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Capítulo 3

Ele tinha essa palavra gravada em cada centímetro de seu corpo por toda a sua vida, fazendo com que se sentisse perpetuamente fora de lugar.

- Pense nisso, Rose, é um direito nosso. Não podemos continuar nos entregando a um porão, não foi para isso que entramos para o Círculo. - Mas que bolas. Tudo o que ele queria era se desconectar e a garota sentada a poucos metros dele era um corvo estúpido grasnando insistentemente em seu maldito ombro.

- Então vá embora, não é? - murmurou ele, saturado. Ele ajustou os óculos no nariz e piscou algumas vezes antes de responder.

- Como você reza? - ele gaguejou.

- Se não gostar daqui, pode sempre ir embora, ninguém a está forçando a ficar", respondeu ele, fixando-a com força com seus olhos cinzentos penetrantes. Na verdade, ele tinha inveja daqueles que, ao contrário dele, eram livres para levantar a bunda e ir embora.

- Então você não se importa de não ter um hospital onde possa ser tratado? - respondeu a garota, passando por cima de Rose e examinando-o com aqueles seus olhos escuros de toupeira, escondidos atrás de óculos de fundo de garrafa.

- Não precisamos de hospitais. - Calvin deu de ombros.

- Ah, claro que precisamos. Então, só porque vocês não precisam de um, temos que condenar nossa raça à morte? Mas você já olhou para as nossas crianças? -

É claro que eu os vi. Rose atrás da mulher estava implorando com os olhos para que ele não dissesse o que estava em sua cabeça, mas ele nunca foi bom em dissimular.

Ele deu de ombros - Isso se chama seleção natural. - Sua irmã revirou os olhos, ao mesmo tempo em que a mulher se voltou para ela.

- Rose, eu não sabia que seu irmão era um extremista. É o meu lugar e você sabe o que eu penso sobre isso. - rosnou ela. Uh, assustador.

- Ele não é um extremista. Só está sendo um idiota. Dan, você sente muito? - murmurou ele para o rapaz de cabelos castanhos sentado ao seu lado, e um braço o puxou para longe sem lhe dar tempo de pegar a cerveja. Daniel, sendo o bom cão que era, levou-o até os sofás, escolheu um vazio e se sentou.

- Por que você agiu como um idiota? - Calvin olhou para ele divertido enquanto ele se levantava, com as mãos nos quadris e um olhar sombrio no rosto.

- Eu só estava sendo honesto, eu dei a ele a resposta que vocês, pessoas de bom coração, não queriam dar a ele. - ele respondeu e se sentou no lado oposto.

- Há uma diferença entre ser honesto e ser um cínico maldito. - respondeu ele com uma aspereza que não fazia parte de seu caráter normalmente pacífico. Mas Calvin sabia a causa desse ódio.

- Você tem algo a me dizer? - perguntou ele, ainda bufando.

- Não", rosnou ele, com os braços cruzados sobre o peito. - E nem tente. -

- Fazer o quê? - Era tudo tão ridículo.

- Para entrar na minha cabeça. - ele respondeu como se fosse a coisa mais natural do mundo para Calvin. Se ao menos ele soubesse o quanto eu queria silêncio.

- Eu nem sequer tentei. - ele suspirou. - Mas admito que você está me intrigando. Não será para Seth. - admitiu ele, intrigado.

- E mesmo que fosse? - Mas é claro que era para Seth. Como se fosse culpa dele o fato de sua irmã ter sido pregada entre a cabeça e o pescoço.

- Ok, já falamos sobre isso e não vou voltar ao assunto. Agora, se me der licença, tenho algumas garotas que gostaria de atender pessoalmente. -

Lily:

O ar gelado de Seattle a atingiu assim que ela tirou o nariz do avião. O céu estava cinza, mas não havia sinal de chuva.

Deus, realmente choveu. Ela ainda não conseguia acreditar.

A cada passo que dava, percebia cada vez mais a falta que sentia de sua família, mesmo que às vezes as lembranças de sua adolescência passada em um quarto de hospital ainda doessem muito. Rosmery respirou fundo e empurrou o pacote para trás.

As rodas da mala rangeram sinistramente no piso polido, fazendo-a perceber que aquela seria sua última viagem.

Ela saiu para o estacionamento do aeroporto, mas assim que atravessou a rua, um carro grande e caro quase a atropelou, com as rodas rangendo no asfalto. Sua mala bateu violentamente no para-choque do carro, suavizando o golpe, mas ela ainda caiu no chão, arrasada.

- Por que você não olha para onde está indo? - Rosmery rosnou, virando-se para o carro com as janelas tão escuras que era impossível ver quem o estava dirigindo.

- Vamos, quer sair da frente? - ela gritou, abrindo a janela apenas um centímetro.

E, embora ele quase corresse o risco de mergulhá-la, não parecia querer sair e se preocupar com ela, mas sim manobrar para contornar o obstáculo.

Completamente enlouquecida, Rosmery fez a única coisa que lhe ocorreu: pegou uma bela pedra e a jogou na direção do carro. Ela nem se certificou de que a pegou, porque uma mão apareceu do nada para ajudá-la.

- Meu Deus, Lirio, você está bem? -

Em apenas alguns anos, Seth havia mudado muito.

Ele sempre foi mais alto do que ela, com ombros largos e um físico de atleta, mas eles eram muito parecidos, embora ela fosse mais parecida com um saco de batatas: o mesmo cabelo castanho-avermelhado, o mesmo nariz reto e lábios bem torneados. Mas o maxilar dele, escondido sob a sombra de uma barba, era mais quadrado e os olhos verdes eram o legado da mãe. Era incrível como eles eram idênticos.

- Sim, não se preocupe. - ela murmurou com um sorriso vago, ainda engessada, e se levantou um pouco machucada.

Seth, no entanto, foi mais rápido e a abraçou.

- É bom ver você, Rosmery. - Em seu espanto, ela deixou cair a mala, que se moveu alguns centímetros por sua própria força, como se quisesse fugir.

Um sorriso incerto se desenhou em seus lábios, libertando-se do abraço, sem saber exatamente como responder.

- Onde está o resto da bagagem? - perguntou ela, olhando em volta.

- Eu só tenho uma. - respondeu ela. Seth assentiu com a cabeça e fez sinal para que ela o seguisse.

- Vamos, o carro é por ali. -

Rosmery o seguiu sem dizer uma palavra, ao contrário do pai, o irmão não foi arranhado pelo sol, um bom bônus que deixou seu lado humano.

- Como foi sua viagem? - perguntou Seth, interrompendo um silêncio que talvez fosse embaraçoso demais para ele.

- Foi boa. - ele se apressou, mas sem querer. Ele ficou pensativo por um momento, como se quisesse dizer algo, mas não conseguisse encontrar as palavras.

- Rosmery, eu queria lhe dizer...", disse Seth.

- Não importa. - ele respondeu em seguida. Não havia necessidade de ele explicar. Eu podia sentir suas emoções a essa distância sem que ele dissesse uma palavra sequer.

- Não, eu prefiro dizer isso. Caso contrário, nunca mais encontrarei outro momento para fazê-lo. Desculpe-me por ter ido embora quando mamãe estava doente, por não ter estado presente quando você precisou de mim. Eu fui um covarde. -

- Sério, Seth, você não precisa se desculpar. Afinal de contas, era sua carreira. - Sim, durante anos ela se ressentiu por ele ter ido a Nova York para treinar na Ordem da Guarnição do Círculo e tê-la deixado sozinha com sua dor. - E então papai e eu nos safamos. - ela insistia, mas eu tinha a nítida sensação de que não estava melhorando muito, na verdade, talvez estivesse piorando as coisas, dado o rosto lívido de Seth, que olhava para a estrada com um olhar indecifrável.

- Eu sempre pensei que poderia ter ligado para ela de qualquer maneira, sabe, que haveria um momento mais apropriado em que eu poderia pedir desculpas por não estar perto dela. É estranho quando você se dá conta de que o tempo se esgotou. - Foi só então que Rosmery percebeu que talvez Seth também tivesse sofrido muito e que talvez ela fosse a única pessoa que pudesse, de alguma forma, entender como ele se sentia. - Eu só queria ser um irmão melhor, já que não tenho uma segunda chance como filho. - Seus olhares se encontraram por uma fração de segundo, e Rosmery se sentiu culpada por ter sido tão fria com ele. Embora fosse difícil aceitar que alguém pudesse sentir tanta falta dela como ela sentia. Com um abismo em seu peito. Eram as pequenas coisas que realmente a incomodavam, como o cheiro de panquecas no domingo de manhã.

Quem sabe quais eram as dela.

- Ela não estava brava com você, Seth. Ela nunca estava. - ele murmurou e, com essa frase, apertou a mão que havia colocado no colo dela. Esse foi o primeiro contato honesto que eles tiveram desde que ele pisou ali.

E, por um momento, Rosmery se sentiu um pouco menos sozinha.

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