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Prólogo

Alguns meses atrás...

Eu quis morrer naquele dia. Nem em toda minha vida fodida eu me senti como eu me senti naquele dia!

Juliana era mais que minha irmã.. Eu tinha 5 anos quando ela nasceu.. - antes que perceba as palavras saem pela minha boca, não me travo e deito tudo pra fora. - Meus pais nunca gostaram de mim. Imagina, uma criança de 5 anos ter que cuidar de outra criança! Mas mesmo assim, eu me esforcei! Ela era pequenina e eu gostava da sua companhia. Nunca tinha nada vindo dos meus pais! Nunca ouvi uma palavra de carinho sequer! Perdi a conta de quantas vezes apanhei, quantas vezes eu quebrei o braço por causa das surras. Mas eu aguentei, sou ingénua desde pequena não é? Acreditando que aguentando um dia tudo passa e finalmente serei amada. - digo e sorrio triste fitando o nada.

- Era meu aniversário de 13 anos quando meus pais me pediram pra me preparar e ficar bonita porque teria uma surpresa. Eu me alegrei e me preparei. Vesti minha melhor roupa e esperei com o maior sorriso no rosto. Então um homem grande entra na casa e realmente foi uma grande surpresa... E assim foi meu primeiro estupro! Acordei com tudo doendo e pedi ajuda a minha mãe.. Ela não quis me ajudar! Disse que a culpa era minha. Como? Eu não queria, eu implorei que ele não me machucasse, mas ele me violentou como um animal. - as lágrimas caem mas não paro. - Tinha tanta inveja das minhas amigas da escola.. Elas tinham pais que as amavam, nunca contei a ninguém o que tinha acontecido.. Aos 14 anos descobri que o senhor que me estuprou pagou por mim. Meus pais me entregaram pra ele. Eu me revoltei e resultou na maior surra que até parei no hospital. Foi quando conheci o álcool e maconha. Isso me fazia esquecer.. Passei a tingir o cabelo e me tatuar. Aos 15 anos fui estuprada novamente. Me trancaram durante 3 dias. 3 malditos dias em que era violada sem dó nem piedade! Seu pai, o Sr. Ramos e mais outro homem foram o motivo do meu inferno naqueles dias. - paro dando uma pausa para que os soluços acalmem, ele tenta falar mas levanto a mão o cortando e continuo.

- Eu cogitava a hipótese de fugir, mas para onde iria? Não tinha nada.. E não queria deixar Juliana sozinha. Um dia cheguei a casa mais cedo da escola e estava tudo escuro, ouvi gritos e corri para o quarto. Minha irmã estava prestes a ser estuprada pelo mesmo homem que me estuprou pela primeira vez. Não podia deixar ela passar por aquilo que eu passei. Então eu enfiei uma agulha de croché no rabo dele.. Levamos todo dinheiro dele e o que apanhamos no quarto da minha mãe. Fugíamos desde então.. Eu trabalhava e estudava tudo por causa dela. Não me matei por causa dela, porque ela dependia de mim. Um dia tivemos que fugir novamente até que fui parar no Casarão, eu precisava fugir daqueles malditos.. Assinei a porra de um contracto as pressas. Não sabia o que me esperava. Eu não queria assinar o contracto com você mas o fiz porque a Sra. Verónica disse que entregaria Juliana para eles caso não o fizesse. Novamente por causa dela eu fiz o que tinha que fazer e vim parar nas suas mãos. - sorrio triste me lembrando de tudo.

- Me apaixonei por você inexplicavelmente, eu e a minha mania de amar quem me maltrata e machuca. Eu realmente acreditei que a gente podia funcionar. Eu te amava tanto Rafael, tanto. Fui parar numa cama de hospital por sua causa e não deixei de te amar. Te amei até o dia em que você decidiu acreditar em mentiras, não cumprindo com tudo que me prometeu. Aquele foi sem dúvidas o pior dia da minha vida, o dia que devia ser o mais feliz, descobri que seria mamãe. Mas não foi, foi o dia do meu terceiro estupro. - mais lágrimas caem e fecho os olhos tentando fazem com que elas parem.

- Dessa vez eu vi minha irmã passar tudo junto comigo. Ouvi cada grito de sofrimento dela. Eu só pensava nela e no meu bebê.. Quando a vi ali amarrada, ensanguentada e sem esboçar reação nenhuma, os olhos vidrados em qualquer lugar e sem vida eu quis morrer também. Eu queria morrer e acabar com meu sofrimento! Mas me lembrei do meu bebê, apesar de toda merda eu tinha um serzinho que precisava de mim. Depois acordei numa cama de hospital e descubro que meu serzinho se foi. - me curvo soluçando enquanto as lágrimas caem fortes dos meus olhos, da minha boca sai um gemido abafado e segundos depois continuo.

- Um serzinho que eu nunca poderei ver.

Não vou ver minha barriga crescer e sentir ele chutar por dentro.

Não vou morrer de dores e gritar numa sala de parto para depois ouvir seu choro.

Não vou passar noites acordada sem dormir para amamentar e cuidar dele.

Não vou fazer de tudo para acalmar ele quando saírem os primeiros dentinhos.

Não vou ficar boba ao ver ele dar os primeiros passinhos nem chorar de emoção ao ouvir ele me chamar de mamãe pela primeira vez.

Não vou poder pegar ele nos meus braços e amar ele incondicionalmente.

Não vou poder fazer isso porque ele se foi.. E uma parte de mim foi junto.

- Quando descobri que estava grávida eu me apavorei. Tenho um passado de merda e nunca tive amor de mãe, como seria uma boa mãe para o meu filho? Aí eu ouvi o coraçãozinho dele bater e eu sabia que daria o melhor de mim e o amaria mais que tudo. Mas agora não tenho nada, nada. Tudo que restou são migalhas do que algum dia foi alguém.

Eu aguentei toda merda por você Rafael, por nós. Eu aguentei tudo sem pestanejar porque eu te amava. Mas esse amor foi junto com o filho que eu perdi. O filho que você nem queria em primeiro lugar e me acusou de tentar dar o golpe, me xingou e disse palavras horrorosas. Sinta se aliviado, não terá um empecilho na sua vida! - digo e me levanto para olhar nos seus olhos. Vejo lágrimas escorrerem por sua face mas não me importo, não é um oitavo sequer daquilo que eu estou sentindo.

- Espero que me deixe em paz Rafael. Nunca mais quero ver você.. Faça de contas que eu morri, porque pra mim você está a 7 palmos do chão.

Não espero resposta e saio correndo da sala e entro no meu quarto trancando a porta. Me deito na cama e choro.

Choro por nunca ter sido amada e por ter pais de merda.

Choro por me apaixonado e dar na merda.

Choro pela minha irmã que nunca mais poderei ver nem ouvir seu riso.

Choro pelo meu bebê que nunca poderei ver!

Choro tanto que acabo caindo no sono.

Acordo e vejo a hora. São 18h17min.. Meu voo é para as 21h.

Suspiro e me levanto.

Tomo banho e choro mais uma vez no chuveiro.

Saio do banho e me visto de uma calcinha preta e sutiã preto. Uma calça jeans preta, blusão preto e all stars pretas.

Preparo minha mochila apenas com meu diário, meus livros e o bilhete de avião e passaporte.. Pego na caixa dentro da minha carteira e configuro meu novo celular e troco cartão.

Deixo tudo vindo do Rafael em casa e saio apenas com aquilo que eu comprei com o dinheiro que ele me pagou. Ligo para o táxi e faço tempo.

Assim que o táxi chega eu me dirijo para a sala. Num papel meio amassado eu deixo um bilhete com a aliança de casamento em cima e paro na porta.

Olho para a casa que nos últimos tempos fui feliz com Rafael. Solto um suspiro e olho mais uma vez como se quisesse guardar cada pontinho.

- Adeus. - é a única coisa que consigo sussurrar antes de ir embora com lágrimas nos olhos.

Até nunca mais Rafael...

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