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Santino Berluccine

Eu ergui o rosto ao me deparar com o grande casarão do meu pai. Meu coração se agitou no peito. Já fazia um ano, desde a minha última visita. A casa estava com aparência de abandonada. As plantas ao redor, que antes eram bem cuidadas, pareciam mato alto, sem nenhum toque de paisagismo.

O passado, que sempre me atormentou, agora estava à minha frente novamente, querendo me assombrar. Aquele lugar representava toda uma vida deixada para trás. Desde o maldito dia do meu acidente.

— Senhor... — Disse o motorista, não me olhando muito no rosto ao parar em frente da casa enorme. —Tem certeza que é este é o lugar? O senhor está um bocado de tempo olhando para a casa.

Por um momento, eu perdi a habilidade de falar.

—Sim, é esse. — Respondi, recompondo-me. Tirei algumas cédulas da carteira. —Fique com o troco.

O homem o pegou sem me olhar direito. Alguns me olhavam com insistência, outros faziam como ele. Por mais desconfortável que fosse a atenção pública diante do meu rosto deformado, com aquela horrível cicatriz, hoje eu encarava isso com mais naturalidade.

O motorista desceu do carro e pegou minhas duas malas e as colocou no chão. Depois que ele foi embora, eu, cheio de inquietação e tormento, bati com força na porta. Nenhuma resposta, já eram mais de três horas da manhã. Não insisti. Lola deveria estar dormindo. Estiquei o braço e passei a mão por um buraco que tinha em cima da porta, a chave extra estaria ali.

Bingo! Nem tudo tinha mudado, pelo menos isso permanecia como nos velhos tempos.

Peguei a chave e a virei na fechadura, agora era torcer para que ela se abrisse e não tivesse nenhuma tranca a mais nela. A porta se abriu. Tranquei a porta e não me dei o trabalho de acender as luzes, estava tão exausto que a claridade não faria nada bem para os meus olhos cansados. Levei apenas um momento para que meus olhos se ajustassem a claridade baixa do ambiente. A iluminação lá de fora incidia sobre a sala, vindo dos grandes janelões e isso, aos poucos, me ajudou na visualização de tudo.

Caminhei em direção a escada que daria aos quartos. Só em pensar em subir, a onda de exaustão se elevou. Suspirei e comecei a subir, degrau por degrau, um de cada vez.

No corredor caminhei até meu antigo quarto sem fazer barulho, não queria acordar Lola, e muito menos a enfermeira que cuidava de meu pai.

Alguns segundos depois, abri a porta do quarto. Estava um breu, mais escuro que a sala. Tentei localizar o interruptor tocando a parede.

Merda! Ele ficava aqui. —Pensei comigo. —Depois de muito tatear a parede para encontrá-lo, desisti.

O quarto estava bem escuro. Caminhei tirando os sapatos em direção ao criado mudo, onde deveria ter um abajur. Esfregando meus olhos cansados, tirei a jaqueta de couro e a joguei no chão, desafivelei o cinto da minha calça e continuei a caminhar até meu pé afundar no tapete macio ao lado da cama. Quando dei outro passo, pisei em algo duro que me fez ver estrelas.

—Merda! —Blasfemei.

Passei meu pé sobre o objeto de novo. Ao toque pareciam sapatos.

Sapatos de salto altos?

Nessa hora ouvi um movimento na cama.

Tinha alguém dormindo na cama!

Meu coração se agitou no peito. Estendi a mão e achei o criado mudo e depois o interruptor do abajur, o acendi.

Com surpresa vi uma linda mulher adormecida bem no meio da enorme cama. Os cabelos longos e loiros estavam sedutoramente espalhados pelo travesseiro. Fiquei estático.

Não! Não podia ser! Não desse jeito, não agora! Eu tinha me preparado mentalmente para isso, mas não para esse preciso momento.

Cazzo! Non in questo modo. (Droga! Não assim desse jeito!)

Meu coração disparou no peito e meu estômago embrulhou. Fiquei a olhar para ela, sem saber o que fazer. Ela então espreguiçou-se languidamente e virou o rosto em minha direção. Eu prendi o ar dos pulmões.

A luz do abajur acesa a incomodou e ela piscou os olhos e aos poucos os abriu. Quando ela me focalizou, sentou-se abruptamente, segurando o lençol junto ao peito nu. Seus olhos se arregalaram em choque. Soltou então uma exclamação abafada e depois gritou, um grito tão ardido que doeu meus ouvidos.

Cazzo!

Eu não consegui falar naquele primeiro momento. Era muito para a minha cabeça. Apenas estendi as palmas das mãos para que ela não gritasse mais. Era uma forma de dizer que estava tudo bem.

Eh. Talvez não! — Foi pior, ela saiu rápido da cama levando o lençol preso ao corpo. Estava prestes a gritar novamente, quando eu consegui sair daquele bloqueio mental e falei rápido.

—Pare! Eu não vou te fazer mal algum.

Eu tinha consciência da minha figura parada ali. Acordar assim, com um homem desfigurado como eu, era realmente assustador. Uma grande tristeza apertou o meu peito.

—Fique longe de mim! —Ela disse pegando um copo vazio do criado mudo e o erguendo para me acertar.

—Não, não faça isso. Eu sou...filho de Lúcio. —Eu disse, com o coração agitado para a linda mulher à minha frente, que estava muito assustada com minha tenebrosa presença.

Os grandes olhos verdes piscaram para mim. Ela parecia afogueada. Seu corpo então foi relaxando.

—Eu sei quem...você é....—Notei que seus ombros se afrouxaram enquanto falou em meio a um suspiro.

Meu coração parou de bater com suas palavras, minha espinha formigou.

Aquilo era um pesadelo.

Fechei os olhos, achando que ela teria desaparecido quando eu tornasse a abri-los.

Luzes fortes no quarto me fizeram abrir meus olhos.

— Meu Deus! Santino!

Eu virei minha cabeça em direção a voz, me sentindo como se estivesse nu. Totalmente consciente que, a luminosidade do quarto, deixaria meu rosto mais exposto. Ao ponto de eu estar me sentindo deslocado e transtornado. Já fazia um bom tempo que a cicatriz e as queimaduras não me incomodavam tanto quanto nesse momento, era a primeira vez que eu enfrentava Marina, assim.

—Tia Lola. —Eu sorri para minha tia e caminhei até ela com os braços abertos, cansado demais para disfarçar que estou mancando. Logo recebi seu abraço apertado e um beijo no meu pescoço.

Ela fungou, eu a apertei em meus braços, emocionado. Quando a fitei, meus olhos brilhavam pelas lágrimas.

—Meu querido, pensei que viesse amanhã cedo.

—Mas é cedo, tia. E olha que foi difícil encontrar uma passagem, todos os voos estavam lotados.

Ela sorriu ainda emocionada.

—Mas não tão cedo.... Bem, mas que bom que já está aqui!

Lola virou seu rosto para a linda mulher que nos observava. Agora era a hora da verdade e eu me angustiei.

Ela se lembrava de mim?

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