Átila
- Quem mora aqui? - pergunto olhando com atenção os quatro carros aparentemente caros.
Ninguém me responde.
Invés disso, minha pergunta se responde quando na porta do que deveria ser a sala, o cara misterioso aparece.
Puta merda.
Mais rápido que queria, tudo começa a se encaixar bem diante dos meus olhos.
- Molhou - diz André.
O cara para de me olhar e olha para André.
- O que foi?
- Descobriram minha casa.
Ele desvia o olhar, olhando o vazio.
- A gente tem que matar eles - diz o cara ao lado, soando perigoso - Vão caçar cada um de nós.
- Não, eles não vão - diz o cara misterioso calmamente.
- Como sabe? - Não soa como uma simples pergunta, era como se ele desafiasse ele.
Dou alguns passos pelo pátio, em busca de uma cadeira ou algum canto que pudesse me sentar.
- Estão atrás dela - Volto a prestar atenção novamente na conversa, ao sentir que ele estava falando de mim.
André olha por cima do ombro, mesmo sabendo que ele estava se referindo à mim.
- Minha irmã? - diz André, sorrindo sarcástico - Por que estariam atrás da minha irmã?! - E parecia que nem André sabia.
- Não percebeu? - André balança a cabeça de um lado para o outro - Não vê a semelhança? - André franze o cenho, me olhando atentamente - Isso explica muita coisa e esclarece também - diz com um meio sorriso, entrando na casa.
Olho para André sem entender nada.
Naquele momento ele continuava sendo uma pessoa estranha, dizendo coisas estranhas.
André não espera um convite para entrar, simplesmente entra em passos largos e não muito rápidos.
- Do que você tá falando, cara?
Paro na soleira da porta, não deixando de notar a sala com sofás colchoados bege e tv de 50 polegadas.
- Eles não sabem que ela morreu - murmura - ...consegue entender agora?
Por alguns instantes, o silêncio pondera, até André finalmente dizer alguma coisa.
- Acham que a Bruna, minha irmã, é ela - diz por fim.
- Exatamente isso.
André passa a mão pela cabeça.
- Minha irmã tá agora em perigo - diz num tom de angústia - E não era pra ela estar, por quê ela não tá nessa merda - Ele dá um passo na direção dele - Faz alguma coisa. Na primeira chance que eles tiverem, eles vão matar ela - Ele inclina a cabeça para o lado - Assim como fizeram com a sua mulher.
A expressão do cara misterioso não se altera, lembrava de uma máscara de tão perfeita.
- Posso evitar que isso aconteça, de novo.
André ri sarcástico.
- Qual é, Átila. Você não fez isso com a sua mulher.
- Mas é como se eu tentasse pela segunda vez - Ele me olha - Se você não percebeu ainda, ela é a cara dela.
André balança a cabeça de um lado para o outro.
Espera aí...
Era de mim que estavam falando e era eu que estava em perigo ali.
Como isso foi acontecer em algumas horas?
- Não quero morrer - digo percebendo que minha voz soara assustada. Ambos me olham ao mesmo tempo - André - Minha voz soa baixo - Não quero...
- Ninguém vai machucar você, Bruna - diz André impaciente.
Engulo em seco, olhando para Átila, o cara misterioso.
- Então deixa ele ajudar.
- O quê?! - diz perplexo.
- O que você pode fazer? Quase mataram você.
- Vou dar um jeito.
Abraço meu próprio corpo, incapaz de não pensar nas coisas horríveis que poderiam fazer comigo. Desde tortura até a morte.
E eu não queria ser torturada, muito menos morrer. Nenhuma dessas duas opções queria em minha vida.
Não percebo quando Rita se aproxima, apenas quando afaga meu braço.
- Bruna, você tá bem? Tá gelada.
- Vai pegar água pra ela - diz Átila para o cara ao seu lado - Com açúcar.
O cara obedece.
André se vira para mim, colocando as mãos na cintura.
- O que tá sentindo?
- André - Rita o repreende - Senta um pouco aqui, Bruna.
Sento no sofá mais próximo, não conseguindo não prestar atenção na maciez do sofá. Era o sofá mais macio que já tinha sentado em toda minha vida e olha que não sentei em muitos sofás.
O cara volta com um copo enorme, cheio até a boca e com dois dedos de açúcar.
- Tá querendo matar ela com tanto açúcar? - Rita pergunta.
- É mole - O cara deixa o copo e dá as costas.
Tomo um pouco do líquido, fazendo uma careta. Estava horrível e longe do recomendável.
- Podem passar a noite por aqui - diz Átila - Tem quarto o suficiente pra todo mundo lá em cima.
- Melhor não - diz André, sem pensar muito.
- E você tem um lugar melhor pra ir? - pergunto, o fuzilando no olhar.
- A gente pode ir pra casa da mãe da Rita - Ele propõe.
- Não acho uma boa ideia, André - Rita murmura - Só o fato da Bruna estar em nossa casa, já tá em perigo. Não quero por minha família também.
E ela não estava errada.
André me olha.
- A gente pode ir pra casa - Dá de ombros.
Estreito os olhos, perplexa.
- Você não está falando sério.
- Lá não tem ninguém importante. Então...
Isso comprovava que André já não tinha o mesmo coração, já que mesmo sabendo que Tati não era uma madrasta má, ainda queria correr o risco de matarem nosso pai por engano.
- Não - digo séria.
André inspirou profundamente, voltando a olhar para Átila.
- Vamo ficar.
- Os quartos ficam lá em cima - Ele me olha, antes de voltar a olhar para André - Tão com fome?
- Já jantamos.
- Mais seria bom, se... - Automaticamente atraio os olhares - tivesse alguma coisa pra comer. Fico com fome quando estou nervosa.
Átila aponta para atrás de suas costas.
- A cozinha é por ali. Mas se quiser alguma coisa específica, diga que...
- Para - diz André de repente.
- O quê?
- Para de tentar puxar o saco dela, tá legal? Só vamo ficar aqui essa noite e depois vou dar um jeito nisso.
- Só estou querendo ser gentil.
- Percebi.
Átila se afasta, seguindo seguido pelo cara.
- Você tem que ser grosseiro? - pergunto percebendo que poderia morrer a qualquer momento de vergonha.
- Não faz amizade com ele.
- Por quê?
André coça a cabeça impaciente, com a expressão séria.
- Só. Não faz amizade - diz com uma pausa.
- Até eu agora estou com fome - diz Rita, quando André sai da casa.
Havia tanta comida disponível que não sabia o que começar a comer, acabou que comi um pouco de tudo, até me sentir mais do que saciada.
Parecia que eu e Rita não víamos comida a anos, mesmo tendo jantado há poucas hora.
- O que você achou de toda essa história? - Ela pergunta baixo.
Até aquele momento havia entendido que no mesmo lugar que atiraram em André, haviam matado a noiva de Átila e que ninguém sabia disso, pois se soubessem, não estariam atrás de mim. Uma pessoa que não entendia absolutamente nada sobre o tráfico.
- Que o André não pode fazer nada.
- Vamos esperar até amanhã, né? Vê o que acontece.
Por sorte os dois quartos disponíveis que Átila tinha, possuíam cama de casal. Pelo menos naquela noite André e Rita dormiriam juntos e eu, com bastante espaço.
Mesmo sabendo que estava “segura”, não consegui dormir de imediato. Não conseguia parar de pensar, muito menos me concentrar em dormir, só conseguia ficar ali deitada, pensando e repensando nas palavras ditas por André e principalmente de Átila.
Só depois da meia noite, que consegui me entregar ao sono.
Acordo pelo o que me pareceu minutos depois, mas na verdade foi horas, com meu celular.
Era Rodrigo.
- Bom dia! - diz animado.
- Bom dia - digo rouca, semicerrando os olhos.
- Pronta para trabalhar hoje?
E aqui era mais um problema surgindo.
Só então lembro que não estava na casa de André e sim do “chefe” dele.
- Não sei...
- Por quê? A folga acabou.
Tinha que ter um bom motivo para simplesmente não ir trabalhar.
- Acho que estou ficando doente.
- Já foi no médico? Quer que eu leve alguma coisa?
- Não e não de novo. Acho... que está sob controle.
- Garganta inflamada? Febre? Dor no corpo? - Ele começa a lista pacientemente.
- Rodrigo...
- Só quero ajudar você e não é bom você perder dia de trabalho. Principalmente agora que...
- Eu sei - Interrompo ele - E desde quando se preocupa comigo?
- Você é minha namorada, Bruna. Lembra?
As vezes eu esquecia e confundia o que tínhamos como uma amizade colorida com benefícios.
- Lembro.
- Então vai querer o quê?
Dou um meio sorriso.
- Nada. Vou dar um jeito.
- As vezes esqueço que gosta de resolver as coisas por conta própria. Me ligue se quiser ajuda.
- Tá bom.
Após desligar levanto, deixando o quarto em direção ao banheiro no corredor. Graças a uma pasta no banheiro, consigo dar um jeito no meu hálito matinal e parecer parcialmente limpa.
Passo pelo quarto que André estava com Rita e o encontro vazio, o que me fez ir para o primeiro andar, onde encontro Rita na sala.
- Cadê o André?
- Saiu cedo.
- Pra onde?
Ela dá de ombros.
- Não sei. Ele não falou - Ela me olha - Dormiu bem?
- Muito - Sento ao lado dela.
- Aquele colchão é ótimo, não é?
- André deveria mudar o colchão de toda a casa.
- Ele teria que vender muita droga pra isso.
Um silêncio estranho se instala de repente, o que me faz olhar ao redor.
- Será que já posso voltar para minha normalidade?
- É isso também que quero saber.
Depois da nossa breve conversa, tomamos café, não só uma vez, duas. A comida que era nos oferecida, era muito boa para comer apenas uma vez.
Após o segundo café da manhã, decidi por conta própria “passear” pela casa, mesmo isso sendo uma tremenda falta de educação.
A casa era enorme, os cômodas espaçosos e tudo muito bem decorado da melhor forma possível, deixando claro o poder aquisitivo de Átila.
No pátio só havia três carros, o que confirmava que realmente estávamos “sozinhas”.
Na hora do almoço, decidi que precisava saber o que estava acontecendo, já que ninguém fazia questão de dizer. Estava preocupada, apreensiva e acima de tudo, Rodrigo tinha razão em dizer que não podia faltar no serviço, já que dependia exclusivamente dele.
Sem mais pensar, ligo para André. O telefone chama uma, duas, três, quatro... até cair na caixa-postal.
Ligo novamente e ouço cair na caixa-postal.
Tento uma terceira e quarta vez, nada. Simplesmente meu irmãozinho, estava vendo o celular dele tocar descontroladamente e não atendia, não estendia a mão e atendia a merda do celular.
- Filho da puta - Xingo, interrompendo a ligação antes de cair na caixa-postal.
- O que foi? - Rita se aproxima, tentando disfarçar seu tédio.
- Seu marido não atende - Ela sustenta meu olhar, antes de tentar ligar para ele pelo celular dela e confirmar o que havia acabado de dizer - Será que aconteceu alguma coisa?
- Qual a probabilidade?
Ela fecha os olhos, inclinando a cabeça para trás.
- Meu Deus - sussurra - Protege meu marido.
Como eu disse antes, Rita as vezes, só as vezes, me fazia sentir ciúmes de seu relacionamento.
Por que Rodrigo não podia agir daquela maneira comigo?
Ou era eu que não conseguia ser um pouco mais amorosa com ele?
Eram questões agora que se faziam presentes em minha cabeça, desde que havia sido obrigada a me mudar para a casa deles.
Isso me fez querer o mais rápido possível me afastar e voltar para meu objetivo: trabalhar até conseguir tudo o que queria.
E pensar e me dedicar a um relacionamento, não me ajudaria em nada, só me faria regressar, pois quando as pessoas amavam, deixavam de se importar com elas próprias, para colocar as necessidade da pessoa que amava sobre qualquer coisa.
Então definitivamente, aquele não era meu plano no momento. Talvez depois, mas talvez depois.
Soltando o ar dos pulmões, volto para dentro de casa, decidida em esquecer que meu irmão poderia estar em risco, para me concentrar em qualquer coisa insignificante que estivesse passando na televisão de cinema de Átila.
