Capítulo 1
Beatriz
Desperto dos meus pesadelos!
Mais uma vez me lembro do que mais me assombra, acordo com lágrimas nos olhos! Creio não existir algo pior que um estupro, e ele está gravado na minha memória, no meu corpo e na minha pele.
Fui estuprada duas vezes por conta dos meus pais e desde então não consigo me envolver com ninguém.
Me levanto e vou ao banheiro, tomo banho, saio da banheira e me encaro no espelho. Tenho várias tatuagens no corpo e piercings.. Porém as tatuagens estão escondidas e os únicos brincos visíveis são o do nariz e os vários nas orelhas.
Apesar de estar revoltada na altura eu sabia que um dia precisaria de trabalho e não poderia ter uma aparência muito gótica apesar de eu ser.
Coloco uma calcinha e um sutiã preto. Passo desodorante e ponho perfume. Tenho o cabelo completamente preto, olhos azuis, as unhas pintadas de preto. Boto umas calças jeans pretas, uma blusa larga preta e sapatilhas velhas pretas.
Pego um cigarro e fumo na janela.
Depois como uma barra de cereal. Dou um beijo na minha irmã, pego um casaco preto e saio de casa.
Pego o ónibus e chego na lanchonete. Abro ela e nesse momento Bella chega!
- Oi. Tudo em cima? - ela pergunta.
- Tudo e aí?
- Também. Amiga preciso falar com você!
- Fale então.
- Estou sem casa novamente, posso dividir seu apartamento com você?
- Claro, você sabe que sim!
Abrimos a lanchonete, varremos, limpamos pó e tratamos de outros afazeres. Os clientes começam a chegar e temos trabalho para fazer.
Acaba o meu expediente e vou pra casa. Chego lá e apanho minha irmã sentada no sofá velho vendo um programa qualquer na televisão minúscula que temos!
- Oii Ju. - digo assim que entro.
- Oi mana, não vai na faculdade?
- Vou sim, vim levar meus cadernos e livros.
Pego meu material e saio novamente.
- Tchau, se cuida, tranca a porta e não abre pra ninguém. - digo beijando sua testa.
- Pode deixar. - ela responde.
Saio de casa em direção a faculdade. Por conta da inteligência só me faltam 4 meses para acabar a faculdade. Estou cursando engenharia.
Tempo depois chego na faculdade, entro na mesma e sigo pra minha sala sem falar com ninguém.
Chego na minha sala e entro, me sento no meu lugar habitual que é no fundo sem falar com ninguém.
Não sou uma pessoa social, não tenho amigos - além de Bella - não converso com ninguém e nem pretendo, pois a solidão pode nos magoar mas pelo menos tem a vantagem de não nos trair.
A aula começa e presto atenção em tudo. Depois de mais 3 aulas finalmente acabou e podia ir pra casa, estava arrumando tudo quando um dos meus colegas de classe vem falar comigo.
- Aí gata? Posso saber porquê fica sempre sozinha? Vem aqui com a gente. - ele diz e eu me limito a fitar ele, depois de ele insistir decido responder.
- Da água estagnada espere o veneno. - lhe deixo com esse enigma e me levanto indo embora.
Pego o ónibus quase deserto e tempo depois finalmente chego em casa. Subo e entro no apartamentinho em que eu moro, vejo que Bella já se instalou e está conversando com Juliana.
Cumprimento elas e vou pro banheiro tomar banho. Saio e me visto com roupas velhas de dormir - como todas outras - e pego um cigarro de maconha me inclinando na janela, dou umas tragadas e quando Bella se aproxima lhe entrego e ela acaba ele. Evito fumar perto da minha irmã pois não quero que ela entre nessa vida também. Eu entrei nela como escapatória das merdas que passei na vida. Quero o melhor pra ela mas não lhe privo de coisas simples!
Saímos de perto da janela e vamos de volta pra sala onde minha irmã assiste uma porcaria qualquer na tv. Sento com Bella no sofá e ficamos num papo. Falamos de locais abandonados que a gente costumava ir, o bar que a gente frequentava perdido aqui nos subúrbios que foi apelidado de " bar dos estranhos ". A sociedade é muito preconceituosa!
- Sabe aquele parque que a gente vai quase sempre? - ela pergunta me olhando. - A parte quase esquecida que a gente " decorou ". - ela diz e eu assinto.
- É, destruiram tudo, pintaram as paredes novamente dizendo que aquilo não passa de bosta! Foi aquele cara dono da Construtora Romano. Ele diz que nós e o estilo de vida que levamos estragam a sociedade. Disse também que o que mais estraga somos nós as mulheres, que devíamos nos comportar como damas, mas não, estamos aí fazendo grafites, tatuando o corpo, furando ele e fumando pelos cantos.
- Babaca! Ele não sabe de nada que a gente passou!!
Aquilo me enfureceu! Esse babaca fala tudo isso porque não sabe o que é viver num mundo cor de rosa e ter tudo estragado! Pisado! Viver acreditando que um dia seus pais olhariam pra você com amor! Mas não, eles a entregam para ser estuprada na sua própria casa! No local onde qualquer diria seguro! Foi onde meus pesadelos aconteceram! Como todo o resto do mundo ele quer que sejamos todos moldados do mesmo jeito! Ninguém é clone de ninguém!
Ele não sabe quantos de nós usamos essa vida como escapatória, escapatória da crueldade a que fomos submetidos e não conseguimos esquecer.