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Capítulo 4

Pelo menos o sangue do meu corpo desapareceu com a chuva. Isso deveria ser bom? Parecia um pouco patético.

Suspiro, impaciente. Meus pensamentos banais não conseguem me distrair de toda a situação.

Eu me agarro ao sofá, ofegante. Os esforços que fiz para acordar fizeram com que o descanso que tive fosse em vão... de novo. Suor frio escorre pelo meu rosto. Limpo a testa com as costas da mão e prendo meu cabelo bagunçado em um coque improvisado.

O mesmo pesadelo, uma e outra vez.

De todas as vezes que tentei dormir naquela noite, todas as vezes que consegui.

Estou exausto e perturbado.

Uma sensação estranha percorre meu corpo. As imagens do pesadelo permaneceram gravadas em minha mente. É como se eu entrasse em uma sala e ao tentar sair pela porta me deparasse com o mesmo lugar. Uma prisão mental. A mulher no prédio, as celas, o homem na clareira. Tudo me atinge como um soco na cara.

César me fez assassinar John. De certa forma, sei que haverá outros momentos. Não sei se consigo lidar com isso; Minha mente já está em ruínas. O olhar desesperado e melancólico de John ainda está gravado em minha mente. Sinto-me nojento e impuro, ainda com vestígios do sangue dele sob as unhas.

E agora, sozinho nesta maldita casa, vejo que, ironicamente, consegui o que sempre quis: fugir de tudo. Sozinho, com meus próprios pensamentos na porra da minha mente.

Isso. Y. Ridículo.

Tudo parece estar dando errado na minha vida. É como se eu nem sempre me adaptasse a lugar nenhum. Como se Deus não tivesse traçado um destino para mim. Eu apenas vagueio. Um sem destino. Ninguém vai se lembrar de mim se algo acontecer.

Sou apenas mais uma vítima sua.

Tudo deu errado até eu chegar aqui. E tudo continuará dando errado. É questão de tempo até que ele venha aqui e me veja sangrando como um animal indefeso.

Olho para a lareira, melancólico.

Maldita seja.

Meus olhos já estão inchados e doloridos de tanto chorar.

Mesmo se eu escapasse daqui, não haveria nada me esperando lá fora.

Afundo ainda mais no sofá e suspiro.

Uma porta se fecha, fazendo até a parede atrás de mim vibrar. Coloquei as mãos na boca, assustada.

dezesseis

Prendo a respiração quando ouço o barulho de suas botas.

Cesar não me visita há dias.

Diferentemente do que imaginei, o som viaja para uma sala próxima. Ouço gavetas abrindo abruptamente e o som de coisas caindo no chão. Aconteça o que acontecer, ele está com pressa.

Logo minha porta se abre tão desesperadamente quanto a primeira.

César chega como um furacão. Seu moletom branco encharcado de sangue. Ele está exultante. Ele agarra meu pulso com a mão trêmula, que está coberta de sangue seco.

Pela primeira vez saio da sala. Sendo arrastado por Cesar, mas vou embora.

Ele me leva por um corredor escuro e depois para no único cômodo iluminado: a cozinha. O armário está completamente virado, a maioria das suas coisas jogadas no chão. Imagino que este seja o quarto por onde ele passou antes de me encontrar.

Eu poderia pensar que ele iria me matar agora. Por causa da sua aparência, de uma forma muito cruel. Mas algo nele me parece estranho.

Ele está sentado à mesa, com o tronco flexionado para frente.

Então reconheço sua expressão: dor.

Ele não parece assustado ou em agonia. E sim, o tempo está se esgotando.

Em um movimento rápido ele tira o moletom e a camiseta preta. Ele joga os dois para um canto e me olha, impaciente. Me aproximo e analiso sua pele pálida, sem entender quais maldições devo fazer.

- Tsc. Suas costas, garota.

Como você pode ser arrogante em um momento como este?

Suprimo a vontade de revirar os olhos e examiná-lo.

Um grande corte derrama sangue pelas suas costas pálidas.

Quem fez isso fez isso para matar.

Começo a me perguntar o que fazer, igualmente perturbado.

Não pude fazer nada, mas sei que custaria duas vidas. Suspiro derrotado e coloco minha mente para trabalhar. A única opção viável agora é ajudá-lo.

— Você precisa de pontos. — minha voz sai trêmula.

- Faça isso logo! - ele grita, olhando para mim com os olhos.

Ele apalpa a mesa e arrasta um kit de primeiros socorros em minha direção. Quem diria.

Pego sua camisa e pressiono o corte tentando estancar o sangramento.

Cesar resmunga, mordendo o lábio inferior.

Pela primeira vez estou me vingando dele.

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Ele murmurou com raiva o tempo todo. Eu sei que agora gostaria de me matar lentamente. Com um pouco de esforço consegui estancar o sangramento e colocar uma sutura temporária, bem, muito temporária. No final, também costurei sua sobrancelha e enfaixei sua mão. Com quem ele se envolveu, a briga foi feia.

Por alguma razão, agora ele está me contando como espancou aquele homem até a morte.

Cesar deve ser extremamente forte e durão para socar um homem até a morte após ser esfaqueado. O corte foi muito, muito ruim.

Mesmo com as coisas que fui forçada a ver (ou fazer), isso me incomoda. E sou péssimo em fingir. Estou organizando meu armário e tentando esconder minha angústia. Ele me conta as coisas de igual para igual, como se eu já estivesse acostumado; É muito perturbador. Eu só quero esquecer todas essas coisas.

César continua se gabando de como esmagou a cabeça de sua vítima enquanto eu sigo suas ordens e preparo uma refeição para ele. O cheiro de bacon faz meu estômago revirar por causa de suas explicações um tanto gráficas de como tudo aconteceu.

Tento me distrair, concentrando-me em cozinhar, me perdendo em meus pensamentos turbulentos. Neste momento, por exemplo, me pergunto o que fiz neste mundo para merecer me tornar a empregada pessoal de um serial killer.

Me sinto ridícula com esse maldito avental e aquela espátula nas mãos.

Desligo o fogo e coloco os ovos e o bacon no prato sobre a bancada. Coloco meu avental em cima e carrego o prato até a mesa, colocando-o na frente dele.

Cesar sorri e olha para a comida que preparei para ele. Se ele tivesse veneno, tenho certeza que aquele sorriso cínico desapareceria de seu rosto em poucos minutos.

Ele faz um gesto para que eu me sente, e eu sento do outro lado da mesa, cara a cara com o assassino.

Na maior parte do tempo eu apenas fico olhando para a mesa, esperando silenciosamente que ele termine a refeição. A tensão na sala poderia ser cortada com uma faca. Cesar parece me analisar, me olhando de vez em quando.

Até que finalmente explodiu.

- O que aconteceu? —questiono, agora olhando em sua direção.

Me arrependo no exato momento em que sinto seu olhar cínico pousar sobre mim.

- Qualquer coisa. - ele responde rindo pelo nariz. Ele parece se divertir com minha irritação perceptível.

-Cessar?

-Ana? — imita meu tom, arqueando uma das sobrancelhas.

Como diabos você sabe meu nome? Nunca pude aparecer, nem pretendia. Quanto menos informações eu puder lhe dar, que assim seja.

Respiro fundo e ganho coragem para enfrentar isso.

Não somos os mesmos. Porém, tudo o que ele é capaz de fazer, eu também sou capaz de fazer, e ele mesmo me provou isso. Quaisquer que sejam os planos que você tenha para mim, não deixarei que você me humilhe ou me trate como um escravo.

- Por que estou aqui? — pergunto, tentando com todas as minhas forças evitar que minha voz trema.

Eu me forço a manter contato visual, travando uma batalha que não pretendo perder.

—Por que você acha que está aqui?

—Eu realmente não tenho tempo para isso.

—Algum lugar mais importante onde eu deveria estar agora? Se sim, por favor me ajude a economizar seu valioso tempo.

Eu engulo em seco.

Dou-lhe um sorriso nervoso, rindo fracamente.

Cesar ri um pouco maliciosamente. Seus lábios se esticam em um sorriso de escárnio. A situação parece diverti-lo e ele continua brincando comigo, certo de que não tenho coragem de confrontá-lo abertamente.

E eu realmente não.

Ele apoia o cotovelo na mesa e o queixo na mão preguiçosamente. Ele continua olhando para mim e coloca o garfo na boca.

—Por que você me prendeu aqui?

—Porque eu quero, Ana. —Ele revira os olhos, presunçoso, esperando acabar com o assunto.

Suspiro profundamente, questionando mais uma vez:

- O que queres de mim? — Dessa vez meus olhos se enchem de lágrimas e luto contra o nó que se forma na garganta.

Ele deixa cair os talheres na porcelana com raiva, criando um grande estrondo. Meu coração dispara, surpreso com sua ação repentina.

— Caramba, como você é insuportável! —ele exclama, sua voz intensa me dá arrepios. —Diga-me, onde diabos você pretendia ir depois do que fez? Não, eu não sei que porra vou fazer com você, mas você deveria estar pelo menos um pouco grato por não estar mentindo descaradamente, seu maldito assassino.

—Do que você está falando, doente?!

dois

César tira algo do bolso e rezo a todos os deuses para que não seja algum tipo de arma.

E felizmente para mim não é. Em sua mão está um frasco cilíndrico laranja cheio de comprimidos.

Mais remédios? Não era exatamente o que eu esperava dele, especialmente durante uma discussão.

Ele joga a garrafa sobre a mesa e eu a pego com cuidado. Seguro o copo nas mãos, lendo com cautela as letras minúsculas estampadas na etiqueta colada em sua superfície.

Um anúncio.

Tomo medicação diariamente para controlar alguns problemas psicológicos, por isso o frasco nunca me pareceu estranho. No entanto, não esperava encontrar meu nome no rótulo.

Viro a garrafa e olho para a parte em branco do rótulo. Cada vez que compro um frasco novo na farmácia, o balconista desenha uma carinha sorridente ali mesmo.

E aí está.

Isso foi removido da minha casa. Do meu quarto.

- Que diabos é isso? - grito, batendo as mãos na mesa.

— Eu faço minha lição de casa, Ana. Eu sei quem você é e sei que você precisa disso. Fui até a porra do fim do mundo para conseguir isso e é assim que você me agradece?

—O que você fez com meus pais?!

— Você ficou completamente louco?

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