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Capítulo IV

Glória

Glória preparava o almoço na cozinha, enquanto cantava uma famosa canção do Roberto Carlos, seu maior ídolo.

-Nunca se esqueça, nem um seguuuundo... - Ela gritava, empolgando-se com sua parte predileta. - Aumenta o volume, Bel, aumenta! - Ela pedia bravamente, enquanto Mabel aumentava o volume do rádio, entre risinhos.

Glória Cardoso se mudou para Clareira de Misé em 1978, ainda muito jovem, para procurar emprego, já que esta morava no Vilarejo das Águas, uma pequena região próxima da cidade, cercada de lendas e notórias brigas mal resolvidas entre seus habitantes. O lugar , pouco desenvolvido, fazia com que comumente seus moradores se mudassem para cidades próximas em busca de melhores oportunidades de emprego e estudos. Glória começou trabalhando como zeladora do Jornal da Clareira, o que não foi muito difícil, já que um dos empregados do Jornal, atraído por sua beleza, evidenciada em sua alta estatura e porte atlético, fizera questão de garantir sua vaga. Seu esforço e capricho como faxineira, e o modo simpático e amoroso com que lidava com os funcionários, fez com que Patrício reconhecesse de imediato a determinação da mesma. Todos comentavam a seu respeito, principalmente sobre as possíveis razões para uma moça tão bonita, de cabelos e olhos muito negros, que chamavam a atenção dos rapazes da cidade, permanecesse solteira e pouco interessada em mudar isto.

Aurora trabalhava constantemente, ajudando as pessoas enfermas da cidade, e mal sobrava tempo para cuidar da casa e de suas duas filhas pequenas, na época, com três e seis anos. Patrício, queixando-se de tal situação, e com a iminente necessidade de alguém para ajudar a sua esposa, aceitou o pedido de Glória, que ofereceu-se para cuidar da casa e das crianças.

Em 1979, Glória mudou-se para a casa dos Dante Maia, para auxiliar Aurora, que reclamava de sua falta de tempo. Quando a mesma faleceu, Glorinha, como todos da casa a chamavam, sentiu de imediato, o dever de cuidar das garotas que agora cresceriam sem a presença de sua amada mãe.

-Essa música é chata... - disse Mabel, quando a canção enfim terminara.

-Chatas são as porcarias que você e sua irmã gostam. Ele é o rei. - Respondeu Glória, visivelmente ofendida.

-Rei do mau gosto. - Interrompeu Samanta, que entrava na cozinha para pegar uma maçã.

-Nada de comer antes do almoço ficar pronto. Seu pai não gosta. - Glória tentava tirar a maçã da mão de Samanta, que a jogou para Mabel, enquanto gar galhava diante da expressão atrapalhada de Glorinha.

-Vem pegar... - Mabel ria segurando a maçã.

-Continue com a gracinha, vou contar tudo para o pai de vocês.

-Glorinha é a maior puxa-saco... - disse Samanta.

-Eu trabalho para o pai de vocês. Só faço a minha obrigação. - Glória respondeu, enquanto descascava as batatas para o purê.

-Todo mundo sabe que você gosta dele. - Mabel disse, após uma dentada na maçã que segurava.

O silêncio na cozinha fora instantâneo.

-Ora, me respeite, mocinha. Não gosto desse tipo de conversa, e não quero ouvir nada disso de novo, está entendendo?

Samanta desviou seu olhar que encarava o semblante visivelmente constrangido de Mabel, e o lançou furtivamente para o rosto avermelhado de Glória. Notando, de forma automática, como esta ficou nervosa após o comentário. Esta observação lhe fez refletir por alguns rápidos segundos, sobre o real sentimento que Glória tinha em relação ao seu pai.

-É, Bel, bobagem dizer isso... - Samanta concordou, olhando seriamente para Glória.

-Desculpa. - Mabel respondeu, constrangida após a repreensão. E se retirou da cozinha, deixando a maçã mordida no balcão de mármore.

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