Capítulo 06
Carioca
Assim que voltamos da praia, eu nem fiquei em casa, brigar com a Fernanda me baqueia legal. Será que ela não entende que esse filho com a Susana não vai mudar absolutamente nada entre nós?
Nem sei se é meu realmente e isso ela vai ter que provar, mas ela não seria louca de inventar uma parada dessas, não pra mim.
Tava tudo pronto pro casamento, as coisas organizadas nos mínimos detalhes com a ajuda da minha mãe, ela adora um evento, por menor que seja. Aí do nada, aparece a Susana com esse papo de filho. Ela nem mora mais no morro desde a invasão, e quando saiu da cadeia não voltou pra cá.
Será que entre eu e a Fernanda sempre vai ter algo pra atrapalhar?
Meu telefone pessoal toca, olho na tela. E era minha mãe.
Penso em não atender mais uma vez, ela já ligou 1 milhão de vezes.
Atendo.
— Fala, mãe!
— Que história é essa de filho, Felipe?
Suspiro.
— Mãe, depois a gente conversa sobre isso, tá? Tô com a mente cheia! Você conseguiu colocar alguma coisa na cabeça da Fernanda?
— Qual mulher casada entenderia isso, meu filho? Aliás, recém casada, né? Isso é um absurdo, não podemos tirar a razão dela. — Ela ignorou totalmente o que eu disse sobre conversar depois.
— E você acha que eu não sei disso? Mas eu não posso fazer nada, a criança já tá aí, pô! O passado não volta, vou desligar que a minha cabeça tá explodindo.
— Para de fugir e vai conversar com a sua mulher!
— Não tô fugindo! Tô esperando ela se acalmar!
— Enfrenta a situação em que você mesmo se meteu!
Desligamos e eu parti pra minha casa. Minha mãe tem razão, esperar a Fernanda se acalmar não vai adiantar, precisamos conversar.
Quando chego, já está tudo escuro. Passo no quarto do Gabriel e dou um beijo nele que está dormindo e vou para meu, e quando entro, a Fernanda está mexendo no celular. Ao me ver, ela me ignora com o olhar.
Pego o controle remoto e desligo a televisão que estava ligada sem ela assistir nada. Quando ela se vira, fingindo que ia dormir, eu interrompo.
— Será que agora a gente pode conversar?
***
Prancha
Quase morri na mão do meu irmão, ele colocou o Rio de Janeiro de cabeça pra baixo até me achar e eu sei que isso não ficou barato. O Carioca deve torturado ele até a morte. Ele morreu no meu lugar.
Essa loucura do Matias em querer fazer justiça por algo que existia apenas na cabeça dele, foi deixando ele tão neurótico pra me encontrar, que nem notou que o ódio tava tomando conta dele a ponto de querer matar uma pessoa inocente em troca da minha vida.
Mas o que eu poderia fazer? O que a Fernanda tinha a ver com as minhas paradas?
No lugar dele, eu também não desistiria de encontrar o meu irmão, mas disciplina e auto controle precisam prevalecer. Eu não poderia simplesmente permitir que ele fizesse algo com alguém que foi importante pra mim. A Fernanda é uma pessoa legal, do bem, não merecia isso.
A culpa da morte dele, eu vou carregar pro resto da vida, foi por causa das minhas escolhas que o meu irmão morreu. Mas a ordem dos fatores não alteraria o resultado, de um jeito ou de outro, eu teria mais uma morte nas minhas mãos, se não fosse a do Matias, seria da Fernanda, porque ele ia matar ela.
Fiquei aliviado ao saber que ela se recuperou bem, não sei nada sobre a criança, se sobreviveu ou não, mas que é uma parada estranha ela como mulher do Carioca, isso é. Ele é um louco, perigoso, assassino e todos sabem que é doente de ciúmes por ela. E ela é o oposto dele, então é melhor que eu viva bem longe.
O Carioca com certeza quer me matar também. Chega ser irônico, terminei com a Fernanda por não ser um lance tão forte, mas principalmente pra não envolver ela nas minhas paradas e a vida coloca ela no caminho de um dos bandidos mais famosos do país.
Ninguém sabia que o Matias era casado. Assim como muitos policiais escondem a família, ele também fazia isso, nem a corporação sabia. Afinal, ser policial no Rio de Janeiro, não é para amadores, os familiares sempre são alvos visados, tanto na polícia quanto na bandidagem, isso é fato.
Lembro que ele comentou logo que cheguei no Rio, que tinha uma namorada, não cheguei a conhecer na época, ele não se abria muito, provavelmente até pela segurança dela, mas ela veio até o hospital me visitar, sabia de todo o plano e não concordava com ele, estava arrasada com a morte do meu irmão.
Percebi que ela não sabia os reais motivos, apenas que ele se meteu em coisa errada e eu não falei mais nada, quanto menos gente envolvida nisso, melhor. Colocar uma pedra nesse assunto é o plano, a mulher dele é uma mina da hora e não vai ficar desamparada, vou dar toda assistência que ela precisar.
Eu sobrevivi, por um milagre, como os próprios médicos disseram, tô ligado que ainda não era minha hora e agora tô aqui, subindo o Complexo da Pedreira. Estar envolvido no tráfico me trouxe inimigos, mas também aliados, e tudo que eu preciso agora é recomeçar, longe de tudo, mas principalmente longe do Carioca.
Eu ajudei a Fernanda porque eu quis, porque achei que era o certo a fazer, mas não quero ter que olhar outra vez pra cara do homem que matou meu irmão. Talvez, mesmo sendo controverso, isso despertasse em mim um espírito de vingança que é melhor deixar adormecido, então o certo é sumir. Não quero criar uma guerra com ele, mas principalmente com o LC, que é um cara puro e acreditou tanto em mim, na minha capacidade.
Mas essa coisa do crime tá em mim, eu gosto disso e vou continuar assim, só que agora em outra comunidade, recomeçando do zero e espero que o meu caminho nunca mais se cruze com o do Carioca.