3-Um ano atrás...
Mansão dos Çeliks
Chego à mansão por volta das 07h00min, me apresento aos seguranças que me deixam entrar, a governanta que me espera, deu a permissão.
Caminho puxando minha mala de rodinhas reparando na beleza arquitetônica da casa, o jardim maravilhoso com uma cascata bem no centro. Um grande bolsão formado por paralelepípedos rodeia esse jardim.
A casa é forrada de pedras brancas. Jardineiras com flores vermelhas enfeitam as janelas. Do seu lado direito, as portas balcões imensas dão acesso à uma varanda lateral ornamentada com lindos vasos.
A governanta está na porta da entrada me esperando. Ela tem uns cinquenta e cinco anos.
—Bom dia Ester, eu sou a Rose.
—Prazer em conhecê-la.
Ela me avalia, passando os olhos pela minha figura magra.
—Trabalho com os Çelik há mais de vinte anos e confesso que é a primeira vez que me recebo uma garota tão bonita e tão magrinha como empregada. Você dará conta do recado?
Meu coração se enche como medo de ela me rejeitar:
—Sou magra, mas muito forte, não veja minha aparência como empecilho, vou trabalhar direitinho. Eu preciso muito desse emprego.
Ela torce os lábios:
—Você não é uma dessas garotas iludidas que vem atrás do seu ídolo? Não está aqui para conquistar Murat, está?
Meu coração se agita, aquele homem tinha esse nome. Qual é a probabilidade de ser a mesma pessoa? Deus! Esse nome não é comum.
—Murat? —Questiono sem entender o que ela quis dizer e ao mesmo tempo que estremeço me lembrando novamente daquele homem que conheci no hotel. —Desculpe-me senhora minha ignorância, mas quem é esse homem?
Ela ainda me olha desconfiada.
—Bem, entre, vamos até a cozinha, enquanto você toma café, conversamos. Quero ouvir toda a sua história, o que te levou a essa vaga como empregada.
Ah isso eu faço bem! Falar de mim. Foi isso que fiz na agência para a mulher que desconfiou também da minha capacidade de ser uma boa empregada. Eu abri o meu coração para ela e minha história a conquistou. Farei o mesmo com Rose, acredito que ela também entenderá a minha necessidade de ter esse emprego. Ela irá reconhecer minha força de vontade mesmo ante a minha luta.
A cozinha é lindíssima, toda em aço inox, enorme. Uma linda bancada em mármore dividindo o ambiente da copa onde fica uma mesa enorme retangular. As janelas de vidro a cerca, revestidas com cortinas brancas com vista para os fundos da casa onde há um lindo jardim.
E foi isso que aconteceu, enquanto eu tomava o maravilhoso café da manhã na cozinha, Rose ouviu o que eu tinha a dizer. Ela viu tanta veracidade nos meus olhos conforme eu relatei a minha vida que comovida, ela resolveu me dar a chance de trabalhar para os Çelik.
Ah Conheci Norma também, a cozinheira. Ela é bem simpática e afetuosa do tipo mãezona.
Hum, já vi que vou amar esse emprego. Ao menos o ambiente parece ser bom, diferente daquelas lambisgoias que trabalhavam comigo na recepção do hotel.
Agora estou aqui no quarto que será meu, que fica na ala dos empregados, vestida com um uniforme azul-marinho fechado e com mangas curtas, sobre ele um avental branco com bordados nas pontas. Prendi meu cabelo no alto da cabeça para facilitar o trabalho.
Pouco tempo depois Rose surge no quarto:
—Serviu o uniforme?
—Ficou um pouco folgado, mas eu prefiro assim. Acho que para me movimentar é melhor.
Ela coça a cabeça.
—Não sei se o senhor Çelik aprovará. Ele gosta dos empregados bem asseados.
—Quantas pessoas moram nessa casa?
—Seus pais que estão viajando e Murat.
Assinto para ela e pergunto:
—Qual será minha função.
—Então…—Ela coça a cabeça. —Você é tão magrinha para o serviço pesado que estou pensando em colocar você como auxiliar de cozinha.
—Eu adoro cozinhar. —Digo com um sorriso.
Ela ri.
—Verdade? Que bom! Então combinado, você ajudará Norma com as refeições e será responsável por colocar a mesa de jantar.
Eu me sinto feliz. É mais a minha praia do que limpar e arrumar a casa.
—Ótimo. E obrigado Rose.
Ela sorri satisfeita.
—Espero que se dê bem na cozinha.
—Eu também. Sempre gostei de cozinhar. Sei alguns pratos. Aprendi alguns novos com a minha tia, nos tempos que fiquei na casa dela também. Sei fazer de tudo um pouco. Claro que só a culinária do dia-a-dia, nada da culinária mais sofisticada. Mas tendo um livro de receitas, consigo reproduzir tudo.
Minha tia é uma pessoa muito simples, mas adorável. Muito diferente da minha mãe, que se casou com meu pai por causa do dinheiro.
—Ah que bom. Bem, mas o importante é a noção de cozinha e isso você tem. Então, vamos lá?
—Sim, Rose. Não vejo a hora de começar. O senhor Çelik virá para almoçar?
—Não, só para jantar. Mas ele não come muito no jantar. Uma comida mais leve. Ele adora ensopados, sopas, tudo que tem molho.
—Hum, está certo.
—Tire esse uniforme que vou pegar outro para você.
—Está certo.
Eu a espero de calcinha e sutiã sentada na cama, pouco tempo depois ela surge com o novo uniforme. Ele é vestido um pouco grosso branco, com botões pretos grandes. Ela me dá também um chapéu próprio para a cozinha.
Eu visto o uniforme e, novamente, ele fica folgado.
— Como você é magra.
—Eu estou abaixo do peso. Senti muito a perda do meu irmão.
—Ah, mas não pensa mais nisso. Vida nova agora. Chega de tristeza!
Limpo minhas lágrimas, tocada por suas palavras. Rose sorri constrangida para mim e diz:
— Vamos! Acompanhe-me!
Norma já me espera, com certeza Rose já tinha dito para ela sua resolução de me colocar para ajudá-la na cozinha. Ela não perde tempo e me mostra tudo, todos os seus utensílios, os aparelhos, temperos e onde fica a dispensa.
—Deus! Que cozinha maravilhosa. Tem de tudo! Todo tipo de especiaria. Seu patrão é bem requintado.
— Sim, eles gostam de comer bem. Mas não são nenhum comilões. Todos eles comem com qualidade e não quantidade.
—Ele é francês?
Norma ri.
—Você é a primeira mulher que desconhece o sobrenome da família Alakurt Kemal Çelik.
Eu rio do sobrenome comprido.
—Deus! Parece nome de Rei, príncipe.
—Eles são turcos. —Norma diz sorrindo.
Estremeço novamente. Deus! Não pode ser a mesma pessoa! Impossível! Disfarço meu nervosismo e comento:
—Hum, não sabia que turcos tinham nomes tão compridos.
—Geralmente não tem. —Ela ri. —Você nunca ouviu mesmo falar de Murat?
Engulo em seco. Novamente esse nome!
—Não, mas estou curiosa.
—Venha até a sala. Lá tem uma fotografia dele.
Estremeço, com o coração agitado a sigo até a sala. Estou louca para tirar minhas dúvidas. Ela pega o porta-retratos na mão e me entrega. Sou tomada de horror. A mente gira como um caleidoscópio maluco. Forço meu queixo a ficar no lugar e não cair.
Sim, é ele! Murat é o homem que conheci no hotel que eu trabalhava. Bem, foi muito mais que conhecer, eu me entre....
Estremeço.
Ele está lindo na foto. Sou nocauteada por tamanha beleza. Ele está sorrindo ao lado de um senhor e uma senhora que devem ser seus pais. Elegante dentro de um smoking. A postura revela sua energia e imponência, o físico perfeito, parece um atleta.
Sim, eu o conheço. É aquele deus grego que esteve no hotel em York. Nem acredito que é o cara que esbarrou comigo no hotel. Bem, nesse dia eu que trombei com ele.
Antes de entrar no hotel, eu tinha sido ameaçada pelos traficantes novamente me cobrando as dívidas de drogas que meu irmão deixou depois de morrer de overdose. Um deles me pressionou em um poste e me lambeu.
Bem, já viu como eu fui trabalhar.
Com a cabeça cheia.
Fiquei desnorteada.
Então eu parecia uma sonâmbula nesse dia. Laura a garota que trabalhava comigo me pediu para pegar umas fichas no almoxarifado. E eu estava tão aérea que me perdi. Distraída acabei dando um encontrão com um homem perfumado.
Murat.
Ele saía de uma sala de reuniões acompanhado com alguns executivos. Na época ele estava com muletas, ainda posso ouvir seu gemido de dor.