Ajudante da Horta
Derick
Olhei para o imenso terreno à minha frente, muitos canteiros tinham sido feitos. Alguns já estavam cobertos por brotos e outros estavam marcados. Fui até a estufa falar com o mestre Túlio. Encontrei-o mexendo num canteiro suspenso, cheio de mudas prontas para serem transplantadas, separando-as.
- Mestre Túlio, bom dia! Como vão as coisas por aqui? - Cumprimentei, já pedindo um parecer da obra.
- Bom dia meu Alfa, gostou dos canteiros?
Meneei a cabeça e fui sincero:
- Pensei que estariam mais adiantados...
- Desculpe meu alfa, mas não tenho pessoal suficiente para me ajudar, estão todos ocupados com os preparativos para a festa da lua azul. - Ele bateu uma mão na outra para limpar a terra. Começou a andar em direção a saída, olhando para os canteiros, esticou o braço direito, apontando para os canos de água, na lateral dos canteiros.
- Tá vendo a tubulação de irrigação, ainda precisa ser instalada, mas as mudas precisam ser colocadas no solo. Não posso fazer tudo sozinho. Jimi foi ajudar na colheita dos frutos e Mário está consertando um cano que estourou próximo a represa. Como pode ver, tá precário de mão de obra. - Ele explicou suas dificuldades e tinha toda razão.
Observei tudo pensativo, olhei para as árvores em volta e para o morro, quem sabe me davam uma ideia... Foi então que vi uma figura sentada no topo do morro. Mas que descarada, todo mundo trabalhando e ela sentada, só desfrutando. Num impulso, saí correndo em velocidade lupina, subi o morro e logo estava atrás dela. Sabia quem era pelo pano na cabeça.
-Ô coisinha!!!???
- Ah? - Ela se virou surpresa e assustada. Quando me viu, ficou de pé abaixando a cabeça.- Sim senhor!?
- O que faz aqui desfrutando, enquanto todos trabalham? Não precisa responder, vou lhe dar o que fazer. Venha!
Ela ficou parada, me olhando com aqueles olhos verdes arregalados, até que eram bonitos, tentou dizer alguma coisa, mas não deixei. Apesar de achar aqueles olhos lindos e de uma inquietação surgir em meu peito, sacudi a cabeça e desfiz aquele incomodo, peguei ela pelo braço e disse:
- Venha! AGORA!!!!!
Saí a arrastando, ela era meio corcunda e com aquele pano na cabeça, mais parecia um zumbi, tão magra e cheia de olheiras, mas serviria pro que eu queria, ou melhor dizendo, para o que a horta e o mestre Túlio precisam.
- Venha esquisita, anda mais rápido e vê se não cai ou vou te arrastar até lá embaixo. Onde já se viu, além de horrorosa, preguiçosa e imunda. Vai trabalhar pra aprender, como todo mundo faz.
Lizandra
Mal percebi a chegada dele e já estava sendo arrastada morro abaixo. Não me deixou explicar que estava num intervalo de trabalho e pelo jeito, não ia me deixar explicar nada, nunca.
Que homem ignorante!
É hoje que levo uma surra quando chegar em casa. Pior é que estou morrendo de fome e ele nem esperou eu responder. Além de grosso, mal educado. Só por que é o Alfa, lider da Alcateia, não precisava ser assim desrespeitoso. Ou será que é só comigo?
Ele me arrastou até a estufa nova e me parou em frente ao mestre Túlio, um dos mais velhos da alcatéia, sempre cuidando das plantas e ervas que serviam a alcatéia e também eram vendidas para as cidades vizinhas. Muito respeitado, sábio e bondoso, ele nos olhou com tranquilidade e um sorriso no rosto, perguntou ao alfa Derick:
- O que está fazendo com a menina, meu alfa? - Me deu um sorriso como quem diz: vai dar tudo certo.
- Tá aqui a sua mais nova ajudante, põe ela pra trabalhar de manhã até a noite, ninguém fica sem trabalhar na Alcateia Lua Azul. - Largou meu braço e saiu andando, dando por certo que sua ordem seria seguida.
- Então Lizandra, o que houve dessa vez? - Perguntou mestre Túlio.
- O senhor se lembra do meu nome? - Indaguei surpresa.
- A pergunta certa seria: o que eu não sei? Lembrar já é outra coisa - riu - Venha criança, vou lhe dar algo para comer, você não vai fazer muita coisa com este estômago roncando de fome.
Me encolhi com vergonha, realmente estava roncando, o meu estômago. O segui para os fundos da estufa, onde tinha uma cozinha pequena, com pia, frigobar, microondas, balcão e uma pequena mesa com dois bancos.
- Responda criança, o que você aprontou agora, ou melhor, o que aprontaram com você, para você estar naquele lugar, a esta hora? - Perguntou novamente, colocando um prato coberto no microondas.
Sentei no banco olhando pra baixo, triste ao lembra o que aconteceu com os fregueses, coloquei as mãos sobre a mesa, cutucando os dedos e depois de refletir um pouco, resolvi contar.
- Bem... Estava costurando quando alguns fregueses da minha mãe entraram e enquanto ela foi pegar as encomendas deles, começaram a me zoar. Como não respondi, me empurraram, caí do banco e começaram a me chutar. Me arrastei rápido, engatinhando, levantei e corri pela porta dos fundos, subi o morro e sentei, esperando eles saírem pra poder voltar. Mas como pode ver, não deu tempo, né?! - Soltei um suspiro cansado e olhei pro mestre - ele chegou antes.
O microondas apitou, ele abriu e pegou o prato, destampou, colocou a tampa na pia e o prato em minha frente, buscou uma colher na gaveta do gabinete da pia e me deu.
- Coma, criança, você tá precisando. - seu sorriso doce e sua gentileza foram tão bons, que quase me fizeram chorar. Nunca ninguém me tratava assim, só ele.
Buscou uma garrafa d'água no frigobar, despejou nos dois copos que estavam sobre a mesa e me deu um. Sentou-se à minha frente, bebendo a água do outro copo e sem comentários sobre o que contei, começou a explicar o que eu iria fazer.
Comi bem e com vontade. Quando acabei, ele me mostrou as mudas que precisavam ser separadas e me deixou trabalhando.
- Preciso dar uma saída, mas já volto. - Falou e saiu.
Derick
Como alfa da Alcateia Lua Azul, tenho muito trabalho, mas também tenho uma equipe que me ajuda muito. Meus betas Carlos e Nestor, são da época de meu pai e muito os estimo, são os principais administradores. Os outros três que me ajudam no controle dos trabalhos, são amigos que cresceram comigo, temos quase a mesma idade, 90 anos, com carinha de 25. As mulheres gostam da gente, estamos sempre saciados, se é que me entendem...
Nos últimos tempos, tenho sentido falta da minha companheira. Meu lobo Thomas, está bem agitado e não quer pegar mais nenhuma loba que não seja sua companheira. Tenho a impressão de que ela está por perto, mas só vou ter certeza na lua azul, quando receberei algo especial e meus sentidos ficarão mais fortes. Poderei identificar, de longe, o cheiro de minha predestinada.
Por causa disso, ando mais irritado que o normal. Quando um alfa como eu, fica muito tempo sem sua companheira, vai perdendo a sensibilidade e os sentimentos de amor, carinho e compreensão, ficam menos perceptiveis. Por isso, muitas vezes ajo como um troglodita, provocando medo, ao invés de respeito.
Cheguei ao escritório, vou pôr em dia a papelada. Espero que aquela esquisita dê conta do serviço e não atrapalhe o mestre Túlio. Ele precisa de ajuda e não de mais trabalho. Não sei se foi uma boa ideia levá-la pra lá, mas foi o que deu pra arranjar. O pior é que não paro de pensar na dita cuja. Ninguém nunca soube quem é seu verdadeiro pai, seria tudo tão diferente, se ela fosse mesmo filha de meu beta Nestor.