Logo Ele?
Quando optei por cursar artes cênicas, recebi diversas críticas do meu pai ao ponto de quase me fazer desistir, e hoje agradeço por concluir, pois isso me ajudará bastante.
Com a ajuda de um amigo, consegui documentos novos, e também estudei, assisti vídeos, procurei um novo endereço... Enfim, durante todos esses sete dias desde a morte do meu pai, arquitetei minuciosamente todo o meu plano para me vingar dos responsáveis, mesmo que isso seja a última coisa que eu faça.
Após a missa de sétimo dia pela manhã, conversei por algum tempo com o Leandro e obtive mais algumas informações. Ele me passou alguns pontos estratégicos, me deu os nomes dos envolvidos mais conhecidos da favela, e me mostrou a foto de alguns.
E hoje começo a colocar o meu plano em prática, antes de voltar para o meu trabalho na próxima semana. Após algumas voltas com um corretor, enfim encontrei uma casa que me interessei e que não está caindo aos pedaços.
— A casa foi reformada recentemente, os antigos donos tentaram viver aqui por algum tempo, mas o sucesso do filho no mundo da música permitiu que eles saíssem da favela. O preço tá bem acessível. — O corretor diz assim que terminamos de ver a casa, num ponto bem estratégico.
— Eu gostei bastante. Pequena e aconchegante, então é perfeita para mim.
— Ótimo, podemos fechar hoje, se quiser. Mas ainda não entendi porque uma moça tão elegante como você quer morar aqui. Desculpe o comentário.
— Tudo bem. Eu tenho um ex muito obsessivo, e uma amiga me disse que aqui dentro seria mais seguro que lá fora, então decidi arriscar. — Disfarço.
— Esses homens... Com tantas mulheres solteiras esperando um príncipe encantado, ainda assim não aceitam quando perdem. Enfim, se gostou, a casa é sua.
— Ótimo! Estou ansiosa para me mudar.
O corretor fecha a casa e vamos em direção ao escritório dele. Após alguns minutos toda a documentação está pronta, e a casa é minha.
— Bem-vinda ao morro do Vovô Em Casa, dona Ludmila Brandão. — O corretor diz enquanto apertamos as mãos.
— Muito obrigada, senhor. Não vejo a hora de me mudar e ter um pouco de paz.
— Te desejo sorte com o seu ex.
— Ele que irá precisar a partir de hoje.
Com a primeira parte do meu plano pronta, preciso arrumar tudo para me mudar o quanto antes, e mais uma vez conto com a ajuda das minhas amigas para isso. Me dividi entre a minha empresa virtual, estudar e assistir mais vídeos sobre como terei que me comportar de agora em diante.
Aproveitei também e renovei o guarda-roupa com o novo estilo da Ludmila Brandão, saias curtas, vestidos, shorts jeans, croppeds, calçados...
Após alguns dias tudo está devidamente acertado e a mudança já foi entregue na minha nova casa. Ando pelo apartamento vazio e choro pelas lembranças, afinal, vivi boa parte da minha vida aqui. Optei por alugar, talvez assim consiga voltar para cá um dia, quando conseguir honrar o nome do meu pai e vingar a sua morte.
— Amiga, eu acho um absurdo o que você está fazendo, mas prometo te visitar sempre que puder.
— Debi, é por pouco tempo. Quando menos esperar estaremos nós três juntas de novo, batendo perna pelo shopping.
— Eu acho perigoso, mas te desejo toda a sorte, Liv. Ou melhor, Ludmila Brandão.
— Obrigada, Tai.
Nos abraçamos e choramos juntas enquanto nos despedimos, entregando a chave do apartamento para a Débora, que será a responsável por tudo enquanto a Lívia estiver em Minas com os avós. Após alguns minutos chego na minha casa nova, que nem de longe se parece com alguma das casas que já vivi até hoje.
Já na esquina da minha rua encontro dois homens armados guardando a boca de fumo, eles me encaram e eu sinto um medo fora do comum, mas apenas meneio a cabeça em cumprimento. Terei que ter um bom estômago para continuar com as minhas intenções, mas já é tarde demais para retroceder.
Para aumentar o meu medo, uma moto com dois homens armados param na boca, e um deles me chama assim que coloco a mão para abrir o portão. Segurando a bandoleira, ele joga o fuzil para as costas e se aproxima de mim. Respiro algumas vezes antes que ele chegue ao meu lado, e entro no personagem que tanto estudei. Logo ele?
— Qual foi, ô loirinha.
— Fala tu, boa tarde!
— Tu é a nova moradora que o Getúlio (corretor) falou? — Assinto. — Seja bem-vinda a nossa comunidade.
— Valeu.
— Se precisar, só falar com um dos meus homens ali — Ele me dá um sorriso de lado e me fita de cima a baixo. — Qual teu nome?
— Ludmila e tu?
— Pode me chamar de Nanzin, loira.
— Bora, Nanzin. Partiu! - Outro homem que chegou com ele o chama.
— Satisfação aí, Ludmila.
— Já é, chefe.
Praticamente saio correndo para dentro de casa assim que ele se afastou, e senti um enjoo de tanto nervosismo. Sabia que isso aconteceria uma hora, mas não imaginei que encararia o dono dessa porra toda logo no meu primeiro dia aqui. Tomo um longo banho e começo a guardar as minhas coisas, tomada pela tristeza de estar longe de todos.
[...]
Passei mais alguns longos dias indo nos comércios próximos, enquanto observava como as mulheres daqui se comportam, e vi que não seria tão difícil quanto imaginei.
— Oi, vizinha! Me desculpa incomodar. — Falo com a moça sentada no portão, que mora ao lado da minha casa, e ela sorri calorosamente.
— Oi!! Imagina, menina! Incômodo nenhum. Seja bem-vinda ao nosso beco!
— Obrigada! Eu voltei a morar aqui no Rio recentemente, e não conheço muita coisa por aqui. Queria saber onde posso fazer as unhas por aqui.
— Pô, tem a Moniquinha. Ela arrasa na acrigel. Tu pode até fechar um pacote com ela e colocar uns cílios. — Ela diz enquanto aponta para os olhos. –- Ela brinca no que ela faz, já tô há quase um mês com essa extensão e quase não caiu
— Pode me dar o número dela?
— Que número nada, bora lá que eu te levo agora. Só vou avisar pra minha vó. Ô vó — ela grita — Vou levar a... Qual o seu nome mesmo, colega?
— Ludmila.
— Ô vó, vou levar a Lud aqui na Moniquinha. Prazer, me chamo Jéssica.