5- Reino da serpente
Enquanto os músculos de seu pequeno corpo ardiam e sua cabeça e pés eram vítimas do sol escaldante, Akame continuava ali respirando ferozmente enquanto observava os pés do ser de pele vermelha a sua frente.
Enquanto a encarava com um pedaço de madeira nas mãos, o povo ao redor prestava atenção no que deveria ser uma briga.
A cada golpe desferido a criança, um gemido e sons abafados surgiam sobre o local. A areia vermelha estava sendo banhada pelo sangue ralo da jovem que até então não fazia nada a não ser aceitá-los. Farto por não conseguir mais nem uma reação da criança, o rapaz de aparência não humana se afasta largando a madeira que fazia de espada.
— Vá descansar, por agora já chega…
— Ainda não… — sussurrou fazendo o rapaz para em frente. Ainda de costas, ele persiste ouvindo passos curtos e arrastados em sua direção e quando finalmente eles se cessam o rapaz se virou encarando algo ao redor da criança. — Ainda não. — Repetiu.
— Eu já disse que por agora acabamos. — Sem uma palavra a mais ele retira a madeira da mão surrada da criança e segue até um ser de sexo feminino.
— Gang! — Chamou enquanto caminhava na mesma direção.
— Lembra da batalha contra os espírito de Long? — A jovem apenas o ouve. — fazia anos que eu não via aqueles olhos.
— Ela é apenas uma criança, não acha que se ela realmente tivesse o espírito do dragão nós não saberíamos? Querido, Akame está apenas passando por um momento ruim.
— Sendo minha esposa, deveria saber que eu nunca erro.
— Gang, não faz sentido, isso só aconteceria se o espírito estivesse incompleto…
— Como eu disse, eu nunca erro.
— Precisamos contar, ela precisa saber.
Enquanto Gang e sua esposa pensavam em uma boa maneira de dizer a Akame que ela era uma arma mortífera, a criança era tratada em sua mais nova casa por uma das mulheres que moravam na pequena vila.
Sem resmungar ao sentir a terra tapar seus ferimentos enquanto seus cortes eram enfaixados, ela pensa em como manter-se firme em seu treinamento e não fazer Gang desistir de ajudá-la. A pobre criança estava disposta a tudo.
— Porque saíram do reino da serpente? Porque vieram morar com os humanos?
— Não se preocupe, eu conto para ela. — Caminhando em direção às jovens com sua muleta feita de um galho seco, ele a dispensa e se senta em frente a criança. — Como se sente? — Sem anunciar uma palavra sequer, Akame se coloca sentada a frente. — Foi o que pensei. O vale da serpente sempre foi governado por reis, assim como esse mundo, mas assim como o reino das nuvens, ele foi tomado por uma força misteriosa e aqueles que se juntaram a ela permaneceram, já o restante de nós tivemos de escolher entre morrer ou fugir.
— O que é reino das nuvens?
— Nem um humano ou demônio é capaz de encontrá-lo, tudo que sabemos é que está selado na grande torre, assim como o reino da serpente.
— Então na grande torre coberta pelo deserto existe vida?
— Mais do que isso, a grande torre é o início da criação desse mundo.
— E como sabe…
— E como sei disso sendo cego? — Ela concorda. — A visão não é tudo, ainda mais quando se nasce assim.
1
— Ela está acordando! — Anunciou correndo para fora da tenda. — Gang!
Enquanto Gang, cujo era conhecido como líder e protetor da pequena moradia pensava em como dizer a criança que sua família estava morta, essa se preparava para levantar-se.
Quando finalmente tomou firmeza de suas pernas, ela cambaleou em direção a saída e com a visão turva teve dificuldade para observar todos a sua volta.
Ao dar um passo vacilante que quase a faz cair, Gang tenta aproximação da mesma, mas é interrompido assim que o fino braço da criança e levado a frente revelando seu guardião que toma sua forma de ataque mantendo-se a sua frente.
Pedindo que todos ficassem imóveis, Gang observa a delicadeza do animal que rodeia a pequena criatura e a dá suporte para que siga em frente.
Enquanto caminhava para sua retirada, seu corpo frouxo insinuava cair a qualquer momento, até que finalmente se choca sobre a areia vermelha e escaldante.
Após Gang dar um passo em direção a criança, Bao que ainda estava ao lado da mesma, rosna e arma suas lâminas em direção ao rapaz.
— Eu posso ajudar. — Informou levando as mãos a frente do corpo e caminhando lentamente em direção a criança.
— São os ferimentos?
— Não, ela apenas sente fome.
Após finalmente conseguir tratar da criança e acalmar o guardião ao seu lado, Gang procurou difíceis e dolorosas palavras para explicá-la que seus pais estavam mortos, porém não parecia ser o suficiente e ela precisava ver com os próprios olhos. — Espere! Não pode sair dessa maneira. — Tentou explicar levando a mão sobre o pulso de Akame. — Vai morrer. — Informou pensando ser o suficiente.
A agonia dentro de Gang era tão grande que Bao era capaz de usufruir da mesma. Parando diante a Akame, ele rosnou, colocou as patas em suas vestes, fechou sua passagem, mas nada a parava.
Sem uma palavra a mais, o rapaz esquenta suas mãos sobre os bolsos e passa ao lado da jovem que é surpreendida ao ver nas mãos de Gang as garras de sua mãe, as garras que ela usava no último dia que a viu.
— Mama… — sussurrou apertando o objeto tão forte sobre as mãos, ao ponto de fazê-las sangrar.
— Isso foi tudo que restou. Quando a encontramos você estava no chão e a sua mãe sobre a árvore de galhos secos, a enterramos lá.
— Papa?
— Não encontramos nada mais, as cabanas estavam queimadas, tudo que estava lá dentro virou pó.
Tudo parecia fazer sentido novamente, eles a ajudaram e não teriam motivos para isso ou para mentir pra ela. Akame não questionou, não fez nem se quer um movimento, segurou aquele objeto que cortava suas mãos e relembrou dos muitos momentos que esteve junta a sua família.
2
Dias se passaram e a criança Akame não comia, falava e muito menos saia da tenda que habitava. Seu espírito estava tão fraco que gritava por ajuda, seus gritos abafados escapavam pelos buracos da tenda e percorria de ouvido em ouvido, até que finalmente alguém a se colocasse a sua disposição, mas como chegar tão perto de alguém que não deseja aproximação e que pode matá-lo com um simples suspiro.
o estalar de um galho desperta o corpo seco no canto da tenda que ouve tudo em silêncio e permite a aproximação do ser. Era guiado por um pedaço de galho oco que patia com calma sobre o chão.
Quando finalmente os passos se cessaram alguém sentou ao chão e o guardião com seu corpo frágil se pois ao lado.
— A ligação dos dois é muito forte, nunca em minha vida presenciei um guardião se alinhar a alguém dessa maneira, primeiro que eles são usados para defender o reino do céu e as coroadas… que dizer a coroada, e segundo eles são animais mortais. — Sua voz era de um senhor de idade, rouca e trêmula. Pegando algo sobre suas vestes ele a leva até Bao que apenas o cheira e nega. — Olhe para ele… ele vai morrer, é isso o que quer? Não foi o suficiente perder seus pais?
Virando-se para o lado contrário, ela tapa seus olhos com as mãos e deixa seus cabelos quebradiços escorrerem sobre o chão.
Ignorando a frieza da criança o senhor se ergue e acaricia a cabeça do guardião ao lado que libera sua passagem até Akame.
— Olhe para mim, eu sou como você… Eu sei sobre você. — Olhe para mim criança! — exigiu sentando-se à sua frente.
Lentamente a criança o obedeceu e felizmente pode conhecer pela primeira vez sua face. Pele avermelhada, dentes pontiagudos e dois grandes olhos brancos. Sem que fosse impedido o rapaz leva suas mãos até a face de Akame e a cria em sua cabeça da melhor maneira possível.
— Tem algo dentro de você que não a pertence, foi posto para que pudesse preencher o lugar de outro. Não precisa de áurea para se manter, precisa encontrar a parte que lhe foi tirada. Vou contar-lhes uma história… Há muitos e muitos anos atrás dois mundos que não deveriam se aliarem nunca, foi o começo de um curto romance, uma deusa e um demônio se amaram, e não durou muito para que descobrissem… dias depois eles fugiram juntos, pois sabiam que seriam separados, porém eles fizeram uma promessa um ao outro, e ela era que nem um ser os romperam. Quando finalmente foram encontrados estavam mortos, ambos apunhalaram seus corações, mas ainda assim em morte eles não estavam permitidos de permanecerem juntos… cada um foi levado para seu devido lugar, e seus corpos foram selados, mas a promessa permaneceu os espíritos causaram dor e destruição a todos que tentaram os separar, e que ainda tentavam, e finalmente eles se uniram e permaneceram trancados no corpo de uma criança cujo tocava uma linda melodia que teve o poder de acalmar seus espíritos.
Quando já não o restava mais palavras, o rapaz retirou o último dos pães de suas vestes e o direcionou em direção a criança, felizmente ela o aceitou e assim como ela, Bao também se alimentava.
3
Passados alguns dias Akame e seu protetor já se encontravam saudáveis e fortes novamente para correrem entre as crianças, mas a vontade de reencontrar suas irmãs era algo que ela não conseguia esconder.
— Fique quieta criança! — Pediu puxando os cabelos da mesma e posicionando novamente a tesoura.
Enquanto as modificações estavam sendo feitas sobre os longo, cheios e escuros cabelos da criança, ela acolhida com seu sorriso observava inquieta Bao brincar com uma cobra em meio as crianças.
— Acabamos. — Declarou erguendo se junta da menina. Tocando um dos ombros da mesma, a mulher estimula Akame a juntar-se com as outras crianças, mas ela permanece no mesmo lugar. — Quer que eu a leve? — Akame nega com a cabeça. — Não quer brincar?
— Demônios não brincam… demônios machucam. — Alegou levando uma das mãos ao pequeno chifre em meio aos seus cabelos.
— Antes de ser um demônio, você é uma criança, uma criança igual a qualquer outra… e não Akame nem todos os demônios machucam, olhe para nós, olhe para você… somos todos demônios e nunca machucamos ninguém.
Agora confiante de si mesma, ela corre em direção às crianças que ainda se divertiam com a cobra. Saltando de um lado para o outro, elas corriam do bote da serpente que agitada ia para todas as direções. Faltando pouco para que pudesse participar da diversão ela continua a correr quando deveria recuar… Ao notar que seria picada, Akame age em sua defesa e agarra a serpente pela cabeça e não a solta até que essa pare de se mover.
Assim que Bao puxa pela cauda da cobra e a joga sobre a areia as crianças tornam a pular e gritar, mas a brincadeira já havia terminado.
Observando as crianças que se afastaram dela, Akame encara a cobra morta no chão segundos depois e suspira, ela estava certa, demônios não brincavam, demônios machucavam.
Sentindo os pelos de Bao sobre sua mão, ela relembra que as únicas crianças que brincavam com ela, eram suas irmãs. Subindo nos pelos de seu guardião, eles correm pelas terras do deserto deixando apenas poeira.
— Mamãe, para onde eles vão? — Perguntou apontando em frente.
— O que vocês fizeram? Akame! — Retruca dando alguns passos a frente onde seu marido Gang para seus movimentos de combate para entender melhor.
— Nada. A cobra morreu, então paramos de brincar.