Liberdade
Érida
Finalmente!
Quando cruzei os portões do internato, depois de dar três passos, respirei fundo, ergui as mãos para o céu e agradeci. Finalmente estava livre, livre para viver minha vida e conhecer o mundo.
Quinze dias atrás, um advogado veio me visitar para informar as decisões de meu noivo. Sairia dali direto para a faculdade que eu escolhesse, pois com minhas notas, seria fácil uma vaga. Teria um apartamento, cartão de crédito e débito, com capital disponível para o que quisesse e poderia escolher uma acompanhante.
Eu resolvi levar minha professora e amiga de minha mãe. Escolhi a faculdade de moda e achei ótimo não precisar ver ou estar com meu noivo. Sabia tudo sobre ele, inclusive que havia mudado muitas coisas ilegais que seu avô fazia. Isso não mudava o fato de que fui vendida e comprada.
Não era um animal ou objeto para ser vendida e isto era totalmente indigno e só o fato dele não ter pensado em dispensar o cumprimento deste contrato e me liberar, já mostrava que ele herdara algo de seu avô.
Não serei boazinha com ele, pois ele está me dispensando sem sequer me conhecer. Não farei questão de conhecê-lo e porei em prática todos os meus planos, inclusive os que já iniciei um ano atrás.
Depois que respirei aliviada por sair daquele internato, que foi meu cárcere por dezoito anos, olhei para minha professora Anita e sorrimos, andando uma em direção a outra e nos abraçamos. Entramos no carro à nossa frente, ela na direção, eu no carona e fomos embora.
Achei muito divertido sacolejar de mansinho e sentir o vento que entrava pela janela, batia no meu rosto e bagunçava meus cabelos. Logo pegamos uma estrada mais lisa e paramos de balançar. Mas gostei deste veículo.
Nada sobre a vida em sociedade me é desconhecido. Já pesquisei e estudei tudo pela internet. Fiz vários cursos, inclusive de programação e aprendi os segredos mais obscuros da dark web. Passeio como uma verdadeira hacker pelas diversas redes.
Foi assim que decidi o que iria estudar e como iria proceder, sei que não será fácil, pois apesar de estudar as pessoas através de filmes e novelas, agir na vida real deve ser bem diferente.
O carro em que estávamos era alugado e deixamos ele no aeroporto. Pena que não tínhamos muito tempo para que eu pudesse experimentar tudo. Tantas pessoas, lojas, comidas e cores. E os aviões? O que dizer daquelas aeronaves diversas, com tamanhos e cores diferentes e que depois de correrem pela pista, levantam vôo como os pássaros.
Viajar num desses foi o máximo, mas logo chegamos e novamente aquele mundo de gente me deixou meio tonta. Era muito movimento e cores às quais não estou acostumada. Dessa vez pegamos um taxi que nos levou direto ao apartamento, próximo ao campus da universidade.
Quando entrei, fiquei abismada com o tamanho e decoração requintada, não esperava que ele fosse disponibilizar algo tão suntuoso para mim. Pensei que seria algo pequeno, com dois quartos, bem prático. Mas realmente me surpreendeu.
-Você já tinha vindo aqui, Anita?
-Sim, o advogado trouxe-me aqui para conhecer, quando vim trazer os seus documentos e assinar o contrato de sua acompanhante.
-Entendo. Ele disse se o imóvel é nosso?
-Sim, está no seu nome. Com total autonomia para fazer o que quiser.
-Mais uma vez ele mostra a intenção de manter o contrato feito pelo avô. Como um homem pode pensar em manipular outro ser humano ao seu bel prazer?
-Creio que ele está tão acostumado a respeitar seus contratos de negócios, que agiu da mesma maneira com o de casamento.
-Casamento… As pessoas banalizam tanto essa palavra, esquecem o verdadeiro significado e tudo o que está implícito.
-O que você quer dizer com isso, Érida?
-Que quando duas pessoas se unem em matrimônio, assinam um contrato invisível, que implica em respeito e tolerância, ao qual muitos não percebem e no cotidiano, por já estarem unidos, acabam descumprindo e aí vêm as discórdias, brigas e separação.
-Menina, você só tem 18 anos, mas parece saber tudo.
-Muito tempo sobrando. - Gargalhou e contagiou Anita, que começou a rir também.
-Vamos olhar os quartos, vem! - Puxou-a Anita.
Depois de olharmos todas as dependências, fomos ver a despensa e a geladeira. Estavam vazios. Precisávamos fazer compras.
-Aqui perto tem um supermercado, vamos dar um pulo lá. Também precisamos ir ao shopping, mas por enquanto, umas comprinhas no supermercado, quebrará o galho - disse Anita
Saímos e admirei aquele imenso comércio. Tinha de tudo. Aproveitei uma loja de roupas e comprei algas, para trocar aquelas roupas do internato, amanhã iremos ao shopping. Fizemos as compras para abastecer a despensa e a geladeira. Anita conhecia tudo.
Quando voltamos, já era entardecer. Antes de entrarmos no meu carro, que estava no estacionamento, contemplei o céu em seu colorido mesclado entre azul, rosa e alaranjado, graças ao pôr do sol. Algumas nuvens movem-se suavemente, como flocos de algodão.
Tão lindo!
Mas as pessoas passam em um corre corre e não se apercebem que Deus nos presenteia com um quadro celestial, pintado pela natureza, obra de Suas mãos. Respirei fundo novamente e percebi a diferença entre o ar daqui e o do internato. Não dava para ficar respirando muito fundo aqui.
Por esse dia, já fizemos muitas coisas e estamos cansadas. Noto as olheiras no rosto de Anita, depois de termos guardado tudo. Ainda colocamos as roupas na máquina de lavar, conforme Anita instruiu que não devemos usar roupas direto da loja se lavarmos.
-Estou com fome Anita. Você se incomoda de pedir uma pizza, como vi nos seriados da TV. Nunca comi.
-Tá bom, mas só por hoje, não queremos ficar gordas e intoxicadas, não é mesmo? Acabaria com seus planos.
-Tá certo, só hoje, pizza com refrigerante. Obaaaaa!!!!
***
Danilo
Estou terminando meu dia de trabalho no escritório, olhando pela vidraça do vigésimo andar, contemplando o colorido deixado pelo pôr do sol. Parece uma pintura que só as mãos de um ser super poderoso poderia fazer. Deus! Quantas vezes tenho pensado nele esses dias, creio que seja pela quantidade de milagres de que preciso.
Me volto para minha mesa e pego o telefone, a secretária atende do outro lado.
-Peça ao doutor Hélio para vir à minha sala, por favor Jasmine e depois pode ir, por hoje é só.
Ela agradece do outro lado da linha e desligo. Não demora muito e Hélio entra na sala.
-Já estava esperando você chamar.
-Engraçadinho, pode tirar esse sorrisinho da cara, que não estou para brincadeiras.
-Mas a menina é linda, cara! Meiga, doce, você iria se apaixonar por ela se desse uma chance.
-Não quero saber de casamento, já disse, vou curtir a solteirice mais um pouco, daí ela estará mais experiente, então eu caso.
-Você acha que ela vai continuar a garota meiga de agora? Tô com pena de você.
-Ah, vá catar coquinho seu agourento. Só vou aproveitar que meu avô já fez essa palhaçada e tirar um pouco de proveito, me poupando do trabalho de procurar.
-Você está sendo um crápula, como seu avô, esquecendo que a garota é um ser humano.
-Ela foi criada reclusa, ainda não tem idéia de que não se faz mais esse tipo de coisa.
-Você quem sabe. Respondendo a pergunta que você nem precisa fazer, elas chegaram, estão bem instaladas e correu tudo bem.
-Ela perguntou por mim?
A resposta foi uma imensa gargalhada de Hélio que já saía da sala.