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Capítulo 8 - Aria

O olhar preocupado de Thorne para mim, me faz lembrar do olhar intrigado do rei Caelum. A semelhança entre os dois não se limita apenas a expressão dos seus olhos, os cabelos possuem o mesmo tom, um loiro escuro. Eu mesma coloco uma mecha comprida do cabelo do meu filho atrás da orelha dele.

“Você teve apenas um sonho, meu anjinho. Volte a dormir, tá bom?” eu o tranquilizo, afagando os seus cabelos sedosos.

“Está bom, mamãe. Mas eu sinto muito que o papai machucou o seu braço, no sonho ele estava muito bravo. Me deixou assustado,” Thorne comenta com um bocejo. Ele se aconchega novamente na cama e eu ajeito a coberta ao seu redor.

“Foi só um sonho, nada disso acontecerá. Eu prometo,” respondo com a voz suave. Só que dentro de mim, sinto uma inquietação com suas palavras.

Eu sempre me esforcei a acreditar que os gêmeos eram de Alexander, afinal, quais seriam as chances de eu engravidar de uma única vez que transei com um estranho? Mesmo que as chances pudessem ser maiores que um porcento, as chances de que os meus filhos são na realidade bastardos do rei Caelum, deveria ser zero.

Tento recordar os traços do rapaz com quem eu dormi há cinco anos e a única imagem que se projeta em minha mente agora é a do rei Caelum. Saio do quarto dos meus filhos negando a possibilidade de que foi com rei Caelum que tive uma noite de prazer.

“Não é possível que ele é o deus grego do bar… é simplesmente impossível, eu teria reconhecido ele naquela noite,” comento baixinho comigo mesma enquanto me arrasto cansada para o meu quarto.

Minha cama me abraça como maciez e eu sinto o meu corpo relaxar por completo. Sou puxada pelas minhas memórias, para um sonho conturbado entre uma noite de paixão e desejo a cinco anos atrás, junto com uma noite de terror e morte que presenciei hoje. Meu sono é agitado e eu mal consigo descansar para o dia seguinte.

“Mamãe acorda, mamãe acorda!” Elowen grita agitada e pula na cama com alegria, me despertando de forma rápida.

O corpo miúdo e fofo da minha filha de cinco anos se alinha acima de mim, apertando a minha barriga que continua dolorida. Eu solto um gemido de dor e a minha filha logo desce de cima de mim, assustada.

“Mamãe, você está bem? Tá com dodói?” Elowen questiona preocupada. Os seus olhos verdes me fazem arfas com a semelhança com o rei Caelum.

“Sim, eu estou bem, minha gatinha. Apenas cai ontem no trabalho e fiz pequenos machucados, mas a mamãe vai ficar bem,” explico com a voz sonolenta ainda.

Elowen se senta na cama ao meu lado e me encara. Os seus cabelos castanhos ondulados estão todos machucados, a sua bochecha está rosada por ter pulado na cama com muita força. Alguns traços de Elowen eu sempre atribuí ao Alexander, com esperança que ele fosse o pai. Só que agora, após a estranha conversa com Thorne, minhas dúvidas sobre quem é o pai deles, me causa confusão e medo.

“Podemos comer panquecas hoje no café da manhã? A vovó falou que não podemos, porque ela não quer fazer,” Elowen declara com uma voz meiga, mas carregada de tristeza com a declaração da avó.

Eu a puxa para perto, lhe abraçando com cuidado e carinho.

“Sim, sim, minha gatinha! Claro que podemos comer panquecas hoje. A mamãe faz para vocês. Agora vai lá para o quarto retirar o pijama, que a mamãe logo vai lá, está bem?”

Elowen concordo animada com a cabeça e logo desce da cama e sai correndo pelo corredor até o quarto dela. Volto a me deita na cama, sentindo o cansaço ainda dominar o meu corpo.

“Ele não pode ser o pai. Estou apenas muito traumatizada com o que houve ontem, é só isso!” balbucio comigo mesma enquanto me levanto.

A hora do café da manhã é sempre agitada em casa. Minha mãe grita com as crianças para elas se arrumarem com mais rapidez, enquanto vou preparando as refeições. Sutilmente, minha mãe deixa em cima da bancada alguns remédios para dores e não comenta mais nada sobre o hoje. No rádio, noticiam sobre o atentado que ocorreu no palácio. Enquanto as crianças estão no quarto se trocando, eu presto atenção nas informações de mortos e feridos.

“O rei Caelum Frost e a rainha Seraphina Ravenshire Frost, se encontram bem e sem ferimentos. Os dois foram realocados para um local secreto e seguro. Os Wolfspawn Renegades foram neutralizados e alguns capturados. Durante o ataque, foi pichado dentro do salão o dizeres: fora mestiço e feiticeiros. Vida longa ao verdadeiro lycan, o rei.” o locutor relata com a voz grave.

Sinto o meu corpo arrepiar com a notícia. A vida de Caelum e Seraphina tem sido atacada nos últimos dois anos incessantemente, me faz sentir pena deles. Mesmo com o rei sendo muito bruto e insano.

Desligo o rádio assim que escuto as vozes altas e estridentes de Thorne e Elowen surgindo pelo corredor junto com a minha mãe. A hora do café se torna cheia de risadas, confrontos e uma bagunça com os gêmeos, mas é algo que eu não trocaria por nada nesse mundo.

Quando chego ao trabalho, o ambiente está carregado de uma tensão quase palpável. As conversas sussurradas entre os funcionários são impregnadas de uma mistura de medo e incredulidade, como se a qualquer momento um novo desastre pudesse acontecer. O atentado no palácio se tornou o único tópico discutido por todos, suas vozes baixas e tensas formando um coro perturbador.

Nicole, aproxima-se de mim com passos lentos e hesitantes. O olhar em seus olhos é de puro sofrimento, como se estivesse carregando o peso do mundo em seus ombros. Suas pálpebras estão inchadas, e suas mãos tremem levemente enquanto as cruza sobre o peito, numa tentativa de se proteger da lembrança do horror.

“Fico feliz que você conseguiu escapar,” declaro com sinceridade, tentando oferecer algum tipo de consolo. Minhas palavras, embora verdadeiras, soam vazias em meio à atmosfera de angústia. A expressão de Nicole se suaviza um pouco, mas a dor continua lá, evidente em cada linha de seu rosto.

“Sim, mas foi por pouco. Entrei em choque, e foi horrível,” Nicole relata com a voz tremula e frágil, como se estivesse a um passo de se quebrar. Suas palavras carregam o peso da experiência traumática que compartilhamos, e eu apenas concordo com a cabeça, incapaz de encontrar algo mais para dizer.

“Eu ainda consigo ouvir os gritos e o barulho dos lobisomens despedaçando as pessoas,” confesso, minha voz carregada de remorso e culpa. Os sons dos gritos agonizantes e o terrível rugido dos lobisomens estão gravados em minha mente, como uma trilha sonora macabra que não consigo desligar. A visão das criaturas bestiais atacando sem piedade, a sensação de estar à beira da morte, tudo isso ainda pesa sobre mim, como uma sombra que não consigo escapar.

Nicole estremece ao ouvir minhas palavras, seu rosto pálido se contorce em uma expressão de aversão e pavor.

“Não quero nunca mais pisar naquele lugar,” ela declara com convicção, sua voz assumindo um tom mais firme, quase resoluto. “Nem me pagando vinte mil moedas de ouro, eu piso naquele lugar,” acrescenta, tentando afastar o medo com uma bravata que soa forçada.

Quero concordar com ela, quero afastar de mim qualquer pensamento de voltar àquele inferno, mas por um momento eu hesito. Uma parte de mim, a parte que está sempre preocupada com a sobrevivência, com a necessidade constante de dinheiro, me impede de afirmar categoricamente que jamais voltarei. A imagem de Thorne e Elowen surge em minha mente, seus rostinhos inocentes que dependem de mim para tudo. A realidade é cruel, e o pagamento daquela noite ainda é algo que preciso desesperadamente.

“Você sabe quando eles vão nos pagar? Se é que teremos algum pagamento, afinal?” questiono preocupada. A incerteza sobre o pagamento é uma nuvem negra que paira sobre mim, uma fonte adicional de ansiedade em meio ao caos. Preciso desse dinheiro para sustentar meus filhos, e a ideia de que poderíamos sair de tudo isso sem nada, nem mesmo uma compensação pelos horrores que vivemos, me deixa ainda mais angustiada.

“Espero que sim e com bônus. Afinal, podíamos ter quase morrido!” Nicole responde com uma amargura velada. Sua voz carrega a indignação de quem sabe que, apesar de tudo o que enfrentamos, o sistema que nos emprega raramente nos valoriza como merecemos. Ela tenta manter uma fachada de bravura, mas sei que a ideia de receber o que é justo é uma esperança frágil.

No entanto, o ambiente tenso e as memórias que ainda queimam em nossas mentes são bruscamente interrompidos pela voz autoritária do nosso chefe, que ecoa pelo espaço, cortando o ar como uma faca. No entanto, o ambiente tenso e as memórias que ainda queimam em nossas mentes são bruscamente interrompidos pela voz autoritária do nosso chefe, que ecoa pelo espaço, cortando o ar como uma faca.

“Ok, pessoal. Chega de papo avulso. Bora trabalhar, aqui o único atentado que pode acontecer, é a falta de organização de vocês com a festa de hoje, entenderam?” Sua voz é rude, quase indiferente, como se não tivesse a menor consideração pelo que passamos. O tom de ignorância em suas palavras é como um balde de água fria, trazendo-nos de volta à dura realidade do trabalho. “Aria, após o expediente eu quero um minutinho com você, preciso da sua ajuda.” ele acrescenta, seu tom mudando para algo mais calculado, o que me faz sentir uma leve pontada de desconforto. Sinto meu estômago se revirar com a menção de uma conversa particular com ele, a última coisa que preciso é lidar com mais problemas após o que passei.

“Tudo bem, senhor.” respondo, tentando manter a voz firme e controlada, apesar da inquietação que começa a se espalhar dentro de mim. As palavras saem de minha boca quase por reflexo, um instinto de obediência que aprendi ao longo dos anos para evitar mais complicações.

As horas passam num borrão de tarefas repetitivas e mecânicas, com cada minuto se arrastando como se o tempo estivesse determinado a prolongar minha ansiedade. O salão e a cozinha estão finalmente limpos, o cheiro dos produtos de limpeza misturando-se com os resquícios de comida e suor, criando uma atmosfera sufocante. Todos os meus colegas de trabalho já se foram, deixando-me sozinha, aguardando a conversa inevitável com meu chefe.

Finalmente, ouço o som de passos pesados ecoando no corredor, e o nervosismo aperta meu estômago como um punho fechado. Meu chefe aparece na entrada do salão, sua expressão endurecida e impassível.

“Venha até o meu escritório, Aria.” Ele ordena com uma voz ríspida e eu respiro fundo, obedecendo ao seu comando.

O escritório é pequeno e abafado, as paredes cobertas por uma camada de fumaça amarelada que denuncia anos de negligência. O cheiro forte de cigarro barato é quase sufocante, uma mistura de nicotina e desespero que parece entranhar-se em minhas roupas e pele. A mobília é velha e desgastada, a mesa de madeira com manchas de queimaduras de cigarro.

Meu chefe se apoia na beira da mesa, observando-me com um olhar que faz meu estômago se revirar. Seus olhos, cobertos por pálpebras inchadas e vermelhas, possuem um brilho que me deixa desconfortável. Há algo predatório em seu olhar, como se ele estivesse me despindo com os olhos, e isso me faz desejar estar em qualquer outro lugar, menos aqui.

“Fiquei sabendo sobre você e a Nicole estarem ontem a noite no castelo, trabalhando. É verdade?” ele pergunta, inclinando-se ligeiramente para frente. A curiosidade em sua voz é evidente, mas há algo mais, algo sombrio e obsessivo. Cada palavra que ele diz carrega um tom insidioso que faz minha pele arrepiar.

“Sim, eu precisava de uma renda extra para completar o salário,” respondo, tentando manter minha voz firme e controlada. Por dentro, sinto meu coração batendo descontroladamente, como se quisesse escapar do meu peito.

“Oh, Aria. Deveria ter me avisado…” ele murmura, sua voz se tingindo de lamento falso. Ele se aproxima de mim, suas intenções se tornando cada vez mais claras à medida que a distância entre nós diminui. Ele mexe numa mecha do meu cabelo com um toque que me faz estremecer de repulsa. A proximidade dele, o cheiro de cigarro misturado ao seu hálito pesado, tudo me causa náusea. “Eu sempre estou disposto a pagar a mais, você sabe.” ele continua, sua voz agora assumindo um tom sedutor, mas para mim, soa mais como o sibilo de uma serpente.

O rosto dele, avermelhado pelo álcool e pela excitação lasciva, está tão próximo que consigo ver os pequenos vasos sanguíneos rompidos em suas bochechas. Sinto meu corpo enrijecer com a proximidade indesejada, meu instinto de autopreservação gritando para que eu me afaste. Com um esforço considerável, desvencilho-me do toque dele, dando um passo para trás na tentativa de colocar alguma distância entre nós.

“Eu agradeço, mas eu prefiro continuar na posição que estou aqui na empresa.” retruco, minha voz vacilando ligeiramente enquanto luto para manter a calma.

Não quero ser ignorante ou provocar a ira dele, pois sei muito bem que um deslize poderia custar-me o emprego. E, neste momento, a última coisa que posso permitir é perder meu trabalho.

“Tem certeza, Aria? Você é uma mulher tão linda… com certeza você saberia como tenho condições de te ajudar. Sair dos serviços braçais para algo mais… prazeroso,” ele insinua, sua voz cheia de uma malícia que me faz querer vomitar. A sugestão implícita em suas palavras é clara, e cada fibra do meu ser grita em protesto.

“Senhor, eu prefiro manter as coisas do jeito que elas estão.” respondo, tentando disfarçar o nojo que cresce dentro de mim. “Afinal, o senhor é um homem casado, acredito que sua esposa não acharia nada disso certo. Ficar fazendo propostas tão vulgares assim!” acrescento, deixando um toque de raiva escapar na minha voz. Não consigo mais segurar o desprezo que sinto por ele, mas, ao mesmo tempo, estou ciente de que essas palavras podem me custar caro.

O rosto do meu chefe se contorce de raiva, e seus olhos estreitam-se numa expressão de desprezo. Posso ver claramente que minhas palavras o atingiram em seu ego e orgulho, e sei que uma represália está a caminho. A atmosfera no pequeno escritório se torna ainda mais sufocante, o ar pesado com a tensão crescente.

“Olha aqui, sua vagabu…” ele começa a dizer, a voz carregada de fúria enquanto ele estende a mão para agarrar meu braço com uma força inesperada. Sua brutalidade é repentina e chocante, e sinto o aperto doloroso dos dedos dele na minha pele, como garras cravando-se em carne viva. O medo explode dentro de mim como uma corrente elétrica, meu corpo reage instintivamente, querendo se afastar.

Mas antes que ele possa terminar a frase ou fazer algo pior, o som de um forte baque interrompe a cena. A porta do escritório se abre com violência, batendo contra a parede com um estrondo que ecoa no pequeno espaço.

“Mas que merda?” meu chefe exclama, soltando meu braço enquanto gira a cabeça para ver quem ousa interromper.

Na porta, a figura imponente do rei Caelum se destaca, sua presença dominando o ambiente como uma tempestade prestes a desabar. Atrás dele, cinco homens armados o acompanham, suas expressões sombrias e alerta, prontos para qualquer coisa. O olhar do rei é duro e cheio de propósito, seus olhos verdes fixos em meu chefe com uma intensidade que faz o ar no escritório parecer ainda mais pesado.

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