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Capítulo 4 - Tenho um namorado!

¤ Por Lili James | Brooklyn, Nova Iorque ¤

    Eu estava exausta, com os pés doloridos, com as pálpebras pesadas de sono, e uma Samantha incontrolável do outro lado da cidade à minha procura. Viva ou morta. Mas viva para ela poder me matar.

    Henry me sequestrou para seu apartamento pela segunda vez esta semana, surtado com a ideia de uma festa. Samy não parava de me mandar mensagens, querendo que eu fosse mais específica ao lhe contar os detalhes de onde estava, mas eu não podia, então tentava enrolar ela o máximo que dava, o que não era muito. Enquanto Henry continuava a encher meus ouvidos com suas paranóias.

— É um evento fechado, mas todos os funcionários e familiares dos funcionários estaram lá. Alguns fotografos, mas nada de jornalistas. Então teremos que convencer a todos por fotos. — Guardo o celular de volta na bolsa, e lhe encaro, me segurando para não bocejar.

— Vamos ser convincentes, não se preocupe — ele suspira, se servindo mais uísque. Eu já estava na segunda taça de vinho, tudo o que eu queria era cair na cama. Estava encolhida num pedaço daquele imenso sofá em sua sala, e poderia dormir ali mesmo se pudesse. Ele estava sentado ao meu lado, empenhado em arquitetar uma estratégia de marketing para nosso namoro.

— Inclusive, você precisa tocar mais em mim — quase que mordi a taça em meus lábios.

— O que disse? — poderia ser efeito do vinho.

— Você não toma iniciativas — ele piscou seriamente, mantendo uma expressão irritada.

— Tá esperando que suba em cima de você na frente de todo mundo? — ele suspira, sorrindo para mim, relaxando a postura.

— É melhor você parar com o vinho por hoje — ele responde.

— E é melhor você parar de ser paranóico. Ninguém está nem aí se somos íntimos na frente deles ou não! — dei de ombros.

— Eu só estou especificando que gostaria que pudéssemos deixar mais aparente nossa relação, não quero que pensem que você é uma acompanhante.

— Acompanhante? — ele assentiu.

— Sim — o encarei de cima à baixo. — Por isso é necessário especificar nas imagens nosso romance.

— E o que quer da minha interpretação exatamente? Esqueceu que não sou atriz? Talvez tivesse sido melhor contratar uma — ele semicerrou os olhos.

— O que namorados costumam fazer na frente dos outros? — Eu só conseguia me lembrar de filmes.

— Eu nunca namorei — informei, pensativa.

— Eu também não, mas...

— Aí fica difícil, é como ensinar sem saber a matéria! — eu ri, levemente embreagada.

— Não é difícil, são apenas olhares, sorrisos, toques. Coisas como isso — ele suspira outra vez. Ele passava o dia estressado assim naturalmente?

— Tipo isso? — eu me virei para ele, e ele olhou confuso para mim. Seus olhos brilhavam procurando alguma resposta em meu rosto, enquanto eu deslizei minha mão pelo o seu braço e sorri para ele. Eu percebi seus olhos sorrirem quando percebeu minha tentativa de atuação, e então gargalhei da situação. — Viu? Somos bons nisso, não precisamos planejar. Nosso romance é espontâneo! — ainda com um sorriso teimando sair dos seus lábios, ele tirou a taça da minha mão, devolvendo a mesa.

— Deve estar sendo chato pra você essa situação... — eu neguei rapidamente.

— Só estou cansada — ele franze o cenho, olhando o relógio.

— Puxa, me desculpe, Lili! — ele pulou do sofá, recolhendo meu casaco do chão. Ele ofereceu uma mão para me ajudar a levantar e eu aceitei. — Vou te levar pra casa. Ou... — ele me ajudou a vestir o casaco. — Não prefere dormir por aqui, no quarto de hóspedes? Até o Broklyn são uns quarenta minutos.

— Obrigada — engoli em seco. Nunca dormi na casa de alguém. — Mas Samy já está louca atrás de mim. Ela acha que estou mentindo sobre onde venho...

— Entendo — ele acena, e pega a chave do carro, nos conduzindo para fora de seu apartamento. — Por que não diz a ela que está namorando?

— Porque ela faria da sua vida um inferno — ele ri. — Iria querer te conhecer, saber sobre você, da sua família, amigos, trabalho... Ela é desconfiada, e não que eu ache ruim, mas ela pode acabar descobrindo, ela é esperta e me conhece muito bem.

— Nós poderíamos jantar com ela, eu não me importo. — Eu sorri para ele, era gentil de sua parte. — Teríamos cuidado com as palavras.

— Eu agradeço, mas detestaria montar esse teatro para ela também... — ele me olhou fixo por um tempo, parecia pensar em alguma solução. Poderia ouvir as engrenagens de seu cérebro funcionarem, enquanto o elevador nos levava para a garagem. Já havia percebido que Henry trabalhava para criar soluções.

— Você já está mentindo para ela, poderia fazer de uma forma melhor para que ela não se preocupe tanto. — Eu suspirei desanimada, pois ele tinha razão.

— Vou pensar nisso — ele acenou. — E não se preocupe com o evento, vamos fazer esse romance funcionar.

— Não temos que esperar que dê certo, temos que fazer dar certo — ele deu um passo em minha direção, me puxando em seguida, com uma mão em minha cintura, me fazendo parar de respirar. — Precisamos de sintonia, de pegada, espero que não se importe. — Depois me soltou devagar, com um sorriso cafajeste nos lábios. Ele havia me deixado boquiaberta.

— Esse tipo de coisa acontece natural e espontaneamente. Não funciona com planejamento — cruzo os braços, e ele suspira. Minhas pernas ainda estavam bambas com sua atitude, ele não podia chegar assim em mim de repente. Quem ele achava que era? Don Juan?

— Gosto de trabalhar com estratégias. — Ele dá de ombros.

— Então planeje se divertir, e tudo vai seguir espontaneamente. — As portas se abrem e ele novamente me conduz entre os carros. Ele gostava mesmo de controlar a situação.

— Você confia em mim?

— Estou numa garagem com um estranho às onze da noite, eu acho que sim. — Ele riu.

— Pensando bem, você é maluca — ele abre a porta de seu carro para mim, e logo adentra também.

— Me diz algo que não sei — ri junto com ele.

— Se você confia em mim, pode se sentir íntima e me tocar mais, ser mais intima publicamente, como fiz com você no elevador, precisamos convencer as pessoas. — Ele manobrou o carro e logo estávamos entrando na via. — Eu não me importo, você pode ficar à vontade para isso, já que estaremos sendo apenas profissionais.

— Não constumo ser inconveniente — ele me encarou com um olhar estranho.

— Desculpe se fui inconveniente, só quis mostrar do que eu estava falando. — Eu neguei com um aceno.

— Eu sei do que você está falando, e eu já entendi. Nós estávamos nervosos demais na casa dos seus pais, foi nossa primeira atuação — ele ri.

— Sim.

— Por isso que estou confiante que seremos melhores "nisso" na festa.

   E eu estava tão errada quando disse isso.

Faltava cerca de cinco minutos para chegarmos ao tal evento, e eu não poderia estar mais nervosa. Eu tinha certeza que se abrisse a boca para desabafar, ele iria surtar comigo nesse carro. E deveríamos ser o alicerce temporário um do outro.

   Estava enfiada num vestido caríssimo, com uma jóia no pescoço mais cara que seu carro, provavelmente. Eu me enfeitei até onde pude, meus cabelos mal balançavam com tanto laquê. Eu queria dar o melhor de mim, para suprir a insegurança que me corroía. Eu olhava para ele, e ele parecia esperar tudo de mim. Eu tentei insistir que o colar era demais, e que meu medo de perdê-lo era maior que o de morrer, mas ele riu e me chamou de boba.

   Eu estava, novamente, me questionando da merda que estava fazendo. Onde eu estava com a cabeça? Na droga do curso? Não era nisso tudo que estava pensando quando aceitei!

— Chegamos — ele anunciou, estacionando ao lado de um enorme prédio. Havia um enorme tapete vermelho ao lado do carro, era a entrada do evento. Me virei para ele, e ele parecia esperar alguma palavra dos meus lábios. — Arrependida? — ele sorriu.

— Você quer que eu acredite que está calmo? — ele sorriu ainda mais.

— Mas eu estou calmo — então saiu do carro, e veio até minha porta. Eu saí trêmula, aceitando sua mão como apoio. Ele entregou as chaves para o manobrista, e se ajeitou perto de mim. — Tenta seguir seu plano de espontaneidade. — Maldito!

— Cale a boca — falei entredentes, sorrindo para um rapaz que mirou sua câmera fotográfica em nós.

— A noite é uma criança, Lili — ele me conduziu suavemente até uma parede que continha o nome da empresa, 'Montanari Enterprise'. E pausamos para outra foto. Sua mão rodeou minha cintura, e ele me puxou para seu corpo. Usei minha mão para me apoiar em seu peito, morta de vergonha.

— Aquele contrato me impede de te agredir? — ainda me mantendo perto, ele nos levou para dentro do prédio. A recepção era enorme, havia no mínimo umas duzentas pessoas, e todas elas nos encararam instantaneamente.

— Felismente, sim.

— Você disse que a festa seria pequena — me virei para ele, com o melhor sorriso que consegui, e ele retribuiu, e com certeza estava achando graça da minha surpresa.

— E você que disse que não devíamos nos preocupar. — Maldito mil vezes!

   Novamente fomos para um canto tirar mais fotos, eu estava trêmula, mas conseguia entregar minha parte. Henry parecia totalmente confortável, em sua feição e pose arrogante, como se tivesse um rei na barriga. Eu achei graça disso, e ele conseguiu me pegar no flagra. Seus olhos se estreiraram para mim, como se tentasse advinhar no que eu estava pensando. E nossos corpos eram banhados de flashs enquanto isso, até que ele decidiu que já estava bom, me conduzindo para fora daquele centro de atenção.

— Muitas câmeras — eu disse, olhando para os lados. As pessoas ainda nos observavam.

— Tentei te avisar — ele sorriu, me puxando ainda mais para si. Eu não conseguia agir normalmente tão perto dele assim.

— Deixa de ser chato — reclamei, tentando ficar confortável em seus braços.

— Ele não consegue, é natural dele ser chato! — ouvi ao meu lado, era seu irmão.

— Peter, boa noite — e acenei sorridente para a mulher muito elegante ao seu lado.

— Essa é minha esposa.

— Vivian, muito prazer, e você é a Lili, namorada do Henry, certo?! — ela me puxa suavemente para um rápido abraço, com um lindo sorriso aberto.

— O prazer é meu, Vivian — sorri. Peter puxou Henry, provavelmente para falar algo em particular, e Vivian se pôs ao meu lado.

— Eu odeio esses eventos, mas é importante para nossos companheiros. O pai deles é muito exigente com a imagem, mas a Marian é super tranquila.

— Sim, conheci os dois — eu suspirei sob seu olhar analítico.

— Conhecer os sogros nunca é divertido, imagina quando seus sogros são a família Montanari. — Ela passou a mão pelo seu ventre, e então lembrei da sua gravidez.

— Parabéns pelo o seu bebê! — sorri animada, e ela retribuiu.

— Muito obrigada, estou tão feliz. Faz dois anos que começamos a tentar... — assenti. E então voltei a observar a festa. As pessoas bebiam e conversavam, parecia um desfile de moda, todos posavam como modelos.

— Não sabia que essa era a vida de Henry.

— Eu também, quando me apaixonei pelo Peter. Ele é um idiota, mas aqui estou eu, rodeada de paparazzi — ela ergue uma taça com água, e eu achei graça. Ela mal sabia da minha posição nessa situação toda. — Você trabalha?

— Estudo Psicologia na Columbia, e você?

— Interessante — ela sorriu. —, faz um ano que me formei em arquitetura, mas quando descobri a gravidez dei uma pausa. Tive umas leves complicações, Peter ficou preocupado.

— Sinto muito... — ela assentiu.

— Estou tomando meus cuidados — ela suspirou. Os rapazes voltaram para perto, e Henry me trazia uma taça de champanhe.

— Obrigada — bebo um gole, enquanto sentia meu rosto queimar, com suas mãos novamente em minha cintura. Como me acostumar com isso?

— Procurou aperitivos? — Vivian perguntou para Peter, e Henry riu.

— Eles ainda não serviram comida, se contente com a água. — Ele beija sua testa.

— Tome providências sobre isso Henry, não deixe uma grávida passar fome! — Nós rimos.

— Vou providenciar da próxima vez — ele dá de ombros.

— Humf, cavalheiros, levem suas damas para dançar! — ela deu a ideia, quando uma música suave começa a preencher o ambiente. As pessoas se reuniram numa pista de dança a nossa frente, sorridentes e entre pares, em um balance que parecia gostoso e fácil.

— Mas você quer comer ou dançar? Se decida, mulher! — Peter brinca, e Vivian apenas suspira o puxando para a pista. Henry olhou pra mim.

— Nem vem, não sei dançar. — Tentei intervir, mas ele apenas tomou a taça da minha mão, deixando em algum lugar. Ele me puxou pela cintura, seguindo os passos do outro casal. — Você não sabe ouvir um 'não'?

— Talvez — ele sorriu cafajeste. Odiava quando ele fazia isso, me fazia sorrir automaticamente. — Pode deixar que eu te guio, é só colar em mim — ele me puxa para mais perto, juntando nossos corpos. Seguro a respiração, me concentrando totalmente em seus olhos, que pareciam me transmitir confiança.

— Eu odeio você — sorri abertamente, observando de relance as pessoas que nos encaravam.

— Esqueça eles, pense que estamos sozinhos — suspiro, voltando minha atenção para os cristais em seus olhos, que continham um brilho especial naquela noite.

   Ele acariciava levemente minha cintura, enquanto eu apertava nervosamente seus ombros. Eu parecia um boneco torto que ele segurava, e aquilo me fez ficar ainda mais ansiosa. Eu me concentrei mais uma vez em seus olhos, e respirei fundo, jogando minhas mãos para sua nuca, onde acariciei seu cabelo. Ele sorre como se tivesse notado, e eu sorri querendo muito agredí-lo.

— Não sabia que gostava de dançar.

— E não gosto — e por que estava me fazendo passar essa vergonha?

— Humf — fiz, e ele riu.

— Não beba muito champanhe, não quero ser abusado por você. — Eu quase gargalhei do que disse.

— Não seja bobo — reviro os olhos.

— Uhum — ele sorriu, me apertando mais em seu abraço. Eu lhe encarei com o olhar estreito.

— Você que está abusando de mim — ele deu de ombros.

— Estou aproveitando uma oportunidade, não é sempre que saio com uma garota de vestido vermelho — Eu revirei os olhos novamente, enquanto um barulho de palmas começavam ao nosso redor.

Nossa atenção é roubada para além da pista, seus pais chegavam na festa. Eu olhei para Henry, e nós aplaudimos juntos. Eu percebi que sua mãe nos encarava, e estava com um lindo sorriso de canto a canto.

— Minha mãe gostou de você.

— Que bom — respondo, acanhada.

— Sim — ele caça minha mão, e entrelaça nossos dedos, assim que seus pais se aproximaram de nós. Vivian e Peter também chegam para perto.

— Boa noite! — A sra. Marian sorre para nós. Ela nos observava como se fossemos crianças.

— Boa noite — eu e Vivian respondemos.

— Vamos logo para o painel — O sr. Montanari diz, levando sua esposa.

               Henry me conduziu com ele para o tal painel, assim como Peter e Vivian. Ele me colocou ao seu lado, e então percebi que se tratava de outra fotografia. Suspirei fundo, e Henry percebeu, pois me acariciou na barriga, talvez para me acalmar. E por que só eu estava ansiosa? Ele parecia flutuar em nuvens. Eu me apoiei em seu peito, tentando relaxar minha posição, e dei meu melhor sorriso. Várias fotos foram tiradas, e depois o pai de Henry falou algumas palavras em relação a empresa e o evento, antes de voltarmos a nos espalhar pela festa.

— Só mais alguns minutos, e já vamos, já fizemos o que tínhamos que fazer — ele disse no meu ouvido, assim que nos afastamos de sua família. Eu assenti, e olhei ao redor.

— Ei, você disse que tinha outro irmão, ele não vem?

— Ele mora em Londres. — Fico surpresa.

— Que legal.

— Meus avós ainda moram lá também — assenti.

— Você deve ter algum podre, não é possível que sua vida seja tão perfeita! — o provoquei. Decido pegar uma taça de vinho, com o garçom que passava com uma bandeja.

— Eu nunca disse que minha vida era perfeita. — Ele dá de ombros.

— Algum podre? — insisti, semicerrando os olhos. Ele sorriu.

— Você é meu único segredo.

— Sei — pisquei. E ele piscou de volta, me deixando sem graça.

— Vou chamar nosso carro.

— Mas já? — Peter surge novamente com Vivian.

— Temos mais o que fazer.

— Safadinhos — Peter brinca, me deixando roxa de vergonha. Nem olhei pra cara de Henry pra não me denunciar.

— Devíamos ir também, eu soube que não tem comida mesmo. — Eu ri, para me distrair. — Ei, poderíamos marcar algum programa de casais.

— Seria legal — forço um sorriso, e encaro Henry, que parecia achar graça de mim.

— Só mulher gosta desse tipo de coisa. — Peter reclama.

— Está decidido! — Vivian sorre para mim, me abraçando novamente. — Adorei você!

— Foi bom te conhecer também — sorri para ela. Henry acena para eles e começa a nos tirar dali. Novamente ele tira a taça da minha mão.

— Falei pra não beber demais.

— Eu estou bem sóbria, obrigada pela preocupação — reviro os olhos, e ele ri.

— Janta no meu apartamento?

— Tudo bem.

    O percurso não demorou quase nada, ele reclamou um pouco de fome, e eu só queria tirar aquele vestido, enquanto ele me elogiava. De fato, eu estava diferente.

Assim que chegamos, corro para o quarto de hóspedes, tirei a bendita jóia do meu pescoço com o maior cuidado, guardando-a devolta em sua caixa. Troquei o vestido por um short jeans e uma camisa branca que havia levado. Deixei a maquiagem e o cabelo como estavam, e fui o encontrar na cozinha. Ele estava com sua camisa desabotoada e aberta, que flutuava mostrando seu tronco superior desnudo. Ele devia gostar de treinar seus músculos – observei casualmente. Tirei o olho antes que ele percebesse.

— Já está aí?! — ele preparava algo na panela.

— Quer ajuda? — ele sorriu.

— Pode fazer o suco? — eu me prontifiquei para fazer o que pediu, mas a todo o momento meus olhos funcionavam como imãs para sua camisa aberta.

  Por que ele fez isso? Se estava com calor, que fosse tomar um banho para refrescar, ora! Mas ele estava em sua casa, era seu dever ficar a vontade.

    A cada garfada que levava a boca, eu encarava os pelos discretos em seu peito. A cor mais clara de sua pele em sua barriga, e até uma pinta que tinha acima do umbigo.

— Desculpe, só estou com calor. Essas roupas são quentes. – Ele disse, notando que eu o observava. Quase explodo de vergonha!

— Por falar nisso, o colar está na caixinha. Como é possível aquela coisinha pequena ser tão cara? — mudo de assunto, e ele acha graça do que eu disse.

— Pois é.

— E como pode amanhã já ser segunda-feira? — desanimei, lembrando-me da lanchonete.

— Amanhã começará suas aulas, não é? — eu quase pulo da cadeira. Mal recordava-me dessa informação.

— É mesmo! — eu sorri abertamente.

— Meu motorista vai ficar encarregado de te levar e buscar. — Lhe encarei confusa.

— Não lembro de ter concordado com isso.

— Será melhor, as aulas acabarão tarde demais para você pegar um ônibus ou o metrô. — Ele argumentou, sério.

— Não, eu recuso a oferta, mas obrigada. — Ele só ficou me observando comer, com uma expressão fechada. E eu não estava nem aí.

    Até chegar o dia seguinte, e advinha quem estava me aguardando no lado de fora da lanchonete?

— O senhor Montanari me encarregou de levá-la e buscá-la em segurança. Meu nome é André, é um prazer senhorita — um homem alto e de terno, me abordou assim que sai na calçada. Observei pela janela, e Hershel parecia alheio para minha sorte.

— É um prazer, André, mas eu lembro de ter recusado essa carona para Henry... — me aproximei dele, envergonhada. E tudo o que ele fez foi abrir a porta do passageiro para que eu entrasse.

— As ordens dele foram bem específicas para mim, senhorita...

— Obrigada — entrei logo e suspirei revoltada.

   Eu não queria me tornar dependente dele até para ir à universidade que ele mesmo conseguiu pra mim. Isso já estava sendo desnecessário, na minha perspectiva.

No caminho, escrevi uma mensagem de texto para ele, 'Em breve vou te ensinar à ouvir um 'não'', e enviei para seu número. O danado parecia que estava me esperando falar algo, pois rapidamente ele respondeu. 'Sou eu quem manda nessa relação, anjo'. Eu ri igual uma boba sozinha naquele banco. Ele era muito petulante.

   No dia seguinte, acordei mais cedo do que de costume, por mais que parecesse um zumbi, me adiantei no banho e na organização do meu quarto. Pretendia aproveitar o pouco tempo antes do trabalho para conversar com Samy. Estava tão feliz com a universidade, a primeira aula de ontem havia sido incrível, o lugar e os professores eram excelentes. Eu não poderia ser mais grata à Henry.

   Ontem percebi que as aulas terminariam um pouco mais tarde do que pensei que iria, e eu não queria que Samy permanecesse preocupada. Henry estava certo, eu teria que abrir o jogo com ela. Eu mal havia percebido a bola de neve aumentar, até perceber o mal humor dela se manifestar pelo apartamento.

   Ela já estava de pé e pronta para o trabalho, o cheiro do café perfumava a sala. Me aproximei pegando uma banana no cesto de frutas, e ela permaneceu calada.

— Bom dia — eu desejei, com um sorriso.

— Bom dia — respondeu séria.

— Quero te contar uma coisa, mas não pode ficar brava comigo — ela me encarou azeda.

   Não era a melhor forma de começar, mas eu estava nervosa. Samy conseguia assustar quando estava brava, e ela odiava segredos. Sempre fomos sinceras uma com a outra, por isso me doía ver o quanto meus segredos nos afastaram. Chegar tarde em casa, sair sem dizer pra onde, não retornar suas ligações ou mensagens. Eu estava deixando ela muito preocupada, e não era justo. Considerava ela como uma irmã, e muitas vezes uma mãe. Ela cuidou de mim quando não tive mais ninguém, e desistiu de sua vida no Bronx para não me deixar fugir sozinha para cá. Ela merecia explicações.

— Eu conheci um cara — ela ergueu uma sobrancelha, mas não disse nada por longos segundos.

— Por isso está chegando tarde em casa? — assenti, suspirando.

— Estava conhecendo ele melhor, e ele é ótimo, muito educado, gentil, e...

— E esse foi o motivo de me esconder? E pelo o jeito ele deve ser ótima influência, te trazendo bem tarde pra casa! — ela solta a xícara de café, cruzando os braços.

— Eu sei, foi idiotice minha esconder por tantos dias — murchei na cadeira. — A gente só conversava, e daí ele me pediu em namoro — engoli em seco. Melhore isso! —, ele me pegou de surpresa, e você sabe que eu não estava procurando isso, mas decidi tentar. — Nossa isso foi tão seco. Será que ela vai acreditar?

— Você... perdeu a virgindade, é isso? — bem direta. Eu estava tremendo, geralmente eu era péssima em mentiras.

— Claro que não, eu só estava preocupada, não pensei que ia aceitar, por isso demorei pra contar.

— Toma cuidado com isso. Não pode mentir sobre onde está, e se acontece alguma coisa? Como vou ajudar? Como vou ficar sabendo? — eu acenei positivo, deixando claro que estava lhe dando razão.

— Eu nem percebi o quanto já estava envolvida com ele, Henry é ótimo... — ela me olhou de cima a baixo.

— Não vou assustá-lo, se for isso que te preocupa — ela pisca. Então isso significava que a situação já estava resolvida, Samantha aceitou bem a informação. Isso me deixa mais leve.

— Eu espero que cumpra com isso, porque ele pensou em jantarmos todos juntos! — ela sorriu concordando. — E tem outra coisa...

— Humf, o que foi? — ela mastigou sonoramente uma bolacha.

— Ele me inscreveu numa bolsa para a Universidade de Columbia, e eu consegui. — Ela ficou me olhando estática, como se estivesse repassando o que acabei de dizer na cabeça.

— Estudar na Columbia, você diz? — ela franziu o cenho.

— Sim, Psicologia.

— Sério? — ela soltou a metade da bolacha mordida na mesa, ainda com uma cara engraçada. Era muita informação, meu medo era de que ela desconfiasse de algo.

— Na verdade, as aulas começaram ontem à noite.

— Você está estudando na Columbia? — ela deu a volta na mesa, devagar.

— Estou! — ela me puxou para um abraço apertado.

— Isso é bom, não é? — ela questionou, nos separando, com um sorriso aberto. — Por que escondeu isso de mim?

— Porque você poderia achar tudo isso estranho e repentino... O que de fato é, mas é bom. — Ela me soltou. — Eu só não sabia como contar tudo isso de uma vez, porque foi uma coisa em cima da outra, eu fiquei nervosa, não sabia se iria aceitar tudo isso.

— É uma grande mudança de fato. Ainda é confuso, mas isso é muito bom mesmo, não é? — Eu assenti, sem jeito, sua expressão entregava a confusão em sua cabeça. Provavelmente ela estava esperando algum ponto negativo que pudesse citar. Eu conheci um homem, agora eu namoro com ele e também entrei em uma universidade, tudo em um mês apenas. Era obviamente muito estranho e confuso. — Se esforce nos estudos, mas não aceite tudo o que ele quiser que você faça. Não é porque ele te fez essa gentileza que você tem que aceitar tudo o que ele propor. Vai no seu tempo. — Ela disse, com um olhar firme.

Samantha, acima de qualquer coisa, era parceira. E é óbvio que ela não entraria profundamente na conversa logo de cara, eu senti que ela estava com medo de dizer algo que pudesse soar de forma negativa. Ela não duvidava do meu potencial para as duas situações, pelo o contrário, ela exigia interesse meu para ambos assuntos, românticos e acadêmicos, mas a forma como tudo aconteceu era estranho, e conhecendo seu jeito, ela não seria a primeira entre nós a falar isso em voz alta. Então, eu deixei como estava. Ela não me pressionaria por informações, e então eu não precisaria enchê-la de mentiras.

   Tomamos café rapidamente, não queria me atrasar, era raro de acontecer. Sempre fui pontual com Hershel. E além disso, ele tem tolerado sem reclamar sobre sair mais cedo, já que antes ele insistia no fato de que eu não tinha vida social, ele estava contente em me ver cheia de compromissos. Eu contei para ele também sobre o namoro e a Universidade, e ele quase pulou de alegria. Hershel não tinha filhos, então ele se entretia comigo e minha existência.

   Ele sempre acreditou na ideia de que um dia minha vida seria melhor, que oportunidades viriam. E confesso que tenho gostado de fantasiar uma nova realidade para mim, pois um diploma mudaria sim minha vida. Só esperava que tudo acabasse da melhor forma possível.

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