Pacto com O Diabo
O dia ensolarado leva embora as preocupações da noite anterior.
Meus olhos entreabrem-se, sonolentos, e eu observo o teto branco da suíte através da névoa branca de sonhos, que vai se dissipando pouco a pouco. A noite, que havia começado tediosa, transformou-se em uma surpresa.
Uma supresa deliciosa.
Devagar, eu me viro de lado para ver Max dormindo. Seu semblante descansado, a respiração tranquila, me faz suspirar de puro deslumbramento. Alguns fios do cabelo bagunçado sobre a sua testa me fazem acreditar que é a hora certa para um novo corte.
Manter as regras é crucial para o homem de negócios que comanda a empresa. Embora não para o cara rebelde de sorriso fácil, que divide a cama comigo.
O pensamento faz meu estômago se agitar. Ainda é difícil para mim acreditar que estou casada com esse homem. E que um simples olhar dele seja capaz de fazer com que eu queira estar nua e pronta para atendê-lo.
A contragosto, eu tiro com cuidado o braço enganchado ao redor da minha cintura. Max se mexe, mas não acorda. Pela primeira vez em todos aqueles meses, continua dormindo mesmo quando eu me levanto da cama, sorrateiramente, na direção do banheiro da suíte.
Depois de me lavar, eu desço as escadas e visto um vestido levinho, disposta a aproveitar o máximo possível o dia. O verão está chegando e as crianças, finalmente, vão poder brincar do lado de fora a tarde, sem correr o risco de voltar resfriadas. Isso talvez me ajude um pouco a controlá-las. Dar espaço e entretenimento a elas é primordial para manter minhas coelhinhas ocupadas.
Minha intenção é ir direto para a cozinha, conferir se Abigail teve sucesso na missão de acordar Maisy e Evie e prepará-las para a escola.
Mas eu paraliso, chocada, ao ver quem me espera no pé da escada.
— Chloe, eu preciso falar com você. Sei que me pediu para não procurá-la aqui, mas...
— Não é uma boa hora — eu sussurro, odiando a pressão esmagadora em meu peito, enquanto olho por cima do ombro. Diminuo a distância, descendo rapidamente os degraus. — Max está lá em cima. Ele pode acordar a qualquer momento.
— Certo. Tem algum lugar onde podemos ir?
Passo pela visitante indesejada, seguro o seu braço e a arrasto junto comigo. Em vez de levá-la para o escritório de Max ou para a sala de visitas, prefiro ser cuidadosa ao guiá-la para o lado de fora da casa, para que quando sair, ela não corra o risco de cruzar com mais ninguém.
Eu entro na estufa e ela segue em meu encalço. Só depois que fecho a porta, ouso respirar outra vez.
A sensação é de que os meus pulmões estão pegando fogo.
— Como foi que você entrou aqui sem ser anunciada?
— Carter me deixou entrar — ela não faz rodeios, mas noto em seu olhar, uma preocupação genuína. — Não o despeça, por favor. Eu disse que tinha um assunto a tratar com você, mas não entrei em detalhes. Ele confiou em mim.
— É óbvio que sim. Ele não teria nenhum motivo para desconfiar, não é mesmo? Afinal, você é da polícia e ele também era um agente — eu bufo, esfregando o rosto, agoniada. — O que houve, Agente Spencer? O que aconteceu para você vir aqui?
Lauren Spencer tenta disfarçar sua apreensão, mas o alarme em seus olhos entrega. É uma das poucas vezes que eu a vejo assim, a paisana, e é quase como se estivesse diante de uma completa estranha. Está usando blusa branca de seda e jeans de cintura alta, bem diferente da calça de linho e camisa de botões que eu estou acostumada a vê-la usar habitualmente. Além disso, o corte reto favorece as linhas do seu corpo.
Lauren é alta e magérrima, além de muito bonita.
— Descobri o paradeiro de Dixxie — ela solta de repente. — Aqui perto, Chloe. Muito perto.
A sensação de um soco no estômago me pega desprevenida. Eu dou um passo para trás, batendo as costas no armarinho de ferramentas. O barulho dos alicates e ancinhos me faz pular de susto.
Eu levo a mão ao peito, sentindo o coração bater descompassado.
— Então vocês o pegaram.
— Não, ainda não — Lauren baixa o olhar para os próprios pés, em sandálias de tiras finas, e parece inconformada. — Ele estava escondido em uma casa vazia a menos de uma quadra daqui, mas notou a aproximação da polícia e fugiu — os olhos dela se erguem para encontrar os meus. — Chloe, Dixxie não estava assim tão perto a toa. Ele estava vigiando vocês.
Suas palavras fazem arrepiar cada pelo da minha nuca.
Dixxe estava aqui perto, perto de nós. Perto da nossa casa. Ele queria nos fazer mal ou apenas manter algum tipo de controle de danos? Talvez quisesse garantir que não estávamos ajudando a polícia na sua busca ou usando nossos próprios meios para encontrá-lo.
E nesse caso...
Eu flagro o olhar de Lauren sobre mim. Ele tenta me transmitir calma e confiança, mas tudo o que eu sinto é o medo gelado envolvendo o meu coração com suas garras afiadas.
Maldito desgraçado!
Até quando isso vai durar?
— Obrigada por me manter avisada — eu murmuro, esfregando os braços. O clima razoável da primavera acabou de se transformar em um frio de enregelar os ossos. — Vou tomar todas as precauções, é claro. Pode ficar segura disso.
Mas o olhar de Lauren sobre mim é de pura perplexidade.
O que é que ela estava esperando, afinal? Que eu acionasse os alarmes e saísse por aí gritando "incêndio"?
— Eu acho que você não me entendeu, Chloe — seu tom, agora, é de imensa gravidade. — Dixxie estava aqui perto, vigiando vocês, atento a cada um dos seus movimentos. Provavelmente, aguardando apenas uma falha na segurança, uma pequena brecha para...
— Eu entendi, agente Spencer — eu a interrompo e Lauren, finalmente, se cala. — Eu disse que entendi. O que mais você quer que eu fale?
A agente enfia uma mecha de cabelo atrás da orelha e diminui o tom de voz para um sussurro mais discreto.
— Você precisa contar tudo para o Max. Ele precisa saber, Chloe.
Eu olho para ela, minha surpresa se transformando em raiva. Como assim contar para o Max? A essa altura? Ela não pode estar falando sério, pode?
Meu Deus! Lauren deve ter enlouquecido. Quando Max souber, vai ficar uma fera. E é lógico, vai acabar me culpando por tudo.
Cruzo os braços, enfrentando o olhar impetuoso da policial. Sinto o meu corpo motivado por uma estranha onda de eletricidade. Odeio me sentir pressionada, mas ela não sabe disso, é claro. Não nos conhecemos bem o suficiente, não a esse ponto.
"Apenas bem o bastante para mantermos nosso segredinho sujo", meu cérebro processa com desgosto.
Desde o casamento, mais especificamente na lua de mel, Max e eu falamos sobre colocar um ponto final naquele assunto. Dixxie fazia parte do nosso passado, assim como Liv, Judith e Javier, toda aquela corja criminosa. Ele achou melhor nos afastarmos, definitivamente, daquela história, entregar o caso nas mãos das autoridades e seguir com as nossas vidas.
Seria o nosso primeiro passo em direção a felicidade, rumo a uma nova vida, uma vida normal.
Quando Lauren procurou Max, algumas semanas depois da cerimônia, com pistas sobre o paradeiro de Dixxe, ele foi firme em sua resolução.
Mas eu, não.
No dia seguinte, depois de uma noite de sono tempestuosa, repleta dos mais terríveis pesadelos, fui atrás da detetive e propus a ela um acordo. Eu queria ter tantas informações quanto possível sobre a caçada da polícia a Dixxie. Em troca, ficaria a sua disposição para agir no momento necessário e ajudar a capturar o criminoso.
Na ocasião, aquele me pareceu um acordo interessante.
Agora sei que foi a pior decisão de toda a minha vida.
— O que você quer de mim, agente?
— Agora, nada — ela suspira e engole em seco. Nossos olhares se encontram. Lauren quer tanto que Dixxie seja preso, quanto eu. Eu sei disso porque ele quase custou seu emprego uma vez, quando ela o deixou escapar após a batida da polícia no galpão. "Na noite terrível do sequestro, quando Judith e Javier mantiveram a mim e as meninas em cativeiro", recordo com pavor. — Mas acho que você sabe que, quando chegar o momento, Chloe, não vou hesitar em cobrar sua parte no nosso trato. Não quero que me leve a mal por isso, mas é o que irei fazer.
Não levá-la a mal? Caramba.
"Pelo menos ela é direta", penso com ironia. Mas isso não muda, é claro, o fato de que Max vai babar e rosnar como um cão contaminado com raiva quando souber que eu andei tramando pelas suas cosas. Meu marido odeia ser o último a saber.
Nossos olhares, o meu e o de Lauren, se mantém firmes uma sobre a outra, até que eu quebro o silêncio, cuspindo todo o meu rancor sobre ela.
— Se você não tem mais nada a dizer, Detetive Spencer, eu gostaria de tomar o café da manhã com a minha família. Como deve ter percebido, sua presença não é bem vinda nessa casa. Quando precisar falar comigo, encontre outra forma. Não volte aqui nunca mais.
Embora estejamos, por hora, jogando do mesmo lado, Lauren já deixou bem claro que vai infernizar a minha vida assim que puder. E que eu terei que engolir porque fiz uma maldita promessa e não tenho a menor escapatória disso.
Ela me olha, inexpressiva, por um longo tempo. Então concorda com a cabeça, dando meia volta na direção da saída. Mas a agente olha para atrás antes de alcançar a porta imensa de vidro.
— Eu espero que saiba que não sou sua inimiga, Chloe.
— Eu não disse que era.
— Mas talvez esteja pensando isso e eu entendo — ela segura a porta, de maneira relutante. — Não deixe que o passado faça de você uma pessoa escaldada.
— E o que há de errado em ser um pouco escaldado, agente Spencer? Querer me proteger de pessoas mal intencionadas? Eu não vejo nada de errado nisso.
— Um pouco escaldada? Nada de errado — ela sorri, tensa. — Mas quando você fica escaldado demais, deixa de se abrir e de confiar nas pessoas que querem o seu bem de verdade. Cuide-se, Chloe.
Ela se vira para sair.
— Agente Spencer? — eu chamo, odiando minha voz trêmula. — Você colocou alguém para me seguir?
— Como é?
Eu recordo o rosto do homem com a cicatriz na saída do Matt, noite passada. Gostaria de tê-lo visto melhor antes de ter entrado no carro.
— Deixa para lá. Só... obrigada pelas informações. Não pretendo descumprir minha palavra, mas, por favor, não volte mais na minha casa.
Lauren continua me olhando por um longo momento. Então, a porta da estufa se fecha sem nenhum ruído, anunciando a sua saída.
Com um suspiro que é um misto de preocupação e alívio, eu tomo as pétalas de uma rosa entre os dedos, sentindo o seu toque macio, enquanto penso na confusão que acabei me metendo.
Eu menti para Max. Menti, descaradamente, para ele. E, agora, preciso encontrar um jeito de consertar as coisas, antes que seja tarde demais.