CAPÍTULO 11 – A HIBRÍDA
- É possível que eu volte à minha forma humana? – Dei um leve saltinho de felicidade, imaginando se poderia voltar a ser o que era antes.
- Manter-se na forma humana requer muito esforço, autocontrole e treinamento... – Virando as costas, ele me olhou por cima do ombro, indicando com o focinho que o seguisse. – ...consome muita energia, por isso, passamos a maior parte do tempo em nossa forma lupina...
- Pensei que ficassem assim para parecerem mais assustadores. – Comentei, começando a seguir para fora da cabana.
- Também, mas esta é a nossa forma mais forte... Vocês humanos... - abaixei a cabeça quando ele mencionou como se eu ainda fosse humana. Ele parecia ter notado. – São muito frágeis e fracos! - Seus olhos cintilaram quando o lobo à minha frente começou a farejar o ar, como se buscasse algo nas redondezas.
- Por quanto tempo é possível ficar na forma humana? – Comecei a imitá-lo, farejando o ar enquanto buscava respostas sobre o que havia me tornado.
- Isto depende da sua força; nós alfas conseguimos ficar por longos períodos indeterminados na forma humana. – Ele parou seu olhar em uma direção fixa, como se tivesse encontrado algo. Começou a correr, mas não tão rápido como o de costume, talvez para que eu pudesse o acompanhá-lo. – Os demais ficam no máximo 24 horas em sua forma humana; alguns não conseguem manter sequer uma hora... Isto depende da sua força e controle.
- Seu amigo lobo parecia conseguir controlar bem a transformação. – Observei, lembrando de Oliver.
- O Oliver é um Beta, segundo mais forte da alcateia, ele consegue ficar por um longo período em sua forma humana... Com a minha energia próxima! - disse eu.
- Sua energia? - perguntei
- Sou Alfa por uma razão, humana...- Ele voltou o focinho a frente, apertando a corrida e obrigando-me a se esforçar para o seguir. Sentia minhas patas arderem na mata, percebia as vibrações dos animais, tinha a audição aguçada e o olfato apurado. À frente, senti o cheiro de algum animal que não conseguia identificar.
Quando alcancei o alfa, ele estava agachado entre o arbusto, repeti seus movimentos, tentando recuperar o fôlego antes de continuar nossa conversa estranha.
- Não sou mais humana... Por que insiste em me chamar assim? - questionei por fim, enquanto tentava equilibrar a respiração.
- Você pensa e age como humana. - A rispidez com a qual ele falava “Humana” era palpável. - Como acha que eu deveria a chamar?
- Tenho um nome, sabia? Me chamo Sophie... - parei, percebendo que não sabia o nome do Alfa arrogante. - Você tem um nome, não tem?
- Hunf, estúpida. - Ele exclamou, me ignorando por completo.
Saltando sobre um cervo, o lobo cinza com mexas prateadas abocanhou o tornozelo do animal o impedindo-o de correr. Com as garras afiadas, ele fincou em sua traseira.
- Venha, humana, finalize a caça. - O rei ordenou. Parei angustiada com o sangue a minha frente, mas a loba dentro de mim salivava diante da presa carnuda.
- Eu... Não consigo. - Sussurrei.
Seu rosnado foi estrondoso e ameaçador. - Ou você caça ou terá um destino pior do que o desta presa!
Engolindo em seco, me aproximei e ele orientou.
- Morda abaixo do seu pescoço com o máximo de força que conseguir, tente ser rápida para que ela não sofra tanto! - avaliei a presa travada entre suas garras, que se debatia em desespero.
Fechei meus olhos, tentando conversar com a loba que sentia que estava ali presente. - Me ajude.
Abri os olhos predatórios e, com voracidade, abocanhei o pescoço do cervo, ceifando sua vida rapidamente. O sabor de sua carne trouxe meu animal primitivo à tona, fazendo-me balançar a cabeça de um lado para o outro enquanto o devorava.
- JÁ CHEGA! – o Alfa gritou. – Controle sua loba interna, HUMANA!
Paralisei, percebendo que havia perdido o controle por alguns segundos, minha racionalidade escapando por entre os dedos. Odiando-o por me forçar a caçar, fitei-o com chamas nos olhos:
- EU ODEIO TER ME TORNADO UMA DE VOCÊS!
Sem se importar com as minhas emoções, ele soltou o animal e se aproximou da minha boca ensanguentada.
- Você não é o que eu gostaria que fosse, mas serve, - ele declarou friamente, fitando-me com olhos intensos. - Vai aprender a caçar, vai aprender a amar sua loba e aprenderá a ser grata por sua benção. - Ele rosnou, mordendo-me na lateral, o que me fez arfar de dor. “A propósito, me chamo Harvey.”
Ele me soltou bruscamente, pegando a presa de volta, e começou a arrastá-la em direção à cabana.
- Olhei para trás pensando em fugir, mas para onde iria? - refleti.
Voltei a seguir o monstro à minha frente em silêncio. Realmente, não podia desistir de viver. Meu sobrinho não teria a menor chance de sobreviver nas mãos deste lobo sanguinário.
- Então, Harvey? – Perguntei, ponderando. – Não parece nome de lobo.
- E como seria o nome de lobos para você, humana? – Ele perguntou entre os dentes, enquanto arrastava a presa com facilidade. Ela deveria ter pelo menos uns 200kg.
- Não sei, Devon, Klaus, algo assim... - Respondi.
- Você vê séries demais. - Dando de ombros, ele rosnou. – Você não sabia da nossa existência?
- De criaturas como vocês? Todos sabemos. Também sei dos tratos entre espécies... Não sabia que podíamos entender o que falavam. – Confessei, lembrando das histórias do meu pai sobre nosso mundo, além das fronteiras da cidade. Lá, existe um pouco de tudo, e o mundo é dominado por casas: Lobos – Primeira casa, Bruxas e magos – segunda casa, humanos – terceira casa, e espécies não definidas – como quarta casa. A classificação existia do mais forte para o mais fraco, assim como no reino animal. Parando para avaliar, nós humanos não estávamos em vantagem.
- Sabe algo sobre os seus pais? – Perguntou, parando na entrada da cabana e me avaliando.
- O que quer saber sobre eles? – Fiquei na defensiva.
- Você tem a marca de uma híbrida. – Largando a presa no chão, ele adentrou na cabana, e eu o segui, confusa.
- Qual marca? – Olhei para trás – Vai deixar nossa caça lá fora?
- Não precisamos dela, temos comida suficiente aqui. - Parei diante de sua revelação, e ele prosseguiu:
- A heterocromia em seus olhos acontece apenas em híbridos, na mistura de espécies poderosas... Diante da cor dos seus olhos, o azul levemente acinzentado indica que você vem de um lobo poderoso, talvez um Beta ou até mesmo Alfa. – Seus olhos enigmáticos voltaram aos meus – O verde é uma característica rara das bruxas reclusas, conhecidas por seus poderes desconhecidos. - Continuei estagnada, lembrando do sonho. Seria possível que eu fosse filha de uma bruxa e de um lobo mesmo?
- Não sei nada do passado dos meus pais. – Confessei – Quem quer que eles tenham sido, mantiveram em segredo.
- Percebo que mentiras e segredos são características da sua família. – Dando de ombros, ele voltou a caminhar, me guiando pelo corredor até seu quarto.
- Não sei o que a Agatha fez para você... Ela deve ter tido boas razões, não era...- antes que pudesse concluir, ele entrou no quarto, batendo a porta na minha cara.
- Sem educação. – Rugi de raiva, dei meia volta e retornei ao quarto, que parecia ser minha prisão e refúgio.
