Alem do contrato
Bruno Lafaiete
Seguro o copo com o líquido escurecido inspirando o forte cheiro do álcool, perdido em pensamentos estranho, sim, estranhos. De uma maneira distorcida aquela garota atrai um homem que imaginei ter matado anos atrás. Dizem que com a idade recebemos um bom grau de sabedoria, então, por que na minha frente tem esse contrato de casamento?
No primeiro momento queria apenas ensinar uma lição a ela, em noites como essa estaria em alguma boate fodendo com alguma desconhecida, agora, estou olhando para o celular que continua com a tela apagada sem nenhuma notificação em resposta ao texto ridículo. Com raiva puxo o aparelho abrindo o aplicativo de mensagens pronto para apagar a besteira que escrevi, mas são as setas verdes confirmando a leitura da mensagem que causam um tremor ridículo no meu peito.
Jogo as costas contra a poltrona de couro, batendo os dedos na mesa e tomando a bebida de uma única vez, os cabelos cacheados caindo pelas costas emoldurando o busto as meias deixando as pernas grossas exibidas embaixo da saia colegial.
Aperto a têmpora desesperado pela visão que se forma na minha mente, aquela saia tão curta, Deus. Ela é apenas uma criança, uma criança crescida, uma capaz de me enfrentar para manter aquele local que considera um lar.
Foda-se
Saio do escritório e vou para o quarto tomar um banho gelado, mesmo enlouquecendo por dentro me recuso a bater uma pensando nela. Demoro boas horas olhando pela parede de vidro para os prédios da cidade abaixo da minha cobertura até finalmente conseguir pegar no sono.
Quando os primeiros raios de sol entram no quarto, rapidamente levanto e me arrumo, nem espero a empregada chegar para preparar o meu café da manhã. Descendo para o estacionamento privativo, chego a soltar uma risada ao olhar a porcaria do SUV que adotei para ir buscar ela. Todos sabem da minha paixão por carros caros e velozes, em menos de uma semana Lívia está causando uma confusão na minha vida tão certinha. Ela atrai uma besta que vive escondida nas sombras, por um único motivo.
A maneira como ela gosta de jogar na minha cara que somos a porcaria de um contrato mexe no meu ego. Ontem, aquele beijo deixou o meu corpo cheio de desejo por ela, mas a visão dela conversando com o garoto na frente do colégio foi o pior.
Antes de chegar no carro, Marcos se aproxima com uma pasta na mão direita.
“As informações que o senhor pediu.” Informa estendendo o conteúdo.
Abro a pasta verificando as fotos dos garotos que estavam sendo ofensivos com ela após descer do carro, no final encontro a foto do garoto que estava conversando, Miguel.
“Quero eles mortos.” Declaro de maneira firme. “Principalmente esse Miguel.”
Diante do silêncio ergo a cabeça para o segurança que parece não acreditar nas minhas palavras.
“Algum problema em acatar a minha ordem Marcos?” Questiono esticando a pasta de volta para ele.
Vejo a maneira como o homem engole em seco, pesando as palavras antes de falar.
“Se o senhor planeja manter a garota longe dos negócios é melhor evitar mortes desnecessárias.”
“Desnecessárias..”
“Eles são apenas garotos mimados por serem herdeiros até de alguns dos seus afiliados, um susto resolverá isso e quanto ao último, é um garoto pobre talvez por isso seja amigo da Senhora Lafaiete.” Termina o discurso
Mas é a maneira como pronuncia Senhora Lafaiete que me faz reconsiderar a vontade que tenho em matá-los.
“Se eles importunarem minha esposa outra vez e se esse Miguel continuar babando nela, eu mesmo mato eles e te castigo pela sua falha.” Declaro.
Ele mantém a postura firme aceitando o acordo mesmo com as consequências para cima dele.
“Marcos” Chamo lembrando de outra coisa.
“Senhor.”
“Mantenha os paparazzi longe de qualquer coisa que envolva Lívia.” Ordeno
“Sim, Senhor.”
Entro no carro, saindo para as ruas que começam a ganhar alguma movimentação mordo os lábios sentindo a mesma pontada no peito pela falta de resposta a mensagem que mandei. Definitivamente não suporto esse tratamento silencioso, ontem, quando ela saiu apressada do carro sem ao menos levar a caixa de chocolate precisei controlar a minha vontade em sair correndo atrás dela como a porcaria de um adolescente.
Um beijo, apenas isso.
Um maldito beijo delicioso com gosto doce de chocolate, o gemido baixo que ela soltou foi direto para a parte sul do meu corpo.
Paro no sinal passando a mão no cabelo, atordoado por esses sentimentos, por esse desejo… Sempre fui envolvido com mulheres mais velhas desde a adolescência, estava ignorando os pedidos de casamento do meu pai justamente por não querer casar com uma “prometida” oito anos mais nova e agora estou caindo para uma garota onze anos mais nova.
A buzinada me acorda do transe, inspiro profundamente e fico arrependido pelo perfume de baunilha ainda estar espalhado no carro. Sei que joguei pedra na cruz, mas será que à punição não poderia ser mais leve, essa versão de piedade fará aparecer fios brancos no meu cabelo.
Aperto firme o volante e quando estaciono na frente do orfanato, pulo rápido demais para fora dando um susto na Madre que está abrindo os portões, ela leva a mão ao peito antes de abrir o sorriso desconfiado já marcado nos lábios desde o momento em que me conheceu.
“Não tenho mais idade para levar sustos assim, Senhor Lafaiete.” Resmunga.
“Bom dia Madre, apenas Bruno por favor, desculpe pelo susto.” Abro um sorriso de ponta a ponta.
“Está desculpado, algum motivo especial para a pressa?”
Ela nem ao menos retribui o Bom Dia e sei que é uma forma de manter a postura protegendo a minha garota.
“É que…” de repente fico nervoso, sinto-me uma criança aprontando. “Lívia não respondeu à mensagem que enviei ontem.”
Admito um pouco envergonhado acompanhando a mulher para dentro, ela ergue a sobrancelha desconfiada.
“Fez algo que pudesse chateá-la?”
“Acho que sim.” Admito.
“Se está arrependido e não cogita fazer novamente, peça desculpas, mas se pretende apenas fazê-la de tola é melhor reconsiderar esse noivado.” Para no saguão com a mão firme na cintura e olhar sério.
“Tem razão Madre.” Respondo. “Vou pedir desculpas a ela.”
O olhar de águia continua em cima de mim, durante todo o café da manhã se desviando apenas quando Lívia aparece com os cabelos cacheados divididos ao meio formando duas tranças que caem por cima do busto farto coberto pela camisa branca da farda. Seu olhar encontra o meu e só percebo estar prendendo a respiração quando noto suas feições amenas e sem nenhum inchaço.
Nossa conversa parece ser silenciosa em trocas de olhares durante todo o café da manha, entre as crianças brincando e alguns deles se alimentando com ajuda dela, fico admirando o jeito com cuida de cada um como se fossem seus filhos. Quando finalmente finalizamos, a puxo sem deixar que carregue a mochila. Lia abre um sorriso pequeno de aprovação e isso alivia a minha impaciência para ficar sozinho com Lívia.
Durante o caminho no carro converso amenidades com Lia, observando pelo canto dos olhos a maneira como Lívia torce os dedos contra a saia. Assim, que a melhor amiga dela desce acelero o carro um pouco para poder pegar uma rua menos movimentada e estacionar.
“Livia.” A chamo.
Ela se vira com os belos olhos escuros e os cilios longos batendo.
“Não precisa se justificar por mandar aquela mensagem para a pessoa errada.” Declara.
“Eu mandei para a pessoa certo.” Rebato.
“Você disse que foi um erro, Bruno.” Acusa ficando com as bochechas levemente avermelhadas.
Ergo a mão alcançando a bochecha tão delicada fazendo carinho com o polegar.
“O meu erro é ter criado esse contrato de casamento acreditando que ver o seu amor por aquelas crianças não iria me afetar.” Murmuro fazendo ela ficar surpresa. “Hoje, meu segurando perguntou se viríamos buscar a Senhora Lafaiete e porra eu gostei de como isso soa.” Declaro omitindo a parte em que gostaria de matar os seus colegas.
“Bruno conheço você há pouquíssimo tempo, menos de uma semana e o pior de tudo vi toda a sua arrogância dentro daquele banheiro.”
“Sei disso, mas estou disposto a tentar fazer dar certo.” Desço a mão da bochecha para a trança.
“Eu não acredito que você está interessado logo em mim.”
“Nem eu, mas aqui estamos.” Declaro ainda horrorizado por isso.
“Me deixa no colégio por favor.”
“Pensa sobre isso Lívia.” Peço fazendo a minha melhor cara de cachorro abandonado.
“Tudo bem.”
Esforço enorme para tirar a mão dela, dou sinal com a seta para os seguranças saberem que voltaremos a rota, fazemos o restante do percurso em silêncio e isso causa uma ansiedade ridícula dentro do meu peito, quero beijar essa garota até ela dizer que aceita ser minha além do papel.
Droga, sera que fizeram algum feitiço de ódio para que eu seja castigado ficando interessado em uma garota que decidi casar a primeira vista?
Quando paro o carro na frente do colégio observando que os garotos não estão apoiados contra o muro, contenho a vontade de sorrir.
“Boa aula.” Falo notando que ela já está praticamente fora do carro.
Suspiro derrotado olhando pelo vidro, para acompanhar ela, quando não a vejo volto a olhar para a porta, Livia com metade do corpo para dentro todos os botões da camisa fechados e um cordão delicado de prata com uma cruz balançando. Ela se aproxima rápido demais e dá um beijo na minha bochecha, ficando completamente vermelha.
“Vamos tentar.” Fala e logo sai, fechando a porta do carro.