Capítulo 3 - Conhecendo os sogros
¤ Por Lili James | Brooklyn, Nova Iorque ¤
Quando ele me fez o convite de ir até seu apartamento, meu estômago gelou. Fiquei nervosa, e quis sair do carro inúmeras vezes, em pequenos surtos secretos que ele mal percebeu. Porém, depois de um tempo, me senti menos desconfortável.
Ele puxava assunto quando me via calada demais, me fazia rir falando bobagens. Automaticamente estávamos aprendendo a lidar um com o outro, como se estivéssemos nos adaptando com nossas personalidades, pois é claro que ele presava para que esse plano desse certo, então era importante mantermos uma boa relação comunicativa.
Ele insistiu que passassemos a noite juntos, para conversarmos e nos conhecermos melhor. Ele prometeu que me levaria pra casa antes que ficasse muito tarde, se preocupando com meu horário de trabalho amanhã cedo.
— Confesso que os quarenta minutos de carro valeram a pena!
— Gostou da vista? — acenei com um sorriso, voltando minha atenção para ele.
— Então, quer dizer que você cozinhou pra gente? — ele suspirou, estreitando os olhos.
— Espero que você não seja muito exigente.
— Imagina! — ele ri.
— Vou preparar a mesa, pode esperar um pouco? — eu assenti, e me acomodei no sofá.
Ele tinha poucas fotografias na estante, mas eu conseguia deduzir as figuras. Uma mulher que parecia ser sua mãe, um senhor que deduzi ser seu pai, e mais dois rapazes que pensei ser seus irmãos, o que ele mencionou noite passada.
Tentei distrair meus pensamentos com os detalhes em sua sala de estar, ignorando meu subconsciente que gritava questionando o que fazia ali, na casa de alguém que mal conheço. Era notável sua organização, uma fileira de livros no lugar de uma TV. Puxo "O Pequeno Príncipe" para passar o tempo, era um dos meus livros favoritos.
— Lili — ele chega de fininho, me assuntando de leve. — Desculpe, só vim perguntar se você bebe vinho.
— Raramente... — sorrio sem graça. Deus me livre de ficar bêbada na casa de um estranho!
— Aceita uma taça de vinho para acompanhar a lasanha? Eu faço um suco se quiser...
— Aceito o vinho — ele assente, não queria lhe dar trabalho. — Você fez lasanha! Eu amo lasanha!
— Fico feliz de ter acertado — devolvo o livro para a fileira. — Gosta desse?
— É um dos meus favoritos!
— Meu também — seus olhos brilharam, provavelmente feliz por achar algo em comum comigo. — Vem, a mesa está pronta. — Ele me dá as costas e adentra o corredor, timidamente o sigo, notando quadros belíssimos espalhados pelas paredes.
— Se o sabor estiver tão bom quanto o cheiro... — O ar condicionado estava meio frio, as luzes suaves, a mesa tinha apenas os nossos pratos, as taças e uma garrafa de vinho rosé.
— Faço questão que seja a primeira a provar! — ele puxa uma cadeira para mim, me sento calmamente, com medo de derrubar alguma coisa.
— Obrigada! — ele assente, e se acomoda ao meu lado, servindo o vinho nas taças. Pego um pouco de sua especialidade no garfo, e experimento. — Nossa, está perfeito! — ele sorre abertamente.
— Fico feliz por ter gostado — ele começa a comer comigo, e então provo um pouco do vinho. Inicialmente, não parecia conter muito álcool, era tão doce e agradável, incomparável com os que já provei.
— Então, você gosta de cozinhar? Eu admito que não sou tão boa quanto você...
— Sério? Logo você que trabalha numa lanchonete? — ele sorre.
— Nós encomendamos nossos produtos — eu pisquei para ele.
— Você tem algum passa tempo, ou só vive para o trabalho? — ele se encosta na mesa, me observando comer.
— Falando assim até parece errado... — mantenho minha boca ocupada.
— Trabalhe para viver, ao invés de viver para trabalhar. — Ele orienta. — Nem uma caminhada? — dou de ombros. — Festas? — conti um sorriso nos lábios. — Literalmente nada?
— Ler é um passa tempo saudável!
— Sedentário também. — Ele faz uma careta. — Vamos começar uma caminhada noturna.
— Tá maluco? — quase cuspo a comida no prato.
— Não, por quê?
— Meu trabalho já exige muito do meu físico!
— É mesmo, não vi por essa perspectiva... — ele sorre. — Deve ser muito cansativo.
— Antes não era tanto, mas o Hershel está envelhecendo, é obvio que ele não pode manter o mesmo ritmo de antes, então entramos num acordo, ele fica mais na cozinha enquanto que eu fico com a maior parte da correia. — Ele assente com uma expressão de empatia.
— Você parece se importar muito com ele.
— Já te disse antes, o considero como um pai. — Ele assente.
— Por falar em pai... — e lá vamos nós.
Eu sabia que em algum momento ele insistiria no assunto, afinal, o intuito era nos conhecermos melhor. Seria estranho não mencionarmos nossas famílias, e ao recordar do fato que comentei antes, de não manter contato com minha família, deve ter posto uma 'pulga em sua orelha'.
— Eu falei tanto da minha família, mas você não muito. Mas não precisa falar, se for um incômodo!
— Não, tudo bem... — terminando meu prato, bebo um pouco mais do vinho, e limpo a garganta antes de falar. — Eu não me dou muito bem com meu pai, e minha mãe me abandonou com ele quando eu tinha seis anos.
— Nossa, sinto muito por isso — me olha com pena. Eu odiava isso.
— É uma questão já resolvida. — Ele assente. — O restante da família não faço questão. Porém meu pai é doente, ele é alcoólatra, e desenvolveu uma lesão hepática crônica no fígado. Então eu tento ajudar, mas não o visito.
— Ainda assim, é admirável. — Ele concluiu, depois de um tempo em silêncio.
— Samy acha um absurdo.
— Por quê?
— Ela não gosta dele, mas enfim, o clima deu uma pesada — sorri, sem graça. — E eu não tenho mais o que dizer da minha família, só que, hoje, ela se resume à Samantha.
— A "Samy" que você chama? — assenti concordando. — Onde a conheceu?
— Na escola do bairro, nossa, ela era terrível!
— E você era a aluna perfeita? — noto o deboche no seu olhar.
— Minha notas eram excelentes, senhor Montanari! — ele sorre.
— Não quis continuar a estudar?
— Tive que priorizar outras coisas... — ele suspira.
— E se eu te oferecer uma bolsa? — franzi o cenho.
— Como assim?
— Todo ano, a minha empresa, a Mont Enterprise, financia uma bolsa de estudos na Universidade de Columbia. Posso te indicar para este ano, pode escolher o curso que quiser. Considere como um favor de um amigo para uma amiga. — Não percebo ficar boquiaberta com a informação, até minha língua secar. Ele ainda esperava uma resposta.
— Sério? — mas não seria pedir demais? Não mesmo, em comparação ao namoro de fachada – meu subconsciente responde.
— Claro que sim, seria mais que merecido. As aulas estão perto de iniciar, já pode ir pensando no curso que deseja. — Observei meu reflexo na mesa de vidro. Seria mesmo possível? Era um sonho guardado na gaveta, nunca sequer pensava na possibilidade. Seria incrível se ele pudesse fazer isso... Levanto os olhos marejados para ele, e ele logo demonstra preocupação.
— Ah! — pulo da cadeira e o esmago num abraço. Ele parece sem jeito no início, mas alguns segundos depois rodeia seus braços envolta de mim. — Obrigada pela oportunidade! — me afasto rapidamente, e ele sorria.
— Será um prazer, Lili — logo me recomponho, voltando para minha cadeira. Ele engole o resto do vinho de sua taça.
— Então, me explique melhor sobre nosso acordo.
— O que quer saber?
— Qual minha função no meio disso?
— Me acompanhar quando haver algum jantar com meus pais, ou irmãos, nada demais. — Suspirei nervosa. — E tem alguns eventos que tenho que comparecer as vezes pelo o papel importante que executo na empresa, e acharia necessário sua presença ao meu lado nas duas situações.
— Entendi.
— As pessoas podem acabarem sendo inconvenientes, querendo saber demais sobre você, mas vou cuidar para que isso não te prejudique. Não gosto de ninguém se intrometendo na minha vida, sei lidar com isso.
— Sua família querendo saber sobre mim? Ou você está se referindo a outras pessoas?
— Jornalistas, por exemplo.
— Jornalistas?! — estreitei os olhos para ele.
— Somos uma referência no mercado, as pessoas costumam acompanhar as novidades que acontecem, envolvendo o nome da empresa, ou o nome dos donos.
— Nossa... Olha, eu não vou permitir ninguém "xeretando" minha vida.
— Eu sei, eu vou cuidar da sua privacidade, não se preocupe. A única coisa que peço, é a sua imagem ao meu lado.
— Hum — cruzo os braços, pensativa.
— Espero que eu não precise te lembrar sobre sair com outros homens, enquanto estiver comigo... — gargalho, e ele estreita os olhos.
— Não se preocupe com isso. — Ele sorre, como se estivesse satisfeito. Eu gostaria de lhe questionar o mesmo, mas não tive coragem.
— Pode me ajudar a levar? — ele pega seu prato e sua taça, e eu faço o mesmo, o acompanhando até a cozinha. Ele deposita tudo na lava-louças, e então voltamos para a sala. — Lembra do contrato?
— Sim — ele busca algo numa pasta, e trás uma única folha.
— Só para reforçar... Você contou pra alguém? — sentamos juntos no sofá.
— Não! — ele acena postivo.
Ele lê brevemente o contrato para mim, explicando detalhadamente que se tratava de apenas mantermos o assunto em segredo, e que ele irá assegurar minha integridade a todo o momento. Eu olho rapidamente o conteúdo, a pedido dele, para que eu apontasse algo que não estivesse de acordo, mas não havia nada de errado, pelo o que entendi. Ele apoia a folha na mesinha de centro, assina e me empresta a caneta para que eu faça o mesmo.
— Seu nome do meio é Giuseppe? — eu ri.
— É, nome do meu pai, por quê? — ele dá de ombros.
— Nada — assino rapidamente. — Você não tem cara de Giuseppe... — deixo escapar uma risada, e ele fecha a cara, observando a folha.
— E o seu... — Ele franze o cenho, me fazendo gargalhar alto. — Na verdade é Lilian Melinda James?
— Sim, Lilian é o mesmo nome da minha mãe.
— Então, você prefere Lili? — ele guarda a folha de volta na pasta.
— Sim — ele acena para a porta.
— O que acha de pegarmos a estrada? Já são dez e quinze, não quero que se atrase amanhã. — Ele recolhe a chave do carro da mesinha.
— Nossa, nem vi o tempo passar! — Pego minha bolsa do sofá, e visto meu casaco.
— Isso significa que a noite foi boa! — ele comenta, num meio sorriso, abrindo a porta para mim.
O caminho de volta fora confortável, estava nas nuvens com a ideia de poder conquistar um diploma, ainda não conseguia acreditar. Psicologia, sem dúvida, era minha primeira e única opção. Se houvesse uma chance de uma bolsa nesse departamento, e ainda por cima na Universidade de Columbia, estaria nas nuvens!
— No que está pensando? — instantaneamente 'volto para dentro do carro'.
— Há uma chance de conseguir uma bolsa no departamento de Psicologia?
— Claro, mas tem certeza de que é o que quer? — eu sorri.
— Com certeza.
— Eu sou um bom namorado, não sou? — gargalho alto.
— Não vou elogiar — ele ri junto.
A lanchonete tem sugado meu tempo e energia nesses últimos dias, enquanto que também me distraía dos problemas. Já fazia dias desde que marcamos de me ele levar para conhecer seus pais. Assumir um compromisso com Henry foi o mesmo que tomar seus problemas para dividir com ele, tendo em vista que a mentira que iríamos contar agora era responsabilidade de nós dois. E isso estava fervendo meu cérebro. Eu não entendia direito o porquê de ter aceitado, não fazia sentido. Eu estava entediada?
Irei conhecer a família de Henry no mesmo dia que seu pai voltar de viajem, que será amanhã, pois haverá um jantar à sua espera na casa de seus pais, assim fui informada por ele. As vezes Henry me ligava para fazer perguntas bobas, como: se era alérgica à alguma comida; se gosto de roupas mais coloridas ou neutras.
Já estava tudo combinado conforme o plano. Assim que ele escapar do trabalho, irá me buscar em casa à tarde, para então nos organizarmos em seu apartamento. E ele insistiu que eu não precisaria me preocupar com nada, e nem com roupa. O que me deixou ansiosa.
Nunca imaginei que já tendo meus problemas familiares, eu me meteria nos problemas familiares de outro alguém por livre e espontânea vontade. Contudo, será uma aventura e experiência, sem contar com a oportunidade que ele estava oferecendo, de estudar na Columbia.
— Já está bom, Lili. Estou tonto de te ver rodar para um lado e para o outro nesse lugar! — Hershel acenou com o jornal em minha direção. Eu me ofereci para ficar até mais tarde hoje outra vez, já que amanhã sairia mais cedo.
— Tem certeza que já está bom? Eu não estou cansada! — parei a vassoura, encarando a figura risonha vestir seu casaco.
— Claro, vamos, está na hora de fechar!
Dormir foi como piscar os olhos. Minhas olheiras e articulações reclamavam. Henry dirigiu o percurso todo em silêncio, dava para se notar de longe sua preocupação. Afinal, era uma loucura.
— Vem, vou te apresentar o quarto de hóspedes. — Disse assim que chegamos. Ele nos conduzio rapidamente pelo o corredor de seu apartamento, e então abriu uma porta. Um quarto enorme e cheio de material. Havia vários vestidos e maletas, fora as fileiras de caixas de sapatos. Ele surtou? — Fique a vontade para tomar um banho e escolher o que quer vestir. Vou para meu quarto me aprontar. — E sumiu.
E é claro que, após entrar e me trancar naquele quarto enfeitado, tive uma crise de risos. Henry pretende me transformar numa Barbie?
Não me demorei muito no banho, estava levemente suada após um dia inteiro de trabalho. Sequei meus cabelos lavados num secador que ele também havia comprado, enquanto imaginava o que poderia fazer em meu rosto. Com certeza não iria exagerar numa maquiagem, não saberia como e não combinaria comigo. Pensei em algo delicado, como uma sombra leve marrom e um batom rosado.
Me levantei para observar as roupas. Tinha mais vestidos do que qualquer outra coisa. Eu não poderia achar mais graça! Fui descartando um ou outro que considerei ousado demais, e me agradei imensamente de um vestido mais simples, rosa, de alcinhas finas. Ele não brilhava tanto como os outros, e com uma sandália simples da mesma cor cairá perfeitamente bem.
Abri a porta, exatamente trinta minutos depois de ele me abandonar ali, a fim de esperá-lo. Fiquei mais alguns minutos admirando minha imagem no espelho, não dava para acreditar, tirei até uma foto para me recordar deste dia. Eu sou uma Barbie neste momento.
— Está linda — ouvi na direção da porta, Henry estava encostado nela, enquanto me observava e ajeitava a manga de sua camisa social, ele estava todo de preto. Ele estava, simplesmente, lindo. Lindo demais, mas eu pareceria uma criança ao seu lado.
— Obrigada, mas você teve um surto e roubou a casa da Barbie? — ele riu alto.
— Vem, temos que ir!
— Dicas? — perguntei o acompanhando até o elevador.
— Não fale mais que o necessário.
— Isso eu já sabia!
— Caso ache dificuldade em responder algo se mantenha calada, e olhe para mim, que irei resolver a situação — verificava seu celular.
— Certo.
A viajem se seguiu tranquila, num silêncio um pouco desconfortável, pois estava na cara a tensão que o homem ao meu lado estava. Contudo, conduziu o carro perfeitamente bem, parando numa entrada de condomínio. De longe já se notava o tamanho absurdo de cada casa naquela região, observava cada detalhe boquiaberta. A mansão em que estacionamos era a maior de todas, parecia ter saído de um filme, a grama parecia falsa de tão perfeita. A casa tinha seu próprio estacionamento.
— Pronta? — perguntou chamando minha atenção, quando paramos enfrente.
— Quando você quiser! — não, eu não estava pronta, mas tinha que ser forte, por ele, que notavelmente estava nervoso, porém achava que escondia perfeitamente; e por mim, que devia estar claro como a água!
— Então, vamos! — saiu do carro e então sai junto.
Percebi que ele vinha até mim para abrir minha porta, e lhe lancei sorriso como um pedido de desculpas, mas a culpa era minha por não estar acostumada com o cavalheirismo? Caminhamos juntos até a grande porta, onde ele tocou a campanhia, e antes da porta ser aberta, senti minha mão ser fisgada pela sua, delicadamente entrelaçando nossos dedos. O que me deixou violentamente nervosa, oferecendo um sorriso torto demais para a mulher que nos atendeu.
— Senhor Montanari, senhorita, boa noite. — Uma mulher nos recepciona para dentro.
— Senhora Olívia — Henry cumprimenta a mulher, me puxando para acompanhá-lo.
— Olá... — respondi tímida e quase sem ar.
Eu não tinha palavras adequadas para descrever o luxo onde pisava, enquanto que Henry me guiava pelo salão, mal pude observar melhor, a beleza e elegância do lugar era um borrão diante da situação. Sua pressa denunciava seu desejo de que tudo acabasse logo de uma vez, e eu não mentiria se dissesse que gostaria de aproveitar mais da vista. Era tudo uma novidade para mim, tinha sua magia.
— Mãe! — o ouvi chamar, e então voltei a olhar para frente, deixando os detalhes da casa de lado.
Uma elegantíssima mulher desfila em nossa direção, um pouco mais baixa que eu, porém muito sorridente, com cabelos curtos balançando nos ombros. Trajava um belo vestido verde, que realça seu cabelo loiro. Agora entendo a preocupação de Henry com o que eu iria vestir. A mulher parecia ter saído de um desfile.
— Pontual como sempre — beijou o rosto do filho e então virou-se para mim, meu estômago gelou. — E esta deve ser a Lili! Muito prazer, sou Marian, mãe desse bebezão. — Ela sorriu para mim e Henry, com a expressão suave.
— O prazer é meu, senhora Marian — minha mão se ergueu para cumprimentá-la, mas num ato surpreso ela me puxa pelo os ombros para beijar-me a bochecha. Deus ouviu minhas presses e ela será uma sogra gentil!
— Venham — Ela caminha a nossa frente, e aproveito o momento para olhar para Henry. E ele estava firme, nenhuma reação estranha, mas será que poderia dizer o mesmo de mim? Ele poderia estar sentindo minhas mãos frias. — Seu pai ainda não chegou, querido, sabe como ele é.
— Não tem problema. Peter já chegou? — adentramos numa sala de janta gigantesca, havia um lustre dourado acima de uma enorme mesa cheia de cadeiras ao seu redor. Essa casa parecia um castelo!
— Estava te esperando para dividir o uísque! — ouvi uma voz masculina no fundo da mesa. — E quem seria nossa anfitriã? — vejo o rapaz se levantar de uma cadeira e vir direto em nossa direção. Ele estava de terno e gravata.
— Ela é a novidade do jantar, a namorada do seu irmão! — a mulher ao nosso lado declarou, em um sorriso aberto e brilhante. Engoli em seco, nervosa, e tentei sorri para o homem à minha frente. Que merda, que merda, que merda! Onde eu estava com a cabeça?
— Tem certeza que não foi sequestrada?! — Ele gargalhou, quando Henry resmungou algo. — É um prazer, Lili, me chamo Peter — pediu minha mão para um cumprimento.
— Bom te conhecer! — sorri.
— Vamos nos acomodando. Aceita um vinho, Lili?
— Adoraria! — Henry me conduz até a mesa, para uma cadeira enfrente a de seu irmão. Ele logo senta-se ao meu lado, e assim que nossos olhos se cruzam, ele pisca. Esse ato era para me acalmar?
— Aqui, este é o meu predileto — uma garota com um uniforme preto deixa duas taças à mesa, uma para mim e a outra para a Sra. Marian. Agradeci e degustei calmamente da bebida doce e sorri positivo para a mãe de Henry, aprovando o sabor. — Vamos aos clichês! Como se conheceram?
— Tomamos um café juntos — olhei para ele com um sorriso ladino, e ele assentiu discretamente.
— Eu nem sabia que ele saía com mulheres! — seu irmão comentou, arracando um riso meu.
— Onde está Vivian? — Henry parecia fugir da piada. Combinamos no carro que iríamos esconder o fato de que eu sou uma garçonete. Quanto mais descrição melhor.
— Não pôde vir, quis ficar com ela, mas ela não julgou necessário. Mandou felicitações ao casal! — sorriu para mim.
— Seria sua namorada? — perguntei, ainda acanhada, tentando socializar.
— Esposa. Está grávida, e devido à um mal-estar achou melhor não vir hoje.
— Parabéns pelo bebê! — sorri animada.
— Obrigado, será um menino.
— Decidiram o nome? — dessa vez sua mãe que questionou. — Não aguento mais chamá-lo de bebê! — advertiu com humor.
— Estou quase convencendo ela de que será Will... — uma locomoção na porta de entrada da sala de janta é ouvida, e então, prestando bem atenção, avisto um homem velho, cabelos brancos, alto e usava um terno elegante. Seria o 'temido' pai de Henry?
— Até que enfim, Philip! — a mulher à minha frente se levantou animada, indo até ele. — Temos uma convidada especial esta noite! — em um pedido silencioso, Henry faz menção para levantar junto com ele. Ajeitei a saia de meu vestido, tirei o cabelo dos ombros e passei a língua nos dentes. Caprichei no melhor sorriso quando a carranca do senhor ficou a minha frente.
— E quem seria? — sua voz rouca e tom arrogante chamou a atenção de Henry, enlaçando suavemente minha cintura, trazendo-me para mais perto.
— Esta é Lili, pai, minha namorada — dividia sua atenção entre mim e seu filho, com uma feição inexpressiva, enquanto que meu coração esmurrava o meu peito. Henry falou com tanta convicção na voz que até eu mesma quase acreditei.
— Philip Montanari — apertamos as mãos rapidamente, e a todo momento ele mantinha um olhar frio e expressão vazia, aumentando ainda mais meu nervosismo. Ele olhou firme para Henry antes de tomar seu lugar à mesa. — A reunião terminou mais tarde que esperava — sentei-me novamente, e então o jantar foi servido.
Henry fez menção para seguí-lo enquanto conduzia os talheres, e sem muita dificuldade, consegui acompanhá-lo. Depois de conversas curtas e objetivas sobre o trabalho deles, apreciávamos um mousse de maracujá como sobremesa.
— O que faz da vida querida? — minha sogra pergunta, e o frio na barriga me consome a voz. Fiz o que Henry me aconselhou. Ele pediu para que eu dissesse que era estudante, assim como pretendia ser em breve.
— Sou estudante de Psicologia — respondi, trêmula.
— Parece ser interessante! — ela respondeu, com um sorriso.
— Parece um saco, ouvir pessoas falarem da vida de merda delas — Peter argumentou.
— Esse trabalho salva pessoas, não fale besteiras, Peter! — Sra. Marian o advertiu.
— Está explicado o segredo para conseguir aturar o Henry! — Peter continuou a brincar sobre o irmão. Henry a todo o momento estava contido, não que ele fosse tão expressivo ou comunicativo, mas estava estranho. Seu pai também falava pouco. Será que ele estava preocupado com o que seu pai estava pensando sobre mim?
— Para de falar merda — Henry respondeu friamente, sem muitos gestos ou expressões, como fez durante todo o jantar.
Dava para se notar de longe seu estresse, e isso amargava o gosto do maracujá em minha língua. Seu irmão estreitava os olhos em sua direção como se tratasse apenas de uma provocação diária entre eles, mas ele não havia notado que hoje não era um bom dia para isso. Ou talvez seja a forma dele de aliviar a pressão deste jantar. Eu não conhecia o relacionamento dos dois, então não poderia julgar.
— Tenho que fazer alguma ligações... — seu pai se pronunciou, ele acenou para a sra. Marian antes de se erguer da cadeira, ainda com uma feição fechada, e se retirou da mesa, com sua esposa lamentando pela sua saída.
— Ele é sempre tão ocupado... — ela comentou, observando uma das suas ajudantes retirarem a sobremesa de seu marido da mesa.
— Acredito que todos vocês são — sorrio para Peter.
— Eu deixei de trabalhar já faz alguns anos, gostaria que Phillip diminuísse a carga horária também, planejo viajar o máximo que Deus permitir por esse mundo — ela falou docemente, tocando suas pérolas no pescoço.
— Sabe quando seus pais não confiam em você para tirar as rodinhas da bicicleta? — Peter argumentou com um sorriso discreto para mim. Eu logo entendi o que quis dizer, associando à breve história que Henry me contou.
— Não seja bobo, você nunca aprendeu a andar de bicicleta! — sua mãe retrucou com humor, nos fazendo rir.
— E você? — encarei os cristais brilhantes de Henry em expectativa, e ele apenas ficou a me observar. Talvez ele não tivesse entendido o que estava perguntando, ou tentasse me dizer algo pelo o olhar. Eram as únicas opções que imaginei, quando me senti invadida por aquele olhar penetrante. A sensação era de nudez.
— Henry sempre foi muito dedicado, do tipo que queria tudo numa hora só! — a sra. Marian respondeu por ele.
— Esse tipo de criança geralmente dá muito trabalho — argumentei, e Henry apertou o olhar para mim, eu me fingi de sonsa.
— Ele foi expulso de dois colégios! — Peter comentou, me deixando surpresa.
— Peter, para com isso! — a mãe advertiu.
— Qual é o problema?! Não vamos iludir a menina com o “Príncipe encantado”! — gargalhou piscando para o irmão, que lhe lançou um olhar arrepiante. A sra. Marian e eu nos entreolhamos com uma ruga na testa. Esses dois eram sempre assim?
— Você já terminou? — ele perguntou baixo para mim. Eu olhei para minha taça vazia e acenei positivo. — Mãe, já estamos indo. — Ele me ofereceu a mão para me ajudar a levantar e eu aceitei. Talvez eu já estivesse me acostumando com seu cavalheirismo!
— Mas nem conversamos com sua namorada direito!
— Nós ainda vamos dar um passeio pela cidade, e não posso passar da hora — ele me olhou sugestiva, e eu assenti concordando, com um sorriso tímido.
— Ah, então vão namorarem, aproveitem, mas volte sempre que puder, querida! — a mulher caminhou até perto de mim.
— Foi muito bom conhecê-los! — eu sorri para Peter, que trocava olhares provocantes com seu irmão.
— E eu agradeço por ter vindo! — sua mãe sorriu abertamente para mim. Henry me soltou por um momento para abraçar sua mãe, mas logo enlaçou minha cintura, levando-me embora.
Voltamos calmamente pelo o mesmo caminho, ele mesmo abre a porta de saída, e então quando saímos, ele aperta o passo, nos fazendo quase correr pelo o gramado. Ele não deixa de abrir a porta do carona para mim, e assim que se senta ao meu lado, solta um suspiro sôfrego. Eu sabia que ele estava surtando.
— Devíamos ter planejado isso melhor — o encarei incrédula.
— Fiz algo de errado? — ele negou com um aceno.
— Não pareciamos tão convincentes, não sei explicar, talvez seja uma paranóia... — ele bagunçou seu cabelo. Parecia mesmo preocupado.
— Talvez seja mesmo, sua mãe foi bem receptiva! — tentei animá-lo. Como se desse para acreditar em mim, que tremia dos pés à cabeça. Não conseguia acreditar que havia feito isso mesmo! — Está chateado pelo os comentários do seu irmão?
— Não mesmo, Peter é assim naturalmente, acostume-se — ele suspirou novamente, ligando o carro, nos tirando dali.
— Ele parece ser legal — ele me olhou estranho, como se estivesse falando besteira. — Seu outro irmão é parecido com ele?
— Não, Tyler é gentil — eu ri.
— Então, Peter é o brincalhão, Tyler é gentil, e o você é polido. — Ele me encarou com um olhar sério demais, e eu não aguentei segurar a gargalhada alta que viera.
— Você me acha polido? — ele me olhou dos pés à cabeça, parecendo indignado.
— Enfim, é a sua família, você os conhece melhor do que eu obviamente. Pois por mim, fomos bem...
— Poderia ter sido melhor.
— De que jeito? — fiquei curiosa. Pelo menos eu fiz o meu melhor – eu penso.
— Depois resolvemos isso. — E ficou em silêncio pelo resto da viagem.