O Início
Nota da autora:
Esta é uma história que tem o morro como pano de fundo, mas se você espera encontrar cenas de extremo abuso, drogas ilícitas, torturas... Este livro NÃO corresponderá às suas expectativas. O foco aqui é sobre o casal e os motivos que os uniram.
O início:
Desde que perdi a minha mãe aos doze anos, durante uma frustrada tentativa de assalto, somente porque a reconheceram como militar, decidi que quebraria o círculo vicioso do militarismo familiar. A dor de perdê-la na época da minha vida em que eu mais precisei foi tão intensa, que fiquei determinada a nunca permitir que o meu filho sinta algo assim no futuro.
Após a morte da minha mãe, optei por morar com os meus avós maternos em Portland - Maine - EUA, e há dois anos, mesmo com um estilo de vida totalmente diferente do que eu vivia lá, voltei a morar no Rio de Janeiro com o meu pai.
Hoje é o meu aniversário de 24 anos, os meus avós paternos aproveitaram a sua estadia no Rio e organizaram uma festa para mim. Eu tento ligar pela quinta vez para o meu pai para saber se ele aparecerá, pois ele foi designado para uma operação em uma das favelas mais perigosas do Rio de janeiro, mas mais uma vez ele apenas ignorou a minha ligação.
Mesmo frustrada, chego em casa após algumas horas no cabeleireiro e tomo um banho para me arrumar, afinal, ninguém quer chegar atrasada na sua própria festa de aniversário.
— Ainda não acredito que uso isto. — Digo enquanto aponto para o vestido vermelho e curto, que uma das minhas melhores amigas compraram para mim.
— Está linda, Liv.
— Concordo com a Thai. Você brilhará essa noite.
— Eu não quero brilhar, Debi. Apenas quero beber e descontrair, para esquecer a frustração de ser, mais uma vez, abandonada pelo meu pai por conta do trabalho.
— Calma, daqui a pouco ele aparece. Vamos!
Sorrio desanimada e termino de me maquiar. Quando estamos prontas para sair, ouço o meu celular tocando e suspiro aliviada ao ver o nome do meu pai escrito na tela.
— Achei que fosse curtir a festa sozinha, Clark Kent. — Digo assim que atendo a ligação. — Quando vai parar de querer salvar o mundo e dar atenção para a sua filha?
— Me desculpa, Liv. A operação acabou agora, e sairemos daqui do morro daqui poucos minutos, devo me atrasar um pouco, mas vai sozinha e encontre a sua avó lá. Prometo não demorar.
— Só irei acreditar porque não costuma quebrar as suas promessas. Não demore, a festa começa às 19h e os meus avós já estão lá. Eu te amo, pai. Isso é importante e estou bem animada.
— Eu também te amo, Liv. Eu quero aproveitar cada minuto com você, eu sei que estou bem ausente esses dias. Que tal um almoço amanhã para compensar o meu atraso?
— Só se for um bom e velho churrasco.
— Considere feito, minha filha. Estamos indo embora. Liv, eu prometo que chego antes de...
E enquanto ele fala, ouço dois disparos e a voz dele some. Ouço gritos e, entre algumas palavras incompreensíveis, alguém diz "Bora, bora! Foi na cabeça, bora levar ele para o hospital, porra! " E a ligação se finda.
Sinto todo o meu corpo amolecer, seguido de um choro incessante, a sensação de que aconteceu algo muito ruim toma conta de todo o meu corpo. Volto a ligar por diversas vezes enquanto tento inutilmente chegar até o meu carro, mas a Debi e a Thai me impedem de sair com ele. Aproximadamente vinte minutos depois alguém me atende, e me manda ir até o hospital.
Leandro, um dos amigos de trabalho mais antigo do meu pai, me abraça assim que eu chego na recepção do hospital, e ele não precisa dizer uma palavra para que eu entenda que o pior aconteceu.
Apenas choro e deixo toda a tristeza sair em meio as minhas lágrimas, novamente sinto a dor massacrante de perder alguém, o meu velhinho não conseguirá cumprir a sua última promessa.
— Como isso aconteceu? — Digo assim que consigo me acalmar um pouco. - Ele me ligou, disse que a operação havia acabado.
— Sim, Liv. Estávamos nos preparando para voltar para o batalhão. Aconteceu tudo muito rápido, não tivemos como reagir. Eu sinto muito.
— Essa é a filha do Viana? — Outro colega do meu pai se aproxima e me abraça, provocando novas lágrimas em mim. — Eu sinto muito, o seu pai era como um pai para mim. Me chamo Ulisses Duarte, trabalho com o seu pai há poucos meses.
— Obrigada. Com licença, vou ligar para os meus avós e dar a notícia.
Em poucos minutos os meus avós aparecem e se juntam a mim no hospital, e choramos por longos minutos até darmos inicio a parte burocrática para a libertação do corpo. Tive que me fazer de forte para não deixar a minha avó ainda pior do que ela já está, e o meu avô, mesmo que tente nos amparar, se mostra tão perdido quanto nós duas.
Foi uma das piores noites da minha vida, e o Leandro se prontificou a nos ajudar em tudo, desde o reconhecimento no IML até os preparativos para o funeral.
Logo nas primeiras horas da manhã o velório dele se iniciou, amigos da família, amigos do batalhão, alguns familiares... O meu pai era querido por muitas pessoas e tivemos que fazer um rodízio, para que todos pudessem dar o seu último adeus. E antes da hora do almoço, que ele se prontificou em fazer para compensar o atraso, eu pude ver o meu pai pela última vez.
— Liv, o que você precisar é só me ligar que eu venho correndo. — Leandro diz assim que estaciona em frente ao meu condomínio.
— Eu não sei como te agradecer, Leandro. Em pensar que o certo era ter curtido a noite e almoçar juntos hoje e agora... — Suspiro para não chorar novamente. — Ainda tento entender como isso aconteceu.
— Iremos vingar o seu pai, Liv. Não se preocupe.
— Obrigada. — Abro a porta do carro saio, me apoiando na janela do carro, enquanto ele me encara confuso. — Eu quero a sua ajuda, eu quero encontrar quem fez isso com ele.
— Está louca, Liv? Aquele morro é imenso, e é perigoso demais, o seu pai não permitiria.
— Eu não me importo que seja perigoso, Leandro. Logo os meus avós voltarão para Minas, e eu não tenho planos para voltar a Portland agora. Ficarei praticamente sozinha no mundo, então realmente não me importo. Eu farei com ou sem a sua ajuda, só preciso que me facilite e me dê um nome.
— Liv. — Ele encara o para brisa por alguns segundos, provavelmente pensando nos riscos. — Sabemos que há poucos meses são dois a frente do morro, DG e Nanzin. Qualquer novidade te falo. Lívia, promete que não vai fazer besteira.
— Prometo. Mais uma vez, obrigada por tudo. Beijo.
Ele me dá um sorriso amarelo e sai, enquanto eu descruzo os meus dedos ao vê-lo partir com o carro. Me desculpe, Leandro. Mas essa é uma promessa que talvez não conseguirei cumprir. Eu vou vingar todos os responsáveis pela morte do meu pai, diretos e indiretos, ou não me chamo Lívia Viana.