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Tentativa de homicídio

- Não para de pressionar! - digo praticamente em cima do volante, numa velocidade perigosa para alguém que claramente não sabia o que estava fazendo.

- E você presta atenção na rua - diz ele tencionando o maxilar.

Eu estava tentando. Sério, estava. Mas era difícil se concentrar, quando ao seu lado, seu irmão dava todos os sinais que estava perdendo uma grande quantidade de sangue que poderia sim, fazer falta para ele depois.

Freio bruscamente quando simplesmente, uma menina de aproximadamente 15 anos surge em frente do carro.

- Tá maluca?! - grito, batendo no volante - Poderia ter matado você!

- Bruna... - diz André baixo, me lembrando de sua existência.

- Desculpa - murmuro, afundando meu pé no acelerador e tendo como resposta, o carro morrer. Tento novamente, só conseguindo que o carro desse um solavanco forte para a frente.

André vira a cabeça na minha direção, com os lábios pálidos entre abertos e as pálpebras semicerradas.

- A marcha - sussurra.

Olho para a marcha sem saber o que precisava fazer.

Ele estende o braço, trocando a marcha, olhando novamente para mim.

Dessa vez, quando piso no acelerador, o carro obedece e vai para frente, dessa forma, continuo a dirigir.

O hospital mais próximo ficava alguns quarteirões na direção que estávamos e antes mesmo de estacionar, já sabia que seu interior estava cheio.

Entro no hospital sob o olhar de algumas pessoas, andando o mais rápido que André conseguia, até o balcão.

A enfermeira assim que nos nota, franze o cenho.

- Ele foi baleado - digo sem esperar por uma pergunta.

Ela se aproxima, retirando a camiseta e analisando o ferimento.

- Vem comigo - diz olhando nos olhos de André, que assenti.

Não acompanho ambos, prefiro ficar no corredor, já que não era muito adepta a ver sangue, cortes ou qualquer coisa do tipo.

O procedimento durou cerca de meia hora e quando André saiu, ainda estava meio curvado sobre o abdomên e com cartelas de medicamentos e gazes na mão.

- Bora - diz passando por mim, dou um meio sorriso para a enfermeira, antes de segui-lo.

- E aí? - pergunto quando já estamos do lado de fora do hospital.

- Só levei dois pontos.

- Você acha pouco?!

Ele suspira, abrindo a porta do carro.

- Poderia ter sido pior.

- Você poderia estar morto - digo séria, contornando o carro.

- Poderia, mas não estou.

Giro a chave na ignição, notando André passar a marcha.

Os primeiros minutos, é em completo silêncio. Esperava impaciente que André começasse a me explicar o que havia acontecido, mas pelo silêncio, não iria rolar.

- Vai me dizer ou não?

- O quê?

Olho para ele incrédula.

- O quê aconteceu? - Sugiro.

Ele continua com os olhos fixos na rua, parecendo escolher as palavras que iria usar.

- Eu já disse. Os caras apareceram do nada, começaram a atirar.

- Quem eram?

Ele dá de ombros.

- Não conhecia eles.

- E por quê atiraram? - Tinha que ter um motivo. Eu acreditava que tudo acontecia tinha um motivo e deveria ter um motivo para terem tentado matar meu irmão - André - Insisto - Você não é do tipo que faz mal para as pessoas.

Ele não era. O coração de André era muito melhor do que o meu e não conseguia pensar num motivo só, menor que seja, para alguém tentar matar ele.

- Eu não era - Ele murmura - Mas agora sou do tipo que faz.

Desvio o olhar da rua por alguns segundos, franzindo o cenho.

- Do que você está falando?

Ele não sustenta meu olhar.

- Precisava me virar, depois que fui embora. Encontrar emprego havia se tornado impossível, principalmente quando não tem experiência e nem terminou o ensino médio.

Aperto o volante, com um pedaço de mim sabendo que parte daquela decisão de André, tinha haver com nosso pai. Ele deixou André sem saída, quando não permitia que ele fosse para a escola e o tratava como um animal.

André preferiu para me acobertar, para eu poder ir para a escola, do que tentar seguir pelo mesmo caminho.

- Você está vendendo droga - concluo, sentindo minha garganta áspera.

- É. Eu tô.

Respiro fundo.

- A Rita sabe?

Rita não era o tipo de mulher que iria até para o inferno com quem amava. Duvidava que se ela soubesse, o abandonaria.

- Ela não gostou em saber.

- E com razão, não acha? - Ele passa marcha - Você pode ser preso e o pior...morrer - Olho novamente para ele - Quer dizer, você quase morreu.

- Quase. Mas não morri.

- Tá. Já entendi.

André faz questão de por a cabeça para fora do carro, quando entro na rua em que morava, para avaliar o modo que estacionava. Não conhecia alguém mais ciumento do que ele com seus objetos e isso incluía aquele corsa.

- Vai acabar com os pneus assim - resmunga, quando os pneus ralam no meio fio.

- Quem está dirigido? Eu, né?

- Da próxima vez, mesmo morrendo, eu dirijo - diz mau humorado.

- Idiota - Xingo baixo, deixando o carro praticamente e cima do meio fio.

Não ajudo André a descer do carro. Ele mesmo poderia fazer isso, já que mesmo morto, da próxima vez, iria dirigir.

Rita aparece de repente na porta da frente, nos olhando com a expressão preocupada.

- Onde vocês dois se meteram? Eu cheguei e... - Ela para de falar ao ver o marido sem camisa, sujo de sangue e parecendo um corcunda - O que aconteceu? - pergunta baixo, passando por mim.

- Levei um tiro - Ele murmura, observando-a analisá-lo.

- Meu Deus, André - Ela leva as duas mãos para a cabeça, antes de soltar o ar dos pulmões.

- Eu tô bem. Sério. Quase que foi de raspão.

- Hoje ele encrencou com a palavra quase - digo atraindo ambos os olhares. André revira os olhos, andando para dentro da casa - Isso. Me ignora - Rita se aproxima com os braços cruzados sob o peito, olhando para a porta aberta - Parece que algumas coisas você deixou de me dizer.

Ela inclina a cabeça para o lado.

- A gente tava na pior, Bruna. E o André não queria aceitar ajuda da minha mãe.

- Você tinha que ter me dito.

- E o que você iria fazer?

O óbvio.

Iria por na cabeça dele, nem que precisasse abri-la, que aquele não era o melhor caminho, que tudo não passava de uma ilusão e da mesma forma que aquele dinheiro vinha fácil, iria sair da vida dele que ele nem perceberia.

Lembraria André dos amigos de infância dele que morreram antes mesmo de chegar aos 20 anos, em como foi doloroso ver as mães deles desesperadas em cima dos corpos baleados, se culpando pelo o que havia acontecido.

Ou até mesmo dos viciados, que diziam que poderiam sair dessa vida quando quisessem, mas sabiam que não era algo fácil de se fazer.

E agora, a última coisa que queria que acontecesse, estava. Ele estava no tráfico e eu não fazia ideia de como tirá-lo com vida.

- Se eu tivesse falado com ele - murmuro - Ele mudaria de ideia.

- E você acha que não tentei? Foi a primeira coisa que fiz.

Eu acreditava que sim.

Rita esgotaria todas suas opções, antes de simplesmente aceitar.

- Vou tirar ele dessa - digo de repente, convicta de que conseguiria de alguma forma.

Ela dá um meio sorriso.

- Não tem como.

- Claro que tem. André não é usuário e não deve nada à eles.

- Rita! - André chama, a fazendo andar de imediato na direção da porta.

Fechando os olhos, respiro fundo, não conseguindo enxergar como a situação poderia ficar pior.

Naquela noite, Rita preparou a comida que ele gostava. Era bonito de se ver e até me fazia sentir inveja.

Eles eram perfeitos juntos.

Sabe aquele casal que acreditamos que só existe em filme? Pois é, é raro, mas ainda se encontra.

Rita era tudo o que André precisava, lhe dava todo o amor que nunca recebeu antes e era gratificante ver, como ele reagia em relação a isso.

Ele se mostrava grato a cada gesto, sorriso e olhar. E ela o olhava como se visse a joia mais preciosa do mundo.

Eles me faziam sentir inveja branca.

Terminava de ajudar Rita a limpar a cozinha, quando meu celular começou a tocar, ecoando por todo o cômodo minha música favorita.

O álbum da Giulia B era perfeito, conseguia fazer o quase nenhuma música conseguia. Me representar.

Hesito em atender ao ver o nome de Rodrigo.

- Não vai atender não? - Rita pergunta, me olhando por cima do ombro.

- Vou - Deslizo o botão verde para o lado, pressionando o aparelho contra o ouvido - Oi.

- Oi. Tudo bem?

- Tá sim.

- E... seu irmão, como ele está?

Suspiro.

- Ele está bem. Levei ele no hospital, ele foi medicado e agora está... - Olho para Rita.

- Dormindo - Ela sussurra.

- Dormindo - digo me virando.

- Nossa, que bom. Eu fiquei... preocupado, mesmo não vendo a situação que ele estava, mas só em ver o sangue, já percebi que era sério.

- Mas agora está tudo bem com ele - Breve silêncio - Está na boate?

- Fiz uma pausa agora. Sem você aqui é meio estranho. Não me acostumo nunca, quando é sua folga - Ele sorri - Mas, amanhã você vai vir? Ou vai ficar cuidado dele?

- Amanhã eu vou trabalhar. André tem a noiva dele, que cuida muito bem dele por sinal.

Outra pausa.

- Quero fazer isso um dia por você - diz ele baixo, quase que num sussurro, me deixando sem reação por poucos segundos.

- Nossa...

Rodrigo sorri novamente.

- É melhor eu voltar.

- Tá bom. Vai lá. Depois a gente conversa.

- Beleza - Desligo, colocando o celular em cima da bancada.

- Isso é um sorriso no seu rosto? - Rita pergunta.

- Não - digo ao me virar para ela.

- Pra mim você tá apaixonada.

Balanço a cabeça de um lado para o outro.

Não era algo que se dava para afirmar, já que fazia apenas 1 ano que namorávamos.

- Eu gosto dele. Só isso.

- Só isso?

- É - Essa certeza eu tinha. Gostava de Rodrigo, da companhia dele.

Dizer que ama uma pessoa, era algo forte demais e que tinha muito significado. Não podia ser dito da boca para fora.

- Então tá né.

No momento em que Rita estava prestes a voltar para a pia, tiros ecoam, nos paralisando. Uma sequência, seguida por outra e passos rápidos vindo do andar superior para o inferior.

Antes de sairmos da cozinha, André vem ao nosso encontro segurando uma arma.

- Por que você está com uma arma? - pergunto rapidamente.

- Pro fundo agora - diz ele me empurrando para a outra porta.

- O que foi, André? - Rita pergunta, tentando não demonstrar que estava assustada.

- A gente tem que fugir. Agora.

- Fugir pra onde? - pergunto novamente, me vendo contra o muro da casa.

Ele não responde, invés disso, ajuda Rita a pular o muro e depois eu, mesmo eu já me considerando uma expert nisso.

Quando dou conta, já estava em outro quintal e André correndo na nossa frente. Os cachorros ao redor começam a latir com toda aquela movimentação, mas nem isso intimidava André.

André já parecia saber o que tinha que fazer, diferente de mim, que me sentia completamente desnorteada ao me ver no meio da rua, ouvindo meu coração bater em meus ouvidos.

Na rua, corremos e mesmo não estando perfeitamente bem, André estava mais ágil do que eu. Isto me fez perceber que precisava praticar exercícios para não morrer de infarto.

- Pra onde estamos indo? - pergunto sem fôlego. André não responde. Paro de correr, me apoiando nos joelhos - André.

Ele para poucos metros de mim com Rita ao seu lado.

- Bruna, vem logo - diz ela com a voz urgente.

- Não dá. Não consigo mais.

- Para de ser mole e vem, Bruna - diz André, controlando a voz e principalmente a irritação.

Começo a andar na direção deles, sentindo minhas pernas doerem.

- Estamos fugindo de quem? - pergunto olhando para André.

- Descobriram onde eu morava. Tá legal? Enquanto não matar eles, não vão me deixar em paz.

Então tinha como a situação piorar.

- E pra onde a gente vai?

- Pro único lugar que acho seguro agora - Ele continua correndo, me obrigando a fazer o mesmo.

A cada passo que dava, era uma tortura e a impressão que tinha, era que estávamos subindo uma ladeira íngreme, que não tinha fim.

Um tempo depois, André para de correr e se aproxima de uma casa cujo o muro tinha mais de dois metros. Batendo o mais forte que conseguia contra o portão de ferro, enquanto olhava as saídas da rua.

O portão abre lentamente e André entra, me chamando com um gesto de cabeça.

Sigo ele, incapaz de correr.

Pelo menos, não iria ter que correr mais.

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