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Capítulo III

Uma curandeira incapaz d e curar-se

Samanta acordou em um sobressalto com os gritos de Mabel no andar de baixo.

-Glooooooria aaAaaa! - Mabel exclamava à plenos pulmões - Uma barata!

Levantou-se da cama, cambaleando até a porta do quarto.

-Cala a bocaaaaa! - gritou Samanta, e fechou a porta com força, logo em seguida. Deitando-se novamente na cama aconchegante com lençóis de seda.

Após a interrupção de seu sono naquela manhã de sábado, o dia em que ela aguardava ansiosamente, pois poderia dormir até tarde, Samanta permaneceu estirada na cama, olhando para o teto e recordando-se de sua visita ao quartinho de bagunça na noite anterior.

Abriu a gaveta do criado mudo, onde a caixinha com o bilhete, permanecia intacta ao lado de algumas revistas. Perguntou-se se seria uma boa ideia contar para o seu pai o que havia encontrado, mas, lembrou-se imediatamente da história com o whisky e da conversa dos dois no dia anterior. Se ele descobrisse que ela descumpriu mais de uma de suas ordens, quanto a não mexer nas coisas de sua mãe, ele passaria a cogitar medidas mais severas. Optou por não contar nada, e manter tudo que acontecera em segredo.

Ao descer as largas escadas de mogno, encontrou uma Mabel chorosa, sentada no sofá da sala de televisão.

O que aconteceu? - Samanta perguntou, bocejando.

Aquele negócio nojento pousou no meu braço. - Mabel choramingava enquanto limpava o braço repetidamente.

-Não seja tão fresca, é só uma barata. - E sentou-se na poltrona onde seu pai habitualmente se sentava ao chegar do trabalho.

-A revista de Outubro chegou. Glorinha comprou na banca quando foi à feira mais cedo. - Mabel disse entusiasmada, já esquecendo-se do infeliz incidente com a barata.

Mabel era uma típica garotinha de doze anos, envolta em sua série de pequenos problemas advindos da pré-adolescência. Os garotos bonitos e mais velhos que ainda não lhe davam bola, e o desejo de ser como as garotas da revista adolescente que ela lia todos os meses, assiduamente. Espelhava-se em Samanta, pois, em seu íntimo, acreditava que sua irmã era ainda mais especial do que essas garotas, sempre cheia de si, e indiferente à opinião alheia. Esta admiração era constantemente ocultada, e as brigas frequentes das duas faziam com que Samanta sequer imaginasse o quão importante ela era para Mabel.

-Quem está na capa deste mês? - Samanta perguntou, esforçando-se para conter a empolgação que também sentia quando a revista chegava.

-O John Travolta... - Mabel fez um olhar de insatisfação - Não o acho tão bonito.

-Ah, você não sabe o que é beleza ainda, ele é um gato. - Samanta respondeu tentando pegar a revista da mão de Mabel - Olha só, veio um pôster.

-Pode ficar, odiei. - disse Mabel, pegando a revista de volta. - V amos ler o horóscopo. - Mabel pigarreou - Câncer! Olha só, aqui diz que combino com o Rob Lowe, ele é de Peixes.

-Quanta baboseira. Fala sério, ele nem sabe que você existe.

-Se soubesse, ficaríamos juntos. - Mabel respondeu, com evidente firmeza.

-Você só tem doze anos. Vá, leia o meu...

-Você não disse que era baboseira?

Não tenho nada para fazer... Mas é óbvio que eu não acredito.

Hum... - Mabel fez uma careta - Estou procurando. .. Achei! Aquário. Fique atenta aos sinais que lhe aparecem, não desista de seus objetivos, o destino está a seu favor . - Mabel fez uma cara de surpresa - Interessante. Quais sinais estão aparecendo?

Samanta lembrou imediatamente do bilhete encontrado no quartinho da garagem, um papel aparentemente deixado por sua mãe. Pensou novamente no que aquilo poderia significar , e em como ela descobriria.

-Sinal nenhum... - Falou, após muito pensar. - Já lhe disse que eles colocam as mesmas bobagens para todo mundo.

-Bom, eu acredito. E aqui está dizendo para eu tomar cuidado até mesmo com as pessoas mais confiáveis. Seguirei esse conselho.

Samanta revirou os olhos, entediada com a inocência de sua irmã. Mas lembrou-se de que quando tinha sua idade, também acreditava em todas as dicas do horóscopo.

Mabel ligou a televisão, para assistir aos desenhos animados da manhã. Glória trouxe para a sala, como sempre fazia, o café da manhã das garotas, que gostavam de comer na sala de TV.

-Obrigada, Glorinha - As meninas responderam em uníssono.

-Glória... - disse Samanta.

-Sim, querida

-A minha mãe... - Samanta olhou para Mabel, para certificar -se de que ela permanecia atenta aos desenhos. - Como era?

-Como assim? - Glória perguntou, pensativa, tentando recordar-se de algo.

-Não sei... Ela parecia ter muitos segredos.

-Eu vim para cá pouco tempo antes de seu falecimento, minha querida, não a conhecia tão bem. Por que a pergunta? Aconteceu alguma coisa?

Nada, às vezes fico curiosa com relação a ela. Lembro de pouca coisa.

Acho que não sou a melhor pessoa para te ajudar. Desculpe.

-Tudo bem. Não tem problema...

-Certo, se precisar de alguma coisa, estou na cozinha.

Glória saiu, segurando a bandeja que usou para levar o café das garotas.

-Por que perguntou isso? - Mabel perguntou, desconcentrando-se da televisão.

-Nada... Só algo que passou pela minha cabeça.

-Você é tão esquisita.

Samanta olhou para os lados para se certificar de que Glória já havia de fato havia saído, e levantou-se da poltrona para sentar-se ao lado da irmã, no grande sofá de couro da sala.

-Se eu te contar uma coisa que achei, você promete que não vai me dedurar? - Samanta sussurrou.

-Prometo. - Mabel respondeu com nítida empolgação, pois eram raros os momentos em que Samanta lhe contava segredos.

-Me espere aqui.

Samanta subiu as escadas, e voltou com a caixinha em mãos. Retirando o bilhete que estava lá dentro.

-Olhe só... - Mostrou-o para Mabel, que o olhava em expectativa.

-A chave está na saída?

-Shh... Fala baixo. Não quero que ninguém saiba que eu estava bisbilhotando o quartinho.

-Onde você encontrou? - Mabel sussurrou enquanto lia novamente.

Samanta contou toda a história de como havia achado aquele bilhete enigmático, enquanto Mabel a escutava atentamente, ainda com o bilhete em mãos.

-Parece loucura, não faço ideia do que isso pode significar. De qual chave ela está falando? - Mabel perguntou.

-Não sei... Mas não podemos falar nada com o papai ou com a Glorinha.

-Você acha que tem alguma coisa a ver com a morte dela?

-Não parei para pensar nisso. - Samanta se impressionou com o raciocínio da irmã. Afinal, a morte de sua mãe havia sido mesmo muito misteriosa.

-O papai disse que ela morreu de pneumonia. Mas eu já ouvi um monte de comentários por aí de que ela curava as pessoas que tinham doenças ainda piores.

-Sabe que nunca pensei nisso? Faz todo sentido, Mabel. Como alguém que curava todas aquelas pessoas, não pôde se curar?

-É, eu pensei nisso, dia desses... - Mabel respondeu, desconcentrando-se do papo, e focando no seu desenho animado preferido, que acabara de começar.

-É tudo bem estranho... - Samanta adentrou em seus pensamentos conturbados, que agora, faziam inúmeras suposições. E como seu horóscopo aconselhou, ela ficaria atenta aos sinais, e não desistiria de seu atual objetivo, que, mais do que nunca, era desatar os nós envoltos nas histórias sobre a sua mãe, e na misteriosa incógnita da sua morte, que ela só pudera perceber agora.

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