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6- Jogo ganho

Khadija

O jardim estava banhado de sol naquele fim de tarde. Sereno, verde e dourado. Me afastei da janela e sentei na minha cama.

Uma coisa eu tinha que reconhecer, nosso povo era muito amistoso. As mulheres, mesmo que não falassem minha língua, não sabiam o que fazer para eu me sentir feliz e confortável.

Titia nem se deu ao trabalho de ficar comigo, estava aproveitando as despesas pagas pelo meu noivo, agora marido, e batendo perna na Medina.

A porta se abriu e minha tia entrou no meu quarto, sorriu quando me viu. Tirando o lenço preto que usava na cabeça suspirou:

—Allah! Aqui é tudo tão lindo. Essa casa, então, maravilhosa.

—Gostei muito da tia de Zafir. Uma pessoa simples e prestativa. Tem uma casa tão grande e nem parece dona dela.

Zilá se aproximou de mim com uma sacola na mão.

—E dele? Você não me disse nada se gostou do seu noivo?

Eu suspirei.

—Conhece o ditado Zilá? Sempre desconfie do Sultão, do mar, da sorte e do amor. Principalmente se estiverem sorrindo para você?

—Conheço, mas conheço outro também: "todo amor existe para ser correspondido; se a correspondência cessa, cessa também o amor. "

—Eu não quis dizer que não irei corresponder. Eu tentarei amá-lo! Só que estou com meus pés no chão.

Zilá pareceu não ouvir minhas considerações finais e se sentou ao meu lado com um sorriso no rosto. Abriu a sacola. Estendeu em cima da cama um lindo lenço vermelho com tons pretos.

—Comprei para você. Mais um para a sua coleção. —Ela sorri para mim. —Não esqueça de usá-lo quando sair de seu quarto. Não estamos na Inglaterra, precisamos nos adequar aos padrões e costumes locais.

—Pode deixar minha tia, minha mala está abarrotada deles, como se acenassem para mim. Não irei me esquecer. —Eu a observei atentamente. —Você sabe se Zafir é muito tradicional? Segue às tradições rigorosamente?

Minha tia me olhou pensativa.

—Isso eu não sei dizer. Nós te educamos de acordo com os padrões rígidos para seu próprio bem. Se ele for, você não terá problema em se adaptar.

Eu assenti para ela.

Allah! Espero que não. Adoraria me livrar daquelas roupas de titia solteirona.

No dia seguinte eu acordei cedo. Esse era o nosso "dia da noiva".

Tatuada nas mãos e nos pés com hena, que segundo às tradições árabes, trazem fortuna, felicidade, e afastavam os maus espíritos que podem atrapalhar o casamento.

A maquiagem foi feita por uma experiente senhora de meia-idade. Sei que era experiente pela agilidade que me pintou e o resultado excepcional que vi quando me olhei no reflexo do espelho: Meus olhos bem delineados os lábios volumosos. Tudo muito lindo. Chegava a ser extravagante, mas não para esse dia.

Meus cabelos novamente foram escondidos num véu grosso de tecido e renda.

Fiquei à espera do horário para colocar o vestido. Quando deu o horário, minha tia me ajudou a colocá-lo.

Ela, então, sentou-se na cama e me olhou com cara de quem estava realizando um sonho, ficou ali emocionada, emudecida com lágrimas nos olhos a boca aberta. Meus tios só tiveram um filho, que hoje era casado, já beirava uns quarenta anos. E era a primeira vez que casavam uma mulher na família.

Eu sorri para ela tentando acalmá-la e me olhei no espelho. O vestido era branco e extremamente pesado, comprido, beijava o chão. Pedras prateadas incrustadas nele davam um toque luminoso.

Quando me virei para ela, titia estava de pé, ainda boquiaberta.

— Rā'i’! (Maravilhoso) eu vou me juntar aos convidados. Quando for a hora eu te chamo. —Ela disse com a voz embargada.

Droga! Ela precisava me acalmar, mas ao contrário disso, ela me deixava mais nervosa.

Eu respirei fundo e assenti para ela com um sorriso nervoso. Os minutos de angústia tinham passado. Afinal, meu marido era atraente, e não feio como eu imaginei. Eu teria uma vida com muito luxo ao lado dele, embora isso não fosse o que eu buscava em um homem, mas sim que ele tivesse senso de humor, que fosse carinhoso, atencioso e fiel. Exatamente essa impressão que ele me passava. Enfim, eu estava me sentindo mais segura e feliz agora.

Minutos depois titia entrou.

—Allah! A festa está linda. —Ela suspirou. —Está na hora.

Titia abriu a porta do quarto para eu passar arrastando meu pesado vestido. Caminhei no extenso corredor, passei por uma área verde a céu aberto e entrei em outro mais curto até uma grande porta fechada. Atrás dela eu podia ouvir toda a movimentação da festa. Música árabe num volume agradável, pessoas felizes conversando.

Ela abriu a porta.

Numa passada de olhos vi muitas pessoas que me aguardavam no local decorado com palmeiras, véus coloridos. Dançarinas de dança do ventre com roupas coloridas entre os convidados. Três mesas dispostas em cantos estratégicos com salgados, outra com doces e bebidas não alcoólicas.

Sons de tambores anunciaram minha entrada. Logo fui conduzida para um trono. Ao me sentar nele, quatro homens o suspenderam. Com muita dança ao meu redor, palmas e alegria eu fui conduzida ao meu noivo que estava sentado em um trono fixo, me esperando.

Quando nossos olhos se encontraram, meu coração disparou. Ele estava lindo. Vestido com uma roupa típica árabe num tom preto e dourado, o dishdasha. ) por cima o Bisth (túnica dourada por cima do kandoora), o tarboosha (cordão branco trabalhado).

Os cabelos negros brilhavam. Seus olhos negros pousados em mim, eram tão intensos que por um momento prendi a respiração.

Conforme o meu trono se movimentava, convidados jogavam pétalas de rosas, dando vivas de alegria fazendo o ozagharit.

Próximo a ele, meu trono foi baixado. Com o coração agitado, segurei o vestido e saí. Zafir se levantou e foi ao meu encontro. Estendeu sua mão em minha direção. Eu a segurei, sentindo um arrepio percorrendo todo o meu corpo. Ele me conduziu a um trono fixo ao lado do dele e se sentou.

Lá ficamos com:

As mãos unidas.

Troca de olhares.

Meios sorrisos.

Acompanhamos toda a festa naquela cumplicidade gostosa. Amigos, familiares, vizinhos, dançavam, comiam, batiam palmas.

No auge da festa, homens com roupas típicas adentraram o salão onde dançaram com espadas. Em grande estilo caminhamos por baixo delas até a pista de dança, onde moças dançariam com candelabros. Esta dança tinha o significado de iluminar o caminho e trazer prosperidade ao casal. Ao final da dança nós apagaríamos as velas para recebermos sorte.

Com muita alegria e mãos unidas eu e Zafir dançamos entre os convidados, juntos com as moças dos candelabros. Quando finalizou a dança, apagamos as velas.

Agora era à hora da despedida. Zafir pegou minha mão e caminhamos em direção a um corredor onde acessaríamos uma ala mais sossegada e reservada para o casal. Saímos do salão com muito cortejo e alegria. Quando alcançamos o corredor a porta foi fechada atrás de nós.

Com a respiração entrecortada e o coração agitado, caminhamos de mãos dadas por aquele extenso corredor em direção ao quarto.

O cômodo estava iluminado pelas velas, bem silencioso. A cama com um lindo dossel, coberta com lençóis brancos de cetim nos esperava. O bakhur em cima de um aparador perfumava o ambiente deixando o ar com aquele frescor aromático.

Me virei para Zafir me sentindo nervosa, afinal eu estava com um completo estranho.

O que eu sabia dele?

Apenas o que eu tinha pesquisado pela internet!

Meus tios não abriram nada para mim, com a desculpa de não me gerar ansiedade. Para que eu o conhecesse não de ouvir falar. Dizendo que isso instigaria em mim à vontade de conhecê-lo melhor, não atrapalhando a ordem natural das coisas. Que era para eu confiar na escolha deles, que eles escolheram o melhor para mim.

Zafir trancou a porta e se virou. Seus olhos intensos passaram pela minha figura em pé, parada ali, no meio do quarto. Ele sorriu para mim. Tentei retribuir o sorriso, mas não consegui. Piscando, me sentindo perturbada, desviei meus olhos dos dele. Meu nervosismo aumentou quando ouvi ele se aproximar. Num gesto mais extremo, lhe dei as costas, com a respiração entrecortada.

Como negar-lhe algo?

Eu podia ver o desejo nos olhos dele.

Tomei algumas respirações, imaginando como diabos eu ia explicar que eu precisava de um tempo, sem soar que eu o estava rejeitando na nossa primeira noite? Como se ele não fosse atraente o suficiente. Embora, ele não parecesse o tipo de homem inseguro quanto a isso, não sei se ele se sentiria menosprezado ou rejeitado.

Ouvi o som de seus passos mais perto, vindos na minha direção rasgando o silêncio.

—Relaxe. Você está muito nervosa. — Sua voz, macia e profunda perto de mim, rompeu os meus pensamentos em guerra.

Seu perfume masculino almiscarado invadiu meu nariz e era tão bom que dava vontade de me afogar nele. Eu me virei para ele. Ainda dura, ainda covarde, encontrei seu olhar cheio de desejo. Continuei ali, parada sem saber o que dizer ou fazer, me sentindo acuada. Eu podia sentir o calor de seu corpo, de tão próximo que ele estava de mim.

—Eu...—Ele tocou meus lábios com o dedo indicador cortando minhas palavras. Passou o dedo neles de leve.

—Vire-se. Vou te ajudar tirar esse lenço. Quero ver seus cabelos.

Relaxa. Ele só vai tirar seu lenço. Eu tentei me enganar, dizendo isso para mim mesma; tentando controlar minha tremedeira.

Com o coração martelando no peito, eu me virei. Ele começou a desamarrar o laço que ficava escondido na minha nuca. Como uma destreza e delicadeza como se já tivesse feito isso antes, senti o ar fresco do ar condicionado nos cabelos quando ele o retirou.

Meus cabelos estavam presos em um coque baixo. Quando vi, eles caíram como cascata nas minhas costas. Ele tinha tirado o grampo que os prendia com uma sutileza tão grande, que eu nem senti.

Suas mãos nos meus ombros me viraram para ele. Seus olhos passaram por meus cabelos castanho-claros com nuances douradas, depois pelo meu rosto. Ele fazia isso como se bebesse minha imagem.

—Linda!

Eu tremi da cabeça aos pés quando me deparei com a intensidade dos olhos dele. Eu sentia como se o meu desejo por ele estivesse trancado dentro de mim.

Zafir era o homem mais atraente que eu já tinha visto na vida. Mas o meu nervosismo atrapalhava tudo, eu sequer tinha sido beijada por um homem. Nessa arte, amor, namorado, relacionamento eu era zero à esquerda.

Ele ergueu sua mão para tocar meus cabelos, parecia fascinado por eles. Num reflexo impensado eu afastei minha cabeça.

Ele baixou a mão.

—Relaxe, não faremos nada que não queira. —Eu respirei fundo, meus ombros relaxaram. Ele me olhou calmamente, com aquela paz de espírito que eu já tinha visto nele. —Bem melhor. —Ele respirou fundo, talvez estivesse exercitando a paciência comigo. —Vou tocar seus cabelos, posso? Quero sentir a textura deles.

Eu assenti. Ele ficou sério, e ergueu sua mão. Logo senti seu toque suave correndo por eles.

—Macios, Lindos e brilhantes. —Ele disse com um sorriso travesso. —Como imaginei. Você é muito linda, sabe disso?

Ele não me bajulava, parecia genuinamente admirado com a minha beleza e eu sorri levemente para ele. Zafir sorriu de volta e se aproximou de mim, colocando suas mãos na minha cintura, seu corpo se aproximando mais do meu.

Me deu aquele olhar manso, embora sua posição agora fosse muito longe disso.

—Já foi beijada? —Ele perguntou curiosamente, me estudando atentamente.

—Não. —Respondi mais calma, sentindo-me de repente atraída por sua boca.

Seus lábios se ergueram num sorriso. Não debochado, mas, como se ele realmente apreciasse isso. Uma quantidade incerta de tempo passou enquanto seus olhos viajavam meu rosto e pararam em meus lábios. Eu estava quase sem respirar, de frente para ele. Meu coração trovejando no meu peito e meu corpo formigando em todos os lugares. Ele me trouxe mais perto e se inclinou para mim, sua testa se encostou na minha, seu nariz no meu. Seu toque era leve e cauteloso.

Tão doce....

Seu perfume almiscarado me deu conforto e eu fechei meus olhos. Seu calor tão deliciosamente bom contra a minha pele me acalmou. Ele se ergueu um pouco e me puxou mais para ele enquanto seu nariz se esfregou nos meus cabelos. Aspirando, sentindo o cheiro deles. Eu respirei fundo, naquela guerra entre os meus desejos e meus nervos.

Ele se afastou, e quando ele fez isso eu sabia que ele ia me beijar, pois suas mãos se ergueram e entraram por trás da minha nuca, seu polegar no meu rosto o erguendo para ele. Eu fechei os olhos. Minha respiração se tornou um assobio.

Estremeci quando senti seus lábios nos meus, ele sussurrou contra eles "Abra a boca".

Eu obedeci, logo sua língua tocou a minha tremulando nela. Eu, instintivamente movi meus lábios contra os dele e o senti estremecer. Quando me dei conta, minhas mãos pareceram ter vida própria, pois subiram e eu enfiei meus dedos nos cabelos dele, trazendo sua cabeça mais para mim.

Seus lábios correram meu rosto, meu pescoço, e quando seguiram para um pedaço do meu colo eu endureci. Ele percebeu isso e ergueu seu rosto, mas sem se afastar ou tirar suas mãos do meu corpo. Nossas respirações saiam de nós agitadas.

Seus olhos estavam dilatados de desejo, os meus nem sei, eu o olhava entre encantada com o que eu estava sentindo, e medo do que estava por vir.

Sua respiração aliviou um pouco, e ele olhou para a minha boca momentaneamente. Com muita delicadeza, pegou uma mecha do meu cabelo dourado e o colocou atrás da minha orelha.

Ele então, respirou fundo e se afastou de mim.

—Eu terei calma com você. Tire esse vestido pesado. Sei que não deve ser fácil estar dentro dele. Hoje nós não faremos nada, apenas dormiremos juntos.

Eu congelei completamente surpresa. Meu coração parou, mesmo para uma batida. Meus olhos se arregalaram quando olhei de volta para ele. Encantada com sua sensibilidade.

—Vamos seguir nossas tradições. Depois que tirar esse vestido e colocar algo mais confortável, lavarei seus pés. Então, se quiser, podemos conversar, nos conhecer melhor...

Eu sorri encantada.

—Eu gostaria muito disso.

Ele não parecia estar chateado com meu travamento, ao contrário, me olhava como se fosse um jogo ganho e só precisasse de tempo.

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