosos. O magistério religioso era redigido por um prebistero fanático e ardiloso, no qual tratava o exercismo com ferro e fogo. A bandeira do Vaticano estava torta e suja, mas ela podia imaginar o que tentaram fazer com ele…
— O que você é? — perguntou sussurrando, esquecida de seus medos e desviando os olhos da morte para Abaddon.