5-Cordeiro sacrificado
Khadija
Caminhei me sentindo dentro de um ritual de abate, onde o cordeiro seria sacrificado, no caso "eu".
Meu destino?
Unir-me a um homem que nunca vi na vida.
Eu não o conheço.
Estremeci pensando nisso. Minhas pernas quase falharam na breve caminhada até a porta em formato de arco, que foi logo aberta por uma das mulheres. Eu caminhei até ela como uma condenada, meus pés pesados como se estivessem presos em correntes, carregando duas bolas de chumbo.
No momento que pisei na sala, eu o avistei. Ele era alto. Os cabelos grossos como carvão. Passei meus olhos pela sua calça social preta que envolvia suas pernas e acentuava sua estreita cintura. A camisa branca não era apertada, mas realçava seu corpo. O casaco preto e a gravata preta completavam o visual e emanava poder e sexo. Ele estava de perfil, pensativo, em frente a uma janela, olhando para um lindo jardim.
Quando ele nos ouviu, ele se virou.
Olhos nos olhos.
Choque!
Allah! Meu coração parou, pulou e agora martelava forte no meu peito.
Ele é....jovem, deve ter uns trinta anos. Lindo é pouco para descrevê-lo....
Minha boca secou imediatamente quando senti o baque violento da perfeição daquele homem. Ele era simplesmente o oposto do que eu imaginava. Meus olhos não conseguiam desgrudar dos deles. Aqueles lindos olhos negros pareciam hipnóticos.
O tipo de olhos que nunca se esquece. Nem por um único segundo de sua vida. Muito expressivos e agora eles me diziam que eles estavam surpresos.
Eu o olhava enigmática, sem demonstrar minhas emoções, mas fervendo por dentro.
Ele sorriu e me observou astutamente, me lembrando o de um falcão à espreita de sua presa, seus olhos correndo por minha figura parada ali na entrada da sala.
Um misto de sentimentos me assolou, sensações confusas, e o que mais eu identifiquei foi “medo.”
Desde que meus pais morreram, eu vivia cercada por lembranças de um passado que não voltava mais. Meus tios quando me assumiram, o fizeram com uma condição, a que eu lhes fosse submissa. Confesso que no fundo eu queria mudar meu mundinho certinho e solitário. Eu realmente gostaria que meu casamento desse certo.
Mas vendo-o agora, eu me perguntava:
Ele era um gênio ruim vestido com suas melhores roupas? Ou um cordeiro vestido com roupas de Lobo?
Lindo! Engoli minha baba antes que ela descesse pela minha boca.
Ainda bem que eu era muito hábil para esconder meus sentimentos. Aprendi com anos de sofrimento sem meus pais e tendo que lidar com às tradições rígidas que meus tios me impuseram.
Ele também me avaliava com interesse. O vento que entrou pela janela aberta, soprou mais forte e empurrou uma parte de seu cabelo em sua testa, transformando-o num elegante caos, o deixando mais sexy.
Sexy?
Allah! Nunca permiti aflorar minha sexualidade e agora apenas alguns minutos na frente desse homem, e já usava termos quentes. Com certeza despertada por aquelas sensações desconhecida.
Seu grande corpo se moveu em minha direção. Eu baixei meus olhos, sentindo um tremor me percorrer. Mordi meu lábio inferior para impedir que eles tremessem.
Ele parou alguns passos da onde eu estava. Eu ergui meu rosto para ele.
—Zafir Youseef Xarif, seu noivo. —Ele se apresentou com uma voz profunda e bela.
Eu balancei minha cabeça suavemente. Ele passou a mão nos cabelos escuros e densos, para ajeitá-los como se estivesse deslocado, como eu.
—Khadija Zahrah Abdala.
Observei seu rosto de traços bem másculos com aquelas sobrancelhas negras, marcando os olhos negros e profundos. Foi então que a boca carnuda e sensual se moveu em um sorriso. Meu coração que já estava agitado, agora parecia que participava de saltos ornamentais. Fiquei encantada quando dentes perfeitamente brancos e covinhas na face se revelaram.
Ele então tirou a caixinha preta do bolso do paletó e estendeu a sua mão para mim. Eu engoli em seco antes de erguer a minha mão para ele. Quando ele abriu a caixinha, revelou alianças grossas com inscrições em árabe: "Maktub!"
Seus dedos morenos pegaram a minha mão branca, me causando arrepios. Ele colocou a aliança no meu dedo e logo em seguida me deu uma grande para eu fazer o mesmo na dele. Gritos de alegria encheram a sala quando finalizou esse rito. Só então me dei conta que havia muitas pessoas nos observando na sala.
Estávamos oficialmente casados agora.
Zafir não tirou sua mão da minha, pelo contrário ele a acariciou com o seu polegar, levando-a em seguida aos lábios. O meu nervosismo colocou tudo a perder pois eu senti os cantos da minha boca se inclinarem em um sorriso, que eu ainda não tinha dado, desde a hora que eu o tinha visto.
Seus olhos negros imediatamente foram atraídos para minha boca e pararam ali por alguns momentos e depois procuraram os meus olhos novamente.
Quando foi servido o sharbat, uma bebida de frutas e flores feita para comemorar essa ocasião, Zafir se afastou de mim e pegou duas taças, me entregando uma.
Zafir incitou um brinde.
—'iilaa zawaji walfarah walhabi w allah yamnahuna al'atfala. —Então olhou meus olhos. — Ao nosso casamento, a alegria, o amor e que Allah nos conceda filhos.
—Inshalá. (Se Allah quiser.)
Ao desejar, senti uma forte angústia, como se fosse uma advertência de Allah. Zafir sorriu para mim e pegou minha mão, e me levou até as cadeiras douradas com almofadas de veludo vermelho, onde nos sentamos para assistir o recital.
Ele, 1,85 metro, alto, ombros largos, peito estufado, efetivamente passava uma impressão de força. Seu rosto estava voltado para o cantor árabe que entrou. Eu, 1,60 metro, magra, frágil.
Eu me sentia como uma criança indefesa. Estremeci.
Eu fui jogada à fera?
Quem era Zafir Youseef Xarif?
Eu encontraria o caminho para o seu coração?
E eu? Amaria Zafir?
Quando ele virou a cabeça na minha direção, eu imediatamente desviei meus olhos dele e voltei minha atenção para o cantor. O recital começou.
Uma música árabe de amor se iniciou. Enquanto a música enchia a sala com uma melodia triste, eu podia sentir os olhos de Zafir postados em mim, um arrepio correu pelos meus braços ao sentir o calor dos olhos dele.
Estava vivendo um conto de fadas?
Rico, bonito, parecia ser educado. A impressão que ele passava era de um homem sensato, se assim não o fosse, não seria um CEO da empresa da família. Líder no mercado têxtil.
Eh, mas eu não podia esquecer que uma boa história de amor tinha um toque de drama ou tragédia antes do final feliz.
Nos apaixonaríamos e nosso amor seria provado? Ou eu passaria por essa etapa rumo à felicidade plena?
Seria um amor fulminante que se extinguiria em lágrimas e às vezes em guerra?
Uma coisa era certa, o amor teria que ser o suficiente para vivermos o "para sempre"....
Na minha cultura o "casamento halal" (halal- onde a intenção nunca foi de estabelecer uma família) Era algo condenável.
O divórcio não era visto como um brinquedo. Por isso o Islã ordenava que ele fosse levado muito a sério. Utilizando-se da separação somente em casos extremos, como no caso do adultério.
Na minha cultura o homem poderia repudiar a mulher, mas a mulher não tinha o direito de repudiar o homem. Ele tinha que consentir que o casamento terminasse, e antes disso passaríamos pelo conselho dos mais velhos. Se ele não quisesse separar, eu não poderia escolher a tormenta da solidão, mas sim à dor de viver com um homem sem amor, numa eterna decepção.
Sem ele perceber, eu passei meus olhos sobre ele. Agora que eu estava mais calma, pude observá-lo melhor. Ele parecia cansado, exaurido. Percebi isso pela sua expressão abatida, denunciada pelas suas olheiras.
Seus olhos caíram sobre mim e meu rosto ficou vermelho. Droga! Ele me pegou olhando para ele!
Zafir sorriu para mim. Meus lábios tremeram com um leve sorriso, tão leve que foi quase imperceptível. Forcei meus olhos se desviarem dos hipnóticos dele e me concentrei no cantor e na melodia.
Quando finalizou o espetáculo, aplaudimos com alegria. Ele me ajudou a me levantar da cadeira me dando sua mão. Estremeci em contato com ela.
Essas sensações sentidas pelo meu corpo, ao mais leve toque dele, era tudo muito novo para mim. Pisando firmemente no ladrilho vermelho, seguida pelos olhares de todos os presentes, eu e Zafir chegamos à outra sala.
Iabá, 65 anos, uma das tias de Zafir. Uma mulher bonita para sua idade, firme e decidida. Que com certeza seguia a religião, pois não usava maquiagem, joias ou adornos. Uma pequena mulher de pele dourada e olhos calorosos, nos trouxe um prato cheios de pequenos barquinhos de diversos recheios, ricota, patês de vários tipos.
Eu sorri gentil para ela, em agradecimento. O tempo todo, pela minha visão periférica, eu podia sentir os olhos de Zafir postados em mim.
Movida pela curiosidade e atração, que era difícil admitir, pois eu mal o conhecia, eu procurei seus olhos.
Ele sorriu e disse-me em árabe:
—Aibti samtuk jamila tun.
Eu não entendi suas palavras e envergonhada, expliquei:
—Eu falo pouco o árabe.
Zafir sorriu.
—Perdoe-me. Eu disse que seu sorriso é lindo. —Sua voz saiu suave, seus olhos passaram de leve por todo o meu rosto e eu saboreei a paz dele.
—Obrigada. — Sorri com o coração disparado.
Desviei meus olhos dos dele e me forcei a comer um canapé para ocupar minha mente com o sabor deles e me fortalecer para não desmaiar em seus braços.
Mastiguei pequenos pedaços, para não engasgar. Era impressionante como aqueles olhos negros me deixavam nervosa. Como se eles tivessem o poder de me tocar com eles.
Rico, sozinho, bonito, sexy: eu era a presa ideal para cair de amores por ele. Eu já me sentia nocauteada pelo seu charme.
Devia ter algo de errado com esse homem!
Eu me sentia como se tivesse ganhado um grande prêmio sozinha.
Não! Eu não queria estar enganada!
Clamei a Allah: Que nossa união seja perfeita. Alma e carne confundidas numa mesma chama. Uma doação, onde lutaríamos pela felicidade um do outro.
Zafir
Ela estava ali, ereta, altiva, rígida como uma rainha.
Lindaaaaaaaaaaaa.
Impressionante.
Enruguei minha testa. Fiquei ali me perguntando que diabos tinha acontecido? O que ela tinha, que provocou dentro de mim tamanho rebuliço interno?
Talvez o fato dela parecer madura mesmo sendo tão jovem. Parecia do tipo de garota mais difícil de se impressionar. Daquelas que precisavam ser conquistadas.
Autêntica, espontânea, do tipo que não forçava a barra tentando ser uma coisa que não era.
Eu estava ali, passando toda segurança e paz no meu rosto, mas por dentro eu fervia, como um adolescente na sua primeira explosão de hormônios. Como se um ímã imaginário que me puxava para mais perto dela. Nunca senti tal magnetizado por alguém. Eu queria que tudo acabasse logo. Todo rito, toda festa, tudo.
Passei meus olhos por seu colo coberto com aquele tecido grosso do vestido, pensei em como seria ela debaixo dele. Eu podia facilmente imaginá-la deitada nua na cama, clamando por meu toque, chamando meu nome. Os cabelos espalhados pelo travesseiro...seus olhos verdes alaranjados procuraram os meus.
Ela olhou para mim.
Allah!
Eu segurei seu olhar e lhe dei um sorriso, afastando qualquer pensamento indecoroso, por puro medo de assustá-la.